História pra Ninar Gente Grande
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História pra Ninar Gente Grande foi o enredo apresentado pela Estação Primeira de Mangueira no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro do carnaval de 2019, com o qual a escola conquistou o seu vigésimo título de campeã do carnaval carioca, três anos após a conquista anterior, em 2016. O enredo da escola fez uma revisão da História do Brasil, exaltando lideranças populares negligenciadas pela narrativa oficial, como Dragão do Mar, Luísa Mahin e Cunhambebe, e desconstruindo a imagem de figuras apontadas como "heroicas" como Pedro Álvares Cabral, Marechal Deodoro da Fonseca e Dom Pedro I. O enredo foi desenvolvido pelo carnavalesco Leandro Vieira, que conquistou seu segundo título no carnaval do Rio.[1]
História pra Ninar Gente Grande | ||||
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Mangueira, 2019 | ||||
Cartaz do desfile de 2019 da Mangueira. | ||||
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A Mangueira foi a sexta escola a se apresentar na segunda noite do Grupo Especial, iniciando seu desfile na madrugada da terça-feira de carnaval, dia 5 de março de 2019. O desfile gerou imagens fortes como uma reprodução do Monumento às Bandeiras pichado, numa crítica à exaltação aos Bandeirantes. Na última alegoria, uma componente representando Princesa Isabel com mãos sujas de sangue, e componentes representando Padre José de Anchieta, Duque de Caxias e Marechal Floriano Peixoto dançando em cima da reprodução de corpos ensanguentados. Uma bandeira do Brasil estilizada com as cores verde e rosa e com a inscrição "Índios, negros e pobres" no lugar de "Ordem e Progresso" encerrou a apresentação, e, posteriormente, foi exposta do Museu de Arte Moderna do Rio.[2] O desfile foi aclamado pela crítica especializada, ganhando adjetivos como "histórico", "impactante", "transgressor", "arrebatador", e sendo listado entre os melhores do século. A Mangueira recebeu diversas premiações, incluindo o Estandarte de Ouro, o Tamborim de Ouro e o S@mba-Net de melhor escola do ano.
Outro destaque do desfile foi o samba-enredo composto por Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Silvio Moreira Filho (Mama), Márcio Bola, Ronie de Oliveira, Danilo Firmino, Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo. Vencedor de diversas premiações, o samba fez sucesso antes mesmo do carnaval, e ganhou diversas regravações após o desfile. Citando Marielle Franco, a obra virou um hino em homenagem a vereadora, assassinada em 14 de março de 2018. O samba também foi usado por professores para ministrar aulas e inspirou os alunos da Olimpíada Nacional em História do Brasil a criarem um dicionário com verbetes sobre personalidades raramente estudadas pela historiografia oficial do Brasil.[3][4]
A Mangueira foi campeã com três décimos de vantagem sobre a vice-campeã, Unidos do Viradouro. Ao todo, a escola recebeu apenas três notas abaixo da máxima, mas, seguindo o regulamento do concurso, todas foram descartadas. Enquanto políticos de esquerda elogiaram e até participaram do desfile, políticos de direita criticaram a escola de samba.[5] O Comando do Exército Brasileiro divulgou uma nota em defesa do seu patrono, Duque de Caxias, que foi duramente criticado no desfile.[6]
Retrospecto
No carnaval de 2016, a Estação Primeira de Mangueira conquistou seu 19.º título na elite da folia carioca, quebrando o jejum de quatorze anos sem conquistas.[7] O enredo "Maria Bethânia: A Menina dos Olhos de Oyá" foi desenvolvido pelo carnavalesco Leandro Vieira, que foi campeão em seu ano de estreia no Grupo Especial.[8] No carnaval de 2017, a Mangueira se classificou em quarto lugar com um enredo de Vieira sobre a religiosidade dos brasileiros.[9]
Para o carnaval de 2018, o então prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, anunciou o corte de 50% do repasse de verbas públicas para as escolas de samba.[10] Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, Crivella foi acusado de ser influenciado pela sua religião ao cortar parte da verba do carnaval.[11] Em 2018, a Mangueira foi a quinta colocada do carnaval. Leandro Vieira desenvolveu o enredo "Com Dinheiro ou Sem Dinheiro, Eu Brinco!", inspirado no corte de verba das escolas de samba. No desfile, foram usadas frases de impacto em alegorias e fantasias, como "Prefeito, pecado é não brincar o Carnaval!" e "Olhai por nós. O prefeito não sabe o que faz". Crivella também foi retratado como um boneco de Judas em uma das alegorias.[12][13] Com o sucesso do desfile, a imagem de Vieira ficou relacionada como "carnavalesco político", havendo expectativas para que, em 2019, um novo enredo de críticas políticas fosse realizado.[14]
Preparação para 2019
Oito dias após o desfile de 2018, Leandro Vieira renovou seu contrato com a Mangueira.[15] Inicialmente, foi notificada a intenção da agremiação em homenagear a Itália.[16] Em maio do mesmo ano, Vieira confirmou que mais nove enredos estavam em análise para o carnaval de 2019.[17] Um mês depois, em 22 de junho de 2018, a Mangueira divulgou em suas redes sociais o enredo escolhido, batizado de "História pra Ninar Gente Grande". No mesmo dia foi divulgada a sinopse do enredo, assinada por Leandro Vieira, e a logomarca do desfile, desenvolvida por Igor Matos.[18][19]
Em maio de 2018, logo após as comemorações dos 90 anos da Mangueira, começaram os preparativos técnicos para o desfile de 2019. Os resultados do carnaval de 2018, mostraram penalidades em dois quesitos de julgamento: bateria e comissão de frente. Foram então trocados os comandos desses dois segmentos. Responsáveis pela célebre comissão de frente com troca de roupas da Unidos da Tijuca em 2010, Priscilla Mota e Rodrigo Negri assumiram a direção da comissão de frente da Mangueira.[20] A bateria mangueirense passou a ser comandada por Mestre Wesley, ritmista da Mangueira desde 1987 e primeiro mestre de bateria da escola mirim Mangueira do Amanhã.[21][22] A Mangueira também trocou de intérprete oficial, contratando Marquinho Art'Samba para substituir Ciganerey, que estava na escola desde 2016.[23] Repetindo o posto de 2018, o cantor Péricles também foi anunciado como um dos intérpretes para o desfile de 2019, mas, por conflitos de agenda, sua participação foi cancelada.[24] Compositor da escola, o produtor musical Alemão do Cavaco assumiu o posto de diretor musical da agremiação.[25] No dia 17 de julho de 2018 a LIESA sorteou a ordem de apresentação das escolas de samba para o desfile de 2019. A Mangueira foi sorteada para ser a sexta, e penúltima, agremiação a se apresentar na segunda noite do Grupo Especial.[26]
No dia 8 de novembro de 2018, o presidente da escola, e deputado estadual, Chiquinho da Mangueira, foi preso pela Polícia Federal na operação Furna da Onça. Chiquinho foi acusado pelo Ministério Público Federal de usar a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para beneficiar o Governo de Sérgio Cabral (2011-2014) em votações, recebendo, em troca, uma propina mensal. Em nota divulgada à imprensa, a Estação Primeira de Mangueira declarou que "apesar dos acontecimentos políticos recentes que motivaram a ausência temporária de seu presidente, Chiquinho da Mangueira, todas as atividades da agremiação seguirão normalmente, assim como o seu planejamento para o carnaval 2019. A instituição, que completou 90 anos em abril, sempre estará acima das pessoas e possui um estatuto vigente que vem sendo cumprido em sua totalidade".[27][28] Com a prisão de Chiquinho, o vice-presidente da escola, Aramis Santos, assumiu a presidência da agremiação. A Uber, que havia oferecido R$ 500 mil para cada escola, desistiu do patrocínio por causa da prisão de Chiquinho, desautorizando a vinculação da marca com o carnaval.[29][30] O atraso no pagamento do subsídio pela Prefeitura do Rio aumentou ainda mais a crise financeira na escola, que precisou tomar medidas drásticas como cancelar ensaios na quadra e cortes na equipe de trabalho.[31][32] Em janeiro de 2019, o então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio Noronha, concedeu habeas corpus para Chiquinho da Mangueira.[33] Em prisão domiciliar, ele não pode comparecer ao desfile, assistindo a apresentação de casa.[34]
Na noite do domingo, dia 17 de fevereiro de 2019, a escola realizou seu ensaio técnico, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, debaixo de chuva. Segundo análise do site SRzd, "a comunidade mostrou entrosamento e cantou com força o samba". A rainha de bateria Evelyn Bastos, desfilou amordaçada, caracterizada como Escrava Anastácia.[35] Após o ensaio, Marquinho Art'Samba foi preso por falta de pagamento de pensão alimentícia.[36] No dia seguinte, o intérprete foi solto.[37] A confecção das fantasias da ala infantil e da velha-guarda da escola, foram feitas em parceria com o Curso de Design de Moda da Universidade Estácio, de Juiz de Fora, que entregaram os trabalhos em 24 de fevereiro de 2019.[38]
Desenvolvimento
"A proposta é questionar acontecimentos históricos cristalizados no imaginário coletivo e que, de alguma forma, nos definem enquanto nação. Essas ideias de "descobrimento" "independência" e "abolição" postas em cheque ou questionadas para possibilitar o entendimento do desprezo pela cultura nacional e as razões de uma sociedade pacífica ou, porque não, passiva."
—Leandro Vieira, carnavalesco e autor do enredo.[39]
A intenção da escola foi fazer "do desfile uma grande homenagem a personagens importantes que foram apagados da história do Brasil."[18] Foi usado, para descrever o enredo, termos como "Lado B da história",[40] "História do Brasil que não está nos livros"[41] e "pela ótica dos heróis populares".[42] O carnavalesco Leandro Vieira desenvolveu a ideia e a sinopse do enredo como uma crítica ao movimento político Escola sem Partido, que defende uma educação sem "doutrinação ideológica" de esquerda nas escolas. O artista fundamentou que o negacionismo histórico cria uma população "ninada", sendo "o enredo [...] [uma proposta] para ‘acordar’ gente grande".[43]
Vieira realizou pesquisas em teses e livros referentes a histórias não tradicionais sobre o Brasil, além de realizar consulta em documentos iconográficos e realizar encontro com historiadores para aprofundamento das informações. Nessas pesquisas, Vieira decidiu escolher, na publicação da argumentação, histórias sobre as resistências contra a Escravidão no Brasil e a Abolição da escravatura no Brasil, fugindo da narrativa de ser uma simples lei assinada pela bondade de Princesa Isabel, assim como enfatizar trajetórias políticas de pessoas que lutaram contra este sistema, usando de exemplo Francisco José do Nascimento (conhecido como Chico da Matilde), Maria Felipa de Oliveira e Cunhambebe.[39]
Sinopse
A sinopse oficial de "História pra Ninar Gente Grande", divulgada no site da Mangueira, foi escrita por Leandro Vieira a partir de suas pesquisas a documentações pertinentes. O objetivo, portanto, seria oferecer "um olhar possível para a história do Brasil. Uma narrativa baseada nas 'páginas ausentes'. Se a história oficial é uma sucessão de versões dos fatos, o enredo que proponho é uma 'outra versão'", afirmou. Vieira salienta que essa "história oficial" tem a pretensão de mostrar uma visão vencedora e heroica de personagens que agiram de forma brutal contra populações marginalizadas desde o início do Brasil. Afirma, na sinopse, que o Descobrimento do Brasil foi um domínio, saqueamento e a Lei Áurea resultado de muitas lutas de populações que não representavam o Império brasileiro. Sobre o título, argumenta que "conta-se uma história na qual as páginas escolhidas o ninam na infância para que, quando gente grande, você continue em sono profundo." Vieira argumenta que as versões históricas mais conhecidas sobre o Brasil, foram feitas e associadas às bem feitorias das elites econômicas e militares do país. Isso, portanto, construiu uma reação negativa referente a vasta tradição indígena e africana na cultura brasileira. Vieira ainda defende que, na verdade, a história do Brasil começou a mais de 12 mil anos, com a ocupação dos primeiros povos indígenas nas regiões do Amazonas, Bahia e Minas Gerais.[39]
Na sinopse, Vieira afirma que o Brasil, desde 1500 com o "descobrimento", foi constituído por golpes de estados, principalmente por momentos cruciais, como a chegada de Cabral, o 'ladrão'; Dom Pedro I, que decretou uma independência com poucas mudanças no país; Proclamação da República que é descrita como uma declaração continuísta, que aconteceu sem a participação popular e organizada por Marechal Deodoro da Fonseca, um monarquista que era amigo pessoal de Dom Pedro II, o imperador golpeado; e o Golpe Militar de 1964 que criou a ditadura militar brasileira, até hoje lembrada e homenageada pelo nome de seus ditadores em avenidas, lugares públicos e monumentos ao ar livre. Em contrapartida a essas histórias, o enredo pretende mostrar a história não contada de pessoas que estavam participando ativamente contra esses acontecimentos.[39]
Personagens citados
O enredo foi descrito pela mídia e pela divulgação oficial da Mangueira como "diferente dos tais atos heroicos de figurões" e uma história “pela ótica dos heróis populares”.[42] Como figurões, o enredo salienta principalmente Pedro Álvares Cabral, que historicamente é descrito como o "descobridor do Brasil"; Princesa Isabel como a "redentora" por assinar a lei que tornou oficial a libertação das pessoas escravizadas no Império do Brasil em 1888; o imperador Dom Pedro I que é simbolizado como o líder que libertou o Brasil do comando português que explorava as capitanias locais em 1822; e Marechal Deodoro da Fonseca, que é visto como o proclamador e libertador do povo brasileiro contra as amarras de um Império falido em 1889. No decorrer da sinopse, Vieira faz diversas denúncias sobre as tentativas de criação de personagens que pudessem significar a independência e argumentar a favor da proclamação da República de 1889, como a imagem de Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Em seguida, como critica aos personagens criados a partir de golpes de estado, Vieira aponta a fortificação simbólica dos nomes dos ditadores Humberto de Alencar Castelo Branco que iniciou as eleições indiretas, o segundo ditador Costa e Silva que fechou o Congresso Nacional e autorizou o Ato Institucional n.º 5 que suspendeu as vias democráticas do Brasil e atribuiu o poder constitucional exclusivamente ao presidente e o terceiro ditador Emílio Garrastazu Médici, o percursor da fase chamada Anos de Chumbo, que autorizou as torturas e perseguições à manifestações políticas no país.[39]
Em contrapartida, Vieira salienta em forma de personagens a "atuação de 'gente comum'" em táticas de resistência na escravidão, como a organização em quilombos, fugas efetuadas por grupos e esforços singulares e coletivos para a conquista da alforria para pessoas ainda em regime de escravidão no Brasil. Para exemplificar, cita a biografia de Chico da Matilde, Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, um jangadeiro do estado do Ceará que por trabalhar em navios, organizou o fim do embarque de pessoas escravizadas no estado, abolindo totalmente a escravidão cearense em 1884, quatro anos após a abolição oficial nacional. Ademais, também faz menção aos personagens Zumbi dos Palmares, o líder do maior quilombo democrático já localizado no Brasil; Dandara dos Palmares, por sua atuação em combates contra a coroa portuguesa; Luiza Mahin pela articulação dos levantes de pessoas escravizadas na Bahia; e Maria Felipa de Oliveira por atear fogo em embarcações portuguesas e usar de sabedorias locais para sabotar seus inimigos. Bem como, aponta a resistência indígena nas decisões do Brasil, a partir da liderança de Cunhambebe, um indígena tupinambá que soube manter contato com os portugueses e franceses logo após suas chegadas nas terras tupinambás e manter viva sua população;, a Confederação dos Cariris contra a invasão portuguesa; e a atuação dos Caboclos de Julho na Independência da Bahia.[39]
Processo de escolha
Em 24 de julho de 2018 foi realizada uma reunião entre o carnavalesco Leandro Vieira e compositores da escola, no Barracão da Mangueira na Cidade do Samba, para tirar dúvidas sobre o enredo. O regulamento para a participação do concurso que elegeria o samba-enredo do desfile, exigiu a colaboração de dois a seis compositores por obra, o pagamento de uma taxa de R$ 600, a entrega de trinta cópias imprimidas da letra do samba, 3 CDs ou 2 pen drives com o samba gravado em formato MP3 e o prazo para a entrega e inscrição no dia 21 de agosto de 2018. Junto ao edital de participação, foi decidido o calendário das classificatórias e eliminatórias, com a primeira eliminatória no dia 1 de setembro; a segunda no dia 8; a terceira no dia 15; a semi-final no dia 22; e a "grande final" no dia 29 de setembro.[44]
Dezesseis parcerias inscreveram sambas no concurso da escola:[45]
- Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Marcio Bola, Ronie Oliveira e Danilo Firmino.
- Alemão do Cavaco, Lequinho, Jr Fionda, Gabriel Machado, Wagner Santos e Gabriel Martins.
- Hélio Turco, Partidinho da Mangueira, Sérgio Gil, André Luis, Bel da Uerj e Fernando do Chalé.
- Tantinho da Mangueira, Cadu, Paulinho Bandolim, Guilherme Sá, Guto Garcia e Bico Doce.
- Beto Savanna, Daniel D’Almeida, Armandinho, Zé Ricardo, Marcio de Deus e Marcelo Oliveira.
- Gilson Bernini, Gustavo Louzada, Jorginho Bernini, Fernando Miranda, Fred Pessanha e Tiko da Mikinha.
- Marcelo Nunes, Henrique Barga, Fábio Jelleya, Alexandre Naval, Renato Forti e Newtinho Rapha SP.
- Rodrigo Pinho, Poeta, Pedro Terra, Rubens Gordinho, Zé Carlinhos e Mauro.
- Celso Tropical, Renato Pacote, Tom Bralca, Ginha, Téo Dimeriti e Foca.
- Bira Show e Leandro Almeida.
- Rody, Martinho Jorge, Claudio Alves e Baiano LP.
- Caíque Alves, Sérgio Hermenegildo, Pety Barbosa e Wanderley Freitas.
- Marquinho da Hora, Jorge Zulu, Rita Diir, Fabio Lima e Aldi.
- Maestro Jota, Mestre Baggio, Tutula, Victor Cav e Cleber Luiz.
- Arimatéia, Beto Baluartes, Jaime Lopes, Cirrose Partideiro, Claudinho Melodia e Ítalo Costa.
- Jacob e Paulina Jacob.
Com o processo de eliminações, classificações e mudanças nas datas para as escolhas, a final da disputa foi realizada na madrugada do domingo, dia 14 de outubro de 2018. Foi organizado, para o evento, uma estrutura com capacidade de lotação máxima na quadra de ensaio da escola de samba no Morro da Mangueira, com a tarifa de entrada por R$50, e R$ 80 para o aluguel de mesas com quatro cadeiras. Três sambas disputaram a final (parcerias de Deivid Domênico; Alemão do Cavaco; e Hélio Turco) tendo quarenta minutos, cada um, para apresentar a letra, de forma repetida, para o júri competente escolhido pela agremiação. O resultado final foi divulgado na manhã do dia 14 de outubro.[46] O samba-enredo vencedor foi composto por Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Marcio Bola, Ronie Oliveira e Danilo Firmino. Posteriormente, foi revelado que o casal Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo também compôs o samba vencedor, mas não assinaram a obra por também estarem concorrendo na disputa da Portela, que exigia exclusividade.[47] Um dos autores do samba de 2015 da Mangueira, Deivid Domênico assina sua segunda obra na escola. Os demais compositores da parceria venceram pela primeira vez na Mangueira.[48]
Gravação
Após a escolha do samba-enredo, componentes da escola e cerca de cinquenta ritmistas da bateria se reuniram em 18 de outubro de 2018, no barracão da agremiação na Cidade do Samba, para gravar a versão oficial do samba-enredo para o álbum do carnaval e o videoclipe da canção.[49] A escola optou pela bateria completa nas duas passadas do samba, com andamento de 144 bpm.[50] A obra da Mangueira é a quinta faixa do álbum Sambas de Enredo 2019, lançado nas lojas físicas e plataformas de streaming de áudio em 30 de novembro de 2018.[51]
Letra e melodia
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A letra do samba personifica o Brasil, com quem o narrador tem uma conversa onde são apresentados personagens e histórias comumente negligenciadas pela narrativa - tida como oficial - da história brasileira ("Brasil, meu nego deixa eu te contar / A história que a história não conta / O avesso do mesmo lugar / Na luta é que a gente se encontra / Brasil, meu dengo a Mangueira chegou / Com versos que o livrou apagou"). Os vocativos "meu nego" e "meu dengo" reforçam o tom afetivo da conversa. A seguir, o narrador lembra as diversas invasões sofridas pelo país, como a descoberta do Brasil que, na verdade, foi uma invasão dos europeus a um país já habitado por indígenas ("Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento"). No trecho seguinte, "Tem sangue retinto pisado / Atrás do herói emoldurado", questiona-se o heroísmo conquistado às custas de muitas mortes, como no caso dos bandeirantes, homenageados com nomes de rua e monumentos em espaços públicos apesar do histórico violento contra negros e indígenas. O narrador pede então que se exalte mulheres, tamoios e mulatos ao invés dos "heróis", em sua maioria homens brancos, questionados anteriormente ("Mulheres, Tamoios, mulatos / Eu quero um país que não tá no retrato"). Em seguida, o samba faz referência à líder quilombola Dandara, esposa de Zumbi dos Palmares; e à Confederação dos Cariris, movimento de resistência de indígenas brasileiros das nações Cariri e Tarairiú à dominação portuguesa ("Brasil, o teu nome é Dandara / E a tua cara é de Cariri"). O trecho seguinte descontrói o protagonismo da Princesa Isabel na abolição da escravidão no Brasil, enaltecendo as ações pró-abolição feitas por Chico da Matilde, também conhecido como Dragão do Mar. O jangadeiro, cearense de Aracati, foi expoente na luta abolicionista que resultou na abolição da escravidão no Ceará, cinco anos antes da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel ("Não veio do céu / Nem das mãos de Isabel / A liberdade / É um dragão no mar de Aracati").[52]
"O samba da Mangueira fala das maiorias, e não das minorias. A maioria das pessoas não é príncipe, princesa ou rainha. A maioria são os 'heróis de barracões'. Quando isso é explicado, as pessoas se reconhecem. E, ao se reconhecerem, elas abraçam. A gente tem poucos espaços para dizer que esse país não é feito de banqueiros, e sim de trabalhadores".
—Manu da Cuíca, uma das compositoras do samba da Mangueira.[46]
"Salve os caboclos de julho" faz referência aos caboclos que lutaram pela Independência da Bahia contra as tropas portuguesas, derrotadas no dia 2 de julho de 1823. "Quem foi de aço nos anos de chumbo" faz alusão aos que lutaram contra a ditadura militar no Brasil. Em "Brasil, chegou a vez / De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês", o samba usa uma aliteração, com a repetição da sílaba "Ma", para exaltar figuras que lutaram pela sobrevivência diária e por justiça social, como: Maria Felipa, capoeirista que participou da luta pela independência na Bahia; Luísa Mahin, envolvida nos levantes de escravos na então Província da Bahia; Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro e militante dos direitos humanos, assassinada em 14 de março de 2018; e os malês, negros de origem islâmica, que organizaram a Revolta dos Malês, o maior levante de escravizados da história do Brasil. O uso de plurais nos nomes das mulheres citadas expande para além da individualidade as personagens engajadas nas lutas. No único refrão do samba, o narrador pede que a Mangueira "tire a poeira dos porões", no sentido de que é preciso revisitar o passado, que está esquecido e "empoeirado" ("Mangueira, tira a poeira dos porões / Ô, abre alas pros seus heróis de barracões"). "Barracões" tem duplo sentido, se referindo tanto aos barracões da escola de samba - onde é confeccionado o desfile, quanto às moradias das favelas, popularmente chamadas de barraco. O samba termina exaltando a pluralidade cultural brasileira e os artistas populares, exemplificados na figura dos ilustres mangueirenses Leci Brandão e Jamelão ("Dos brasis que se faz um país de Lecis, Jamelões") e das múltiplas vozes anônimas que cantam junto com a Mangueira ("São verde e rosa as multidões").[52]
Crítica especializada
O jornalista Bernardo Araujo, do jornal O Globo, apontou o samba da Mangueira como um dos destaques da safra de 2019. Para Bernardo, "o samba mais badalado do pré-carnaval, 'História pra Ninar Gente Grande', da Mangueira, arrepia ao citar "marias e marielles" (referindo-se à vereadora assassinada Marielle Franco) e ainda manda "lecis" e "jamelões", num original e saboroso name-dropping, mas talvez sua força esteja mais no conteúdo político (e necessário) do que no samba-enredo em si".[53] Bruno Kazuhiro, do Diário do Rio, escreveu que "apontado por alguns como o melhor do ano, o samba-enredo da verde e rosa tem forte cunho político e incentiva a indignação popular. A melodia é apenas boa, mas o conteúdo da letra se destaca e deve estabelecer conexão afetiva com o público".[54]
Para Bruno Guedes, da Cult Magazine, o samba mangueirense já nasceu antológico: "Sensação do período de disputas de samba, a obra se tornou famosa antes mesmo de ser escolhida. [...] Como vem se tornando habitual neste últimos anos, foge ao padrão estético e traz melodia excepcional e letra que tem seus grandes pontos fortes".[55] Carlos Alberto Fonseca, do site especializado Sambario, destacou o samba da Mangueira como "o samba do ano" e "o grande samba do século na Estação Primeira", apontando que "o enredo, que valoriza os heróis esquecidos da história do país, tem um samba fabuloso e fidalgamente necessário".[56]
"Samba da Marielle"
O samba-enredo da Mangueira ficou conhecido como o "samba da Marielle".[57] As reportagens da imprensa reduziram tanto o samba quanto o desfile da escola a uma homenagem a vereadora.[30][58] O nome de Marielle não é citado na sinopse do enredo e quase não entra no samba. A primeira versão da obra cita "Marias, mahins, malês, marés". Quando parecia pronta, os compositores tiveram a ideia de incluir o nome da vereadora. Segundo a compositora Manu da Cuíca, "Marielle está no enredo, como estão as Marias anônimas, a Maria Quitéria... Entendemos que o nome dela era totalmente pertinente".[47] Para o compositor Devid Domênico, Marielle "é o símbolo da mulher que luta diariamente contra a opressão, a desigualdade, o machismo, a homofobia, e que é silenciada pela sociedade hipócrita ou pelo sistema".[59] Para o carnavalesco Leandro Vieira, Marielle "foi silenciada pelos mesmos motivos que levaram à morte Dandara, Zumbi dos Palmares, Sepé Tiaraju, os malês, os índios cariris".[60]