Pôncio Pilatos
quinto prefeito da província romana da Judéia / De Wikipedia, a enciclopédia encyclopedia
Pôncio Pilatos, também conhecido simplesmente como Pilatos (em latim: Pontius Pilatus; em grego: Πόντιος Πιλᾶτος), foi governador ou prefeito (em latim: praefectus) da província romana da Judeia[6] entre os anos 26 e 36. Na tradição cristã, é conhecido por ter sido o juiz que não interveio contra os fariseus na condenação de Jesus Cristo a morrer na cruz. A importância de Pilatos no Cristianismo moderno é enfatizada por seu lugar proeminente tanto no Credo dos Apóstolos quanto no de Niceia. Devido ao retrato dos Evangelhos de Pilatos como relutante em executar Jesus, a Igreja Etíope acredita que Pilatos se tornou um cristão e o venera como um mártir e santo, uma crença historicamente compartilhada pela Igreja Copta.[7]
Pôncio Pilatos | |
Cristo na presença de Pilatos, Mihály Munkácsy, 1881 | |
Governador da Judeia | |
Período | 26 - 36 |
Nomeação por | Tibério[nota 1] |
Antecessor(a) | Valério Grato |
Sucessor(a) | Marcelo |
Dados pessoais | |
Falecimento | 38–39[2] Império Romano |
Esposa | Cláudia Prócula[nota 2] |
Embora seja o governador mais atestado da Judeia, poucas fontes sobre seu governo sobreviveram. Ele parece ter pertencido à bem atestada família Pôncio de origem samnita, mas nada se sabe ao certo sobre sua vida antes de se tornar governador da Judeia, nem sobre as circunstâncias que levaram à sua nomeação para o governo.[8]
O historiador judeu Flávio Josefo e o filósofo Fílon de Alexandria mencionam incidentes de tensão e violência entre a população judaica e a administração de Pilatos. Muitos deles o envolvem agindo de maneira que ofendeu a sensibilidade religiosa dos judeus. Os Evangelhos Cristãos registram que Pilatos ordenou a crucificação de Jesus em algum momento de seu mandato; Josefo e o historiador romano Tácito também parecem ter registrado essa informação. Segundo Josefo, a sua destituição ocorreu porque ele reprimiu violentamente um movimento samaritano armado no Monte Gerizim. Ele foi enviado de volta a Roma pelo legado da Síria para responder por isso a Tibério, que, no entanto, havia morrido antes de sua chegada. Nada se sabe ao certo sobre o que aconteceu com ele depois disso. Com base em uma menção feita pelo filósofo pagão do século II Celso e pelo apologista cristão Orígenes, a maioria dos historiadores modernos acredita que Pilatos simplesmente se aposentou após sua demissão.[9]
Os historiadores modernos têm avaliações diferentes de Pilatos como um governante eficaz; enquanto alguns acreditam que ele foi um governador particularmente brutal e ineficaz, outros argumentam que seu longo tempo no cargo significa que ele deve ter sido razoavelmente competente. De acordo com uma teoria proeminente do pós-guerra, ele foi motivado pelo antissemitismo em seu tratamento com judeus, mas essa teoria foi quase totalmente abandonada.[10]
As evidências históricas sobre Pôncio Pilatos são limitadas, embora os estudiosos modernos saibam mais sobre ele do que qualquer outro governador romano da Judeia.[11] As fontes mais importantes são a Embaixada em Gaio (após o ano 41) pelo escritor judeu contemporâneo Fílon de Alexandria,[12] A Guerra dos Judeus (c. 74) e Antiguidades Judaicas (c. 94) pelo historiador judeu Flávio Josefo, bem como os quatro Evangelhos canônicos, Mateus, Marcos, Lucas e João.[11] Inácio de Antioquia o menciona em suas epístolas aos Trálios, Magnesianos e Esmirniotas[13] (compostas entre 105 e 110).[14] Ele também é brevemente mencionado nos Anais do historiador romano Tácito, que simplesmente diz que matou Jesus.[11] Dois capítulos adicionais dos Anais de Tácito que poderiam ter mencionado Pilatos foram perdidos.[15] Além desses textos, as moedas cunhadas por Pilatos sobreviveram, um anel com seu nome e uma pequena inscrição fragmentária que o nomeia, conhecida como a Pedra de Pilatos, a única inscrição sobre um governador romano da Judeia anterior às Guerras romano-judaicas a sobreviver.[16][17][18] As fontes escritas fornecem apenas informações limitadas e cada uma tem seus próprios preconceitos, com os evangelhos em particular fornecendo uma perspectiva teológica em vez de histórica sobre o governador romano.[19]
As fontes não dão nenhuma indicação da vida de Pilatos antes de se tornar governador da Judeia.[20] Seu sobrenome Pilatos pode significar "habilidoso com o dardo" (pilum), mas também pode se referir ao "píleo" ou "barrete frígio", possivelmente indicando que um dos seus ancestrais era um liberto.[21] Se significa "habilidoso com o dardo", é possível que tenha conquistado o cognome para si enquanto servia no exército romano;[20] também é possível que seu pai tenha adquirido o cognome por meio de habilidade militar.[22] Nos Evangelhos de Marcos e João, ele é chamado apenas por seu cognome, que Marie-Joseph Ollivier entende como sendo esse o nome pelo qual era geralmente conhecido na linguagem comum.[23] O nome Pôncio indica que ele pertencia à família Pôncio,[24] uma família bem conhecida de origem samnita que deu origem a vários indivíduos importantes no final da República e no início do Império.[25] Como todos, exceto um outro governador da Judeia, Pilatos era da ordem equestre, uma categoria média da nobreza romana.[26] Como um dos Pônticos atestados, Pôncio Áquila, um assassino de Júlio César, era um Tribuno da plebe, a família deve ter sido originalmente de origem plebéia. Eles se tornaram enobrecidos como cavaleiros.[25]
Pilatos provavelmente era educado, um tanto rico e bem relacionado politicamente e socialmente.[27] Ele provavelmente era casado, mas a única referência existente à sua esposa está na Bíblia, na qual ela lhe diz para não envolver-se com a condenação de Jesus depois que ela teve um sonho perturbador (Mateus 27:19).[28] De acordo com o cursus honorum estabelecido por Augusto para titulares de cargos de categoria equestre, Pilatos teria tido um comando militar antes de se tornar prefeito da Judeia; Alexander Demandt especula que isso poderia ter sido com uma legião estacionada no Rio Reno ou no Danúbio.[29] Embora seja provável que Pilatos tenha servido no exército, não é certo.[30]
Pilatos serviu como o quinto governador da província romana da Judeia, durante o reinado do imperador Tibério, sucedendo Valério Grato.[31] O cargo de governador da Judeia era relativamente de baixo prestígio e nada se sabe de como ele o obteve.[32] Josefo afirma que ele governou por 10 anos, período tradicionalmente datado entre 26 a 36–37, tornando-o um dos dois governadores mais antigos da província.[33] Daniel R. Schwartz e Kenneth Lönnqvist argumentam que a datação tradicional do início do governo de Pilatos é baseada em um erro de Josefo; Schwartz argumenta que foi nomeado em 19, enquanto Lönnqvist defende 17–18.[34][35] Essa hipótese não foi amplamente aceita por outros estudiosos.[36] Como Tibério se retirou para a ilha de Cápri em 26, estudiosos como E. Stauffer argumentaram que Pilatos pode ter sido nomeado pelo poderoso prefeito pretoriano Sejano, que foi executado por traição em 31.[1] Outros estudiosos lançaram dúvidas sobre qualquer ligação entre ele e Sejano.[37]
O título de prefeito de Pilatos[nota 3] implica que seus deveres eram principalmente militares;[40] no entanto, as suas tropas eram mais uma polícia do que uma força militar, e seus deveres se estendiam além dos assuntos militares.[41] Como governador romano, ele era o chefe do sistema judicial. Ele tinha o poder de infligir a pena de morte e era responsável pela coleta de tributos e impostos e pelo desembolso de fundos, incluindo a cunhagem de moedas.[41] Como os romanos permitiam certo grau de controle local, Pilatos compartilhava uma quantidade limitada de poder civil e religioso com o sinédrio judeu.[42]
Também estava subordinado ao legado da Síria; no entanto, durante os primeiros seis anos em que ocupou o cargo, a Síria não teve um legado, algo que Helen Bond acredita ter apresentado dificuldades a Pilatos.[43] Ele parece ter sido livre para governar a província como quisesse, com a intervenção do legado da Síria somente no final de seu mandato.[32] Como outros governadores romanos da Judeia, Pilatos fez sua residência principal em Cesareia, indo a Jerusalém principalmente para as grandes festas a fim de manter a ordem.[44] Ele também teria percorrido a província para ouvir casos e administrar justiça.[45]
Como governador, Pilatos tinha o direito de nomear o sumo sacerdote de Israel e também controlava oficialmente as investiduras do sumo sacerdote na Fortaleza Antônia.[46] Ao contrário de seu antecessor, Valério Grato, Pilatos manteve o mesmo sumo sacerdote, Caifás, por todo o seu mandato. Caifás seria destituído após a destituição de Pilatos do governo.[47] Isso indica que Caifás e os sacerdotes saduceus eram aliados confiáveis do governador.[48] Além disso, Maier argumenta que ele não poderia ter usado o tesouro do templo para construir um aqueduto, conforme registrado por Josefo, sem a cooperação dos sacerdotes.[49] Da mesma forma, Helen Bond argumenta que Pilatos é retratado trabalhando em estreita colaboração com as autoridades judaicas na execução de Jesus.[50] Jean-Pierre Lémonon argumenta que a cooperação oficial com Pilatos foi limitada aos saduceus, observando que os fariseus estão ausentes dos relatos do evangelho sobre a prisão e o julgamento de Jesus.[51]
Daniel Schwartz considera a passagem de Lucas 23:12, onde é declarado que Pilatos teve um relacionamento difícil com o rei judeu da Galiléia Herodes Antipas, como potencialmente histórico. Ele também encontra informações históricas de que seu relacionamento se recuperou após a execução de Jesus.[52] Com base em João 19:12, é possível que o governador tivesse o título de "amigo de César" (latim: amicus Caesaris, grego antigo: φίλος τοῦ Kαίσαρος), título também detido pelos reis judeus Herodes Agripa I e Herodes Agripa II e por conselheiros próximos do imperador. Tanto Daniel Schwartz quanto Alexander Demandt não consideram essa informação especialmente provável.[32][53]
Incidentes com os judeus
Vários distúrbios durante o seu governo são registrados nas fontes. Em alguns casos, não está claro se eles podem estar se referindo ao mesmo evento,[54] e é difícil estabelecer uma cronologia de eventos para o governo de Pilatos.[55] Joan Taylor argumenta que ele tinha uma política de promover o culto imperial, o que pode ter causado alguns atritos com seus súditos judeus.[56] Schwartz sugere que todo o mandato de Pilatos foi caracterizado por "uma contínua tensão subjacente entre governador e governados, de vez em quando estourando em breves incidentes".[54]
Conforme escreveu Josefo em A Guerra dos Judeus e Antiguidades Judaicas, Pilatos ofendeu os judeus movendo os estandartes imperiais com a imagem de César para Jerusalém. Isso resultou em uma multidão de judeus cercando a sua casa em Cesareia por cinco dias. Ele então os convocou para uma arena, onde os soldados romanos os atacariam. Mas os judeus mostraram tão pouco medo da morte que Pilatos cedeu e removeu os estandartes.[57] Bond argumenta que o fato de Josefo dizer que Pilatos trouxe os estandartes à noite, mostra que ele sabia que as imagens do imperador seriam ofensivas.[58] "A história soa como um novo governador vendo o que ele pode fazer e subestimando completamente a força da opinião local quando se trata de imagens esculpidas.” Ao mesmo tempo, observa Bond, a história mostra sua disposição de recuar e respeitar a opinião pública.[59] Ela data esse incidente no início do mandato de Pilatos como governador.[59] Daniel Schwartz e Alexander Demandt sugerem que este evento é de fato idêntico ao "incidente com os escudos" relatado por Fílon na Embaixada em Gaio, uma identificação feita pela primeira vez pelo historiador da igreja primitiva Eusébio.[60][54] Lémonon, no entanto, argumenta contra essa identificação.[61]
De acordo com a Embaixada em Gaio de Fílon, Pilatos ofendeu a lei judaica ao trazer escudos de ouro para Jerusalém e colocá-los no palácio de Herodes. Os filhos de Herodes, o Grande, pediram-lhe para remover os escudos, mas ele recusou. Eles então ameaçaram fazer uma petição ao imperador, uma ação que Pilatos temia expor os crimes que ele havia cometido no cargo. Tibério recebeu a petição e repreendeu Pilatos com raiva, ordenando-lhe que removesse os escudos.[62] Helen Bond, Daniel Schwartz e Warren Carter argumentam que a representação de Fílon é amplamente estereotipada e retórica, retratando Pilatos com as mesmas palavras de outros oponentes da lei judaica, enquanto retrata Tibério como justo e apoiador da lei judaica.[63] Não está claro por que os escudos ofendiam a lei judaica: é provável que contivessem uma inscrição referindo-se a Tibério como "divi Augusti filius" (filho do divino Augusto).[64][65] Bond data o incidente em 31, algum tempo depois da morte de Sejano em 17 de outubro.[66]
Em outro incidente registrado em A Guerra dos Judeus e Antiguidades Judaicas, Josefo relata que o governador ofendeu os judeus ao usar o tesouro do templo (korbanos) para pagar um novo aqueduto para Jerusalém. Quando um turbilhão de protestantes se formou enquanto Pilatos estava visitando Jerusalém, ele ordenou que suas tropas os espancassem com porretes; muitos morreram pelos golpes ou por serem pisoteados por cavalos, e a multidão se dispersou.[67] A data do incidente é desconhecida, mas Bond argumenta que deve ter ocorrido entre 26 e 30 ou 33, com base na cronologia de Josefo.[50]
O Evangelho de Lucas menciona uma passagem sobre os galileus "cujo sangue Pilatos misturou com os seus sacrifícios" (Lucas 13:1). Esta referência foi interpretada de várias maneiras como se referindo a um dos incidentes registrados por Josefo, ou a um incidente inteiramente desconhecido.[68] Bond argumenta que o número de galileus mortos não parece ter sido particularmente alto. Na opinião de Bond, a referência a "sacrifícios" provavelmente significa que esse acontecimento ocorreu na Páscoa em alguma data desconhecida.[69] Ela argumenta que "não é apenas possível, mas bastante provável que o governo de Pilatos contivesse muitos desses surtos breves de problemas sobre os quais nada sabemos. A insurreição em que Barrabás foi apanhado, se histórica, pode muito bem ser outro exemplo".[70]
Julgamento e execução de Jesus
Na Páscoa provavelmente do ano 30 ou 33, Pôncio Pilatos condenou Jesus de Nazaré à morte por crucificação em Jerusalém.[71] As principais fontes sobre a crucificação são os quatro Evangelhos canônicos, cujos relatos variam.[72] Helen Bond argumenta:
As descrições de Pilatos pelos evangelistas foram moldadas em grande medida por suas próprias preocupações teológicas e apologéticas particulares. [...] Acréscimos lendários ou teológicos também foram feitos à narrativa [...] Apesar das extensas diferenças, no entanto, há um certo acordo entre os evangelistas quanto aos fatos básicos, um acordo que pode muito bem ir além da dependência literária e refletem eventos históricos reais.[73]
O papel do governador romano na condenação de Jesus à morte também é atestado pelo historiador romano Tácito, que, ao relatar a perseguição de Nero aos cristãos, explica: "[Cristo], de quem o nome teve sua origem, sofreu a pena extrema durante o reinado de Tibério nas mãos de um de nossos procuradores, Pôncio Pilatos, e uma superstição mais perniciosa, assim contida no momento, novamente irrompeu não apenas na Judeia, a primeira fonte do mal, mas também em Roma [...]" (Tácito, Anais).[11][74] Embora sua autenticidade às vezes tenha sido questionada, a maioria dos estudiosos afirma que a passagem é autêntica.[75] Josefo parece também ter mencionado a execução de Jesus por Pilatos a pedido de judeus proeminentes (Antiguidades Judaicas), na passagem conhecida como Testimonium Flavianum. Quase todos os estudiosos modernos rejeitam a autenticidade desta passagem em sua forma atual, enquanto a maioria dos estudiosos, no entanto, afirmam que ela contém um núcleo autêntico referenciando a execução de Jesus por Pilatos, que foi então sujeita a interpolação ou alteração cristã.[76] Discutindo a escassez de menções extra-bíblicas da crucificação, Alexander Demandt argumenta que a execução de Jesus provavelmente não foi vista como um evento particularmente importante pelos romanos, já que muitas outras pessoas foram crucificadas na época e esquecidas.[77] Nas epístolas de Inácio aos Trálios e aos Esmirniotas, o autor atribui a perseguição de Jesus sob o governo de Pilatos. Inácio ainda data o nascimento, paixão e ressurreição de Jesus durante o governo em sua Epístola aos Magnesianos. Inácio enfatiza todos esses eventos em suas epístolas como fatos históricos.[13]
Bond argumenta que a prisão de Jesus foi feita com o conhecimento e envolvimento anterior de Pilatos, com base na presença de uma corte romana de 500 homens entre a parte que prendeu Jesus em João 18:3.[78] Demandt descarta a ideia de que Pilatos estava envolvido.[79] Em geral, presume-se, com base no testemunho unânime dos evangelhos, que o crime pelo qual Jesus foi levado ao governador e executado foi a sedição, fundamentada em sua afirmação de ser o "Rei dos Judeus".[80] Ele pode ter julgado Jesus de acordo com o cognitio extra ordinem, uma forma de julgamento por pena de morte usada nas províncias romanas e aplicada a cidadãos não romanos que deu ao prefeito maior flexibilidade para lidar com o caso.[81][82] Todos os quatro evangelhos também mencionam que Pilatos tinha o costume de libertar um cativo em homenagem à festa da Páscoa; este costume não é atestado em nenhuma outra fonte. Os historiadores discordam sobre se tal costume é ou não um elemento fictício dos evangelhos, reflete a realidade histórica ou talvez represente uma única anistia no ano da crucificação de Jesus.[83]
A representação de Pilatos nos Evangelhos é "amplamente assumida" como divergindo muito daquela encontrada em Josefo e Fílon,[84] visto que ele é retratado como relutante em executar Jesus e pressionado a fazê-lo pela multidão e pelas autoridades judaicas. John P. Meier observa que em Josefo, em contraste, "Pilatos sozinho [...] condena Jesus à cruz."[85] Alguns estudiosos acreditam que os relatos dos Evangelhos são completamente indignos de confiança. S. G. F. Brandon argumentou que, na realidade, em vez de vacilar ao condenar Jesus, Pilatos o executou sem hesitação como um rebelde.[86] Paul Winter explicou a discrepância entre Pilatos em outras fontes e o governador nos evangelhos argumentando que os cristãos estavam cada vez mais ansiosos para retratar Pôncio Pilatos como testemunha da inocência de Jesus, à medida que aumentava a perseguição aos cristãos pelas autoridades romanas.[87] Bart Ehrman argumenta que o Evangelho mais antigo, Marcos, mostra que os judeus e Pilatos estavam de acordo sobre a execução de Jesus (Marcos 15:15), enquanto os últimos evangelhos reduzem progressivamente a sua culpabilidade, culminando com Pilatos permitindo que os judeus crucificassem Jesus em João (João 18:16). Ele conecta essa mudança ao aumento do "antijudaísmo".[88] Outros acadêmicos tentaram explicar o comportamento do governador nos Evangelhos como motivado por uma mudança de circunstâncias daquela mostrada em Josefo e Fílon, geralmente pressupondo uma conexão entre a cautela de Pilatos e a morte de Sejano.[84] No entanto, outros estudiosos, como Brian McGing e Bond, argumentaram que não há discrepância real entre o comportamento de Pilatos narrada por Josefo e Fílon e o dos Evangelhos.[71][89] Warren Carter argumenta que é retratado como habilidoso, competente e manipulador da multidão em Marcos, Mateus e João, apenas encontrando Jesus inocente e executando-o sob pressão em Lucas.[90] O filósofo italiano Giorgio Agamben dá um motivo preliminar sobre como o governador é retratado nos evangelhos: Pilatos é, talvez mais do que Tibério, a única figura a dar testemunho histórico dos eventos messiânicos ligados a Jesus; aliás, o cuidado com o qual os evangelistas tratam de definir as hesitações e mudanças de opinião do prefeito da Judeia aponta, segundo Agamben, para "algo parecido com a intenção de construir um personagem, com psicologia e idiomatismos próprios".[91]
Para alguns historiadores, todo o julgamento é inverossímil, distante das práticas das autoridades romanas na Palestina. Gabriele Cornelli diz: "Jesus não era uma pessoa importante na época, era mais um pregador que vinha da distante Galileia. O mais provável é que ele nem sequer tenha sido julgado, mas, em vez disso, condenado sumariamente à morte". Segundo ele, a passagem do julgamento no Novo Testamento foi escrita com o propósito de orientar os primeiros cristãos a como se portar diante dos sacerdotes e dos romanos. André Chevitarese concorda: "Os evangelhos devem ser lidos não como uma reportagem, mas como um programa teológico com fundo histórico".[92] Ele defende que os autores dos evangelhos, que foram escritos entre 40 e 80 anos após a morte de Jesus — e, portanto depois que os romanos destruíram Jerusalém — utilizaram a narração do julgamento de Jesus para reforçar a cisão entre cristãos e judeus. "Isso era fundamental para afirmar os preceitos da nova religião, e, ao mesmo tempo, não cutucar o Império Romano, com o qual o cristianismo teria de conviver". Essa análise dos relatos explicaria porque Pilatos é retratado de modo tão brando nos quatro evangelhos. Chevitarese argumenta que "até a mulher dele tenta influenciar o julgamento, a favor de Jesus. Tudo para construir a imagem de um Pilatos bonzinho e não o típico governante romano que estava lá para fazer valer a lei e a ordem".[92]
Destituição e vida posterior
De acordo com as Antiguidades Judaicas de Josefo, a remoção de Pilatos como governador ocorreu depois que ele massacrou um grupo de samaritanos armados em uma vila chamada Tiratana, perto do Monte Gerizim, onde esperavam encontrar artefatos que haviam sido enterrados por Moisés. Alexander Demandt sugere que o líder desse movimento pode ter sido Dositeu, uma figura semelhante a um messias entre os samaritanos, que era conhecido por ter atuado nessa época.[93] Os samaritanos, alegando não estarem armados, reclamaram com Lúcio Vitélio, o Velho, o governador da Síria (mandato 35-39), que mandou Pilatos de volta a Roma para ser julgado por Tibério. O imperador, entretanto, havia morrido antes de sua chegada.[94] Tibério morreu em Miseno em 16 de março de 37, em seu septuagésimo oitavo ano (Tácito, Anais).[95] Isso data o fim do governo de Pilatos em 36–37, sendo sucedido por Marcelo.[96]
Após a morte de Tibério, a audiência de Pilatos teria sido tratada pelo novo imperador Calígula. Não está claro se alguma audiência ocorreu, já que os novos imperadores frequentemente descartavam questões jurídicas pendentes de reinados anteriores.[97] O único resultado seguro do retorno de Pilatos a Roma é que ele não foi reintegrado como governador da Judeia, seja porque a audiência foi ruim ou porque ele não queria voltar.[98] J. P. Lémonon argumenta que o fato de Pilatos não ter sido reintegrado por Calígula não significa que seu julgamento tenha ido mal, mas pode simplesmente ter sido porque, após dez anos no cargo, era hora de ele assumir um novo posto.[99] Joan Taylor, por outro lado, argumenta que o governador parece ter encerrado sua carreira em desgraça, usando seu retrato nada lisonjeiro em Fílon, escrito apenas alguns anos após sua demissão, como prova.[100]
O historiador cristão Eusébio (História Eclesiástica), escrevendo no início do século IV, afirma que "a tradição relata que" Pilatos cometeu suicídio depois de ser chamado de volta a Roma devido à desgraça em que se encontrava.[101] Ele data o acontecimento no ano 39.[102] Paul Maier observa que nenhum outro registro sobrevivente corrobora o suicídio de Pilatos, que se destina a documentar a ira de Deus pelo papel de Pilatos na crucificação, e que Eusébio afirma explicitamente que a "tradição" é sua fonte, indicando que ele teve problemas para documentar o suposto suicídio do governador.[101] Daniel Schwartz, no entanto, argumenta que as alegações de Eusébio "não devem ser rejeitadas levianamente".[52] Mais informações sobre o destino potencial de Pôncio Pilatos podem ser obtidas em outras fontes. O filósofo pagão do século II Celso perguntou polemicamente por que, se Jesus era Deus, ele não puniu Pilatos, indicando que ele não acreditava que o governador cometeu suicídio vergonhosamente. Respondendo a Celso, o apologista cristão Orígenes, escrevendo c. 248, argumentou que nada de ruim aconteceu a ele, porque os judeus — e não o governador — foram os responsáveis pela morte de Jesus; ele, portanto, também presumiu que Pilatos não teve uma morte vergonhosa.[103][104] O suposto suicídio de Pilatos também não foi mencionado por Josefo, Fílon ou Tácito.[103] Maier argumenta que "com toda probabilidade, então, o destino de Pôncio Pilatos estava claramente na direção de um funcionário do governo aposentado, um ex-magistrado romano, do que em qualquer coisa mais desastrosa".[105] Taylor observa que Fílon discute Pilatos como se ele já estivesse morto na "Embaixada em Gaio", embora ele esteja escrevendo apenas alguns anos após a posse de Pilatos como governador.[106]
A respeito dos achados arqueológicos que se referem a Pôncio Pilatos, em 1961 uma pedra conhecida como "Pedra de Pilatos" foi encontrada em Cesareia, sendo evidências concretas sobre sua existência.[107] A inscrição (parcialmente reconstruída) é a seguinte:[108]
- S TIBERIÉVM
- PONTIVS PILATVS
- PRAEFECTVS IVDAEAE
É provável que a “Pedra de Pilatos” tenha servido originalmente como placa de dedicação para outra estrutura.[107] Vardaman traduz "livremente" da seguinte maneira: "Tiberium [? Dos cesarianos?] Pôncio Pilatos, prefeito da Judeia [.. deu?]".[108] A natureza fragmentária da inscrição levou a algumas divergências sobre a reconstrução correta, de modo que "além do nome e do título de Pilatos, a inscrição não está clara".[109] Originalmente, a inscrição teria incluído uma carta abreviada para os prenomes de Pilatos (por exemplo, T. para Tito ou M. para Marcus).[110] A pedra atesta o título de prefeito de Pilatos e a inscrição parece referir-se a algum tipo de edifício chamado Tiberieum, uma palavra não atestada,[111] mas seguindo um padrão de nomear edifícios sobre imperadores romanos.[112] Bond argumenta que não podemos ter certeza de que tipo de edifício a inscrição se refere.[113] G. Alföldy argumentou que era algum tipo de edifício secular, ou seja, um farol, enquanto Joan Taylor e Jerry Vardaman argumentaram que era um templo dedicado a Tibério.[114][115]
Uma segunda inscrição, que já se perdeu,[116] foi historicamente associada a Pôncio Pilatos. Era uma inscrição fragmentada e sem data em um grande pedaço de mármore registrado em Améria, um vilarejo na Úmbria, Itália.[117] A inscrição dizia o seguinte:
- PILATVS
- IIII VIR
- QVINQ
Os únicos itens claros do texto são os nomes "Pilatos" e o título Duúnviro ("IIII VIR"), um tipo de funcionário municipal responsável por conduzir um censo a cada cinco anos.[118] A inscrição foi encontrada anteriormente fora da igreja de Santos Secundo, onde foi copiada de um suposto original.[118] Na virada do século XX, geralmente era considerado falso, uma falsificação em apoio a uma lenda local de que Pôncio Pilatos morreu no exílio em Améria.[117] Os estudiosos mais recentes Alexander Demandt e Henry MacAdam acreditam que a inscrição é genuína, mas atesta uma pessoa que simplesmente tinha o mesmo cognome de Pôncio Pilatos.[119][118] MacAdam argumenta que "é muito mais fácil acreditar que essa inscrição fragmentária levou à lenda da associação de Pôncio Pilatos com a aldeia italiana de Améria [...] do que pressupor que alguém forjou a inscrição há dois séculos — de forma bastante criativa, ao que parece — para fornecer substância para a lenda".[116]
Como governador, era o responsável pela cunhagem de moedas na província; ele parece tê-las cunhado possivelmente entre 29 e 32, portanto, quarto, quinto e sexto ano de seu governo.[120] As moedas pertencem a um tipo chamado "perutah", medido entre 13,5 e 17 milímetros, foram cunhadas em Jerusalém[121] e são feitas de forma bastante rústica.[122] Moedas anteriores liam-se "ΙΟΥΛΙΑ ΚΑΙΣΑΡΟΣ" no anverso e "ΤΙΒΕΡΙΟΥ ΚΑΙΣΑΡΟΣ" no verso, referindo-se ao imperador Tibério e sua mãe Lívia (Julia Augusta). Após a morte de Lívia, as moedas apenas diziam "ΤΙΒΕΡΙΟΥ ΚΑΙΣΑΡΟΣ".[123] Como era típico das moedas romanas cunhadas na Judéia, elas não tinham um retrato do imperador, embora incluíssem alguns desenhos pagãos.[120]
As tentativas de identificar o aqueduto atribuído ao governador por Josefo datam do século XIX.[124] Em meados do século XX, A. Mazar o identificou provisoriamente como o aqueduto Arrub, que trouxe água das Piscinas de Salomão para Jerusalém, uma identificação apoiada em 2000 por Kenneth Lönnqvist.[125] Lönnqvist observa que o Talmude (Lamentações Rabá 4.4) registra a destruição de um aqueduto das Piscinas de Salomão pelos sicários, um grupo de fanáticos zelotes religiosos, durante a Primeira guerra judaico-romana (66-73); ele sugere que, se o aqueduto tivesse sido financiado pelo tesouro do templo, conforme registrado por Josefo, isso poderia explicar o fato de os sicários mirarem nesse aqueduto em particular.[126]
Em 2018, uma inscrição em um anel de vedação de liga de cobre fino foi descoberta usando técnicas modernas de escaneamento. A inscrição diz ΠΙΛΑΤΟ (Υ) (Pilato (u)), que significa "de Pilatos",[127] acompanhado por uma imagem de um recipiente de vinho.[18] O nome Pilatos é raro, então o anel pode ser associado a Pôncio Pilatos;[128][129] no entanto, dado o material barato, é improvável que ele o tivesse. É possível que o anel tenha pertencido a outro indivíduo chamado Pilatos,[130] ou que tenha pertencido a alguém que trabalhou para Pôncio Pilatos.[131] Ele foi encontrado durante escavações arqueológicas feitas em 1968, dirigidas pelo arqueólogo Gideon Foerster, em uma seção da tumba e palácio de Herodes em Heródio.[132]
Devido ao seu papel no julgamento de Jesus, Pilatos se tornou uma figura importante na propaganda pagã e cristã no final da Antiguidade. Talvez os primeiros textos apócrifos atribuídos a ele sejam denúncias do cristianismo e de Jesus que afirmam ser o relatório de Pilatos sobre a crucificação. De acordo com Eusébio (História Eclesiástica), esses textos foram distribuídos durante a perseguição aos cristãos conduzida pelo imperador Maximino II (reinou em 308 até 313). Nenhum desses textos sobreviveu, mas Tibor Grüll argumenta que seu conteúdo pode ser reconstruído a partir de textos apologéticos cristãos.[133]
Tradições positivas sobre o governador são frequentes no cristianismo oriental, particularmente no Egito e na Etiópia, enquanto as tradições negativas predominam no cristianismo ocidental e bizantino.[134][135] Além disso, as tradições cristãs anteriores o retratam de forma mais positiva do que as posteriores,[136] uma mudança que Ann Wroe sugere refletir o fato de que, após a legalização do Cristianismo no Império Romano pelo Édito de Milão (312), não era mais necessário evitar as críticas de Pilatos (e por extensão do Império Romano) por seu papel na crucificação de Jesus contra os judeus.[137] Bart Ehrman, por outro lado, argumenta que a tendência da Igreja Primitiva de exonerar Pilatos e culpar os judeus antes dessa época reflete um crescente "antijudaísmo" entre os primeiros cristãos.[138] O primeiro atestado de uma tradição positiva sobre ele vem do autor cristão do final do primeiro e início do segundo século, Tertuliano, que, alegando ter visto o relatório de Pilatos a Tibério, afirma que o governador "já havia se tornado um cristão em sua consciência".[139] Uma referência anterior aos registros de Pilatos do julgamento de Jesus foi feita pelo apologista cristão Flávio Justino por volta de 160.[140] Tibor Grüll acredita que isso poderia ser uma referência aos registros reais de Pilatos,[139] mas outros estudiosos argumentam que Justin simplesmente inventou os registros como uma fonte na suposição de que eles existiram sem nunca ter verificado sua existência.[141][142]
Apócrifos do Novo Testamento
A partir do século IV, um grande corpo de textos apócrifos cristãos se desenvolveu a respeito de Pilatos, constituindo um dos maiores grupos de Apócrifos do Novo Testamento sobreviventes.[143] Originalmente, esses textos serviram tanto para aliviá-lo da culpa pela morte de Jesus quanto para fornecer registros mais completos de seu julgamento.[144] O apócrifo Evangelho de Pedro o exonera completamente da crucificação, que em vez disso é realizada por Herodes.[145] Além disso, o texto deixa explícito que, enquanto o governador lava as mãos da culpa, nem os judeus nem Herodes o fazem.[146] O Evangelho inclui uma cena em que os centuriões que guardavam o túmulo de Jesus relatam a Pilatos que ele ressuscitou.[147]
O fragmentário maniqueísta Evangelho de Mani, do terceiro século, mostra o governador a referir-se a Jesus como "o Filho de Deus" e a dizer aos seus centuriões para "guardar este segredo".[148]
Na versão mais comum da narrativa da paixão no apócrifo Evangelho de Nicodemos (também chamado de Atos de Pilatos), ele é retratado como forçado a executar Jesus pelos judeus e como perturbado por ter feito isso.[149] Uma versão afirma ter sido descoberta e traduzida por um judeu convertido chamado Ananias, retratando-se como os registros judaicos oficiais da crucificação.[150] Outro alega que os registros foram feitos pelo próprio Pilatos, com base nos relatórios feitos a ele por Nicodemos e José de Arimatéia.[151] Algumas versões orientais do Evangelho de Nicodemos afirmam que ele nasceu no Egito, o que provavelmente ajudou a sua popularidade lá.[4] A literatura cristã do governador em torno do Evangelho de Nicodemos inclui pelo menos quinze textos antigos e medievais, chamados de "ciclo de Pilatos", escritos e preservados em várias línguas e versões e lidando principalmente com Pôncio Pilatos.[152] Dois deles incluem relatos supostos feitos por ele ao imperador (sem nome ou nomeado como Tibério ou Cláudio) sobre a crucificação, em que o prefeito relata a morte e ressurreição de Cristo, culpando os judeus.[153] Outro pretende ser uma resposta irada de Tibério, condenando-o por seu papel na morte de Jesus.[153] Outro texto antigo é uma carta apócrifa atribuída a "Herodes" (um personagem composto dos vários Herodes da Bíblia), que afirma responder a uma carta do governador na qual fala de seu remorso pela crucificação de Jesus e de ter tido uma visão do Cristo ressuscitado; "Herodes" pede a Pilatos que ore por ele.[154]
No chamado Livro do Galo, um Evangelho apócrifo da paixão, da antiguidade tardia preservado apenas em Ge'ez (Etíope), mas traduzido do árabe,[155] Pilatos tenta evitar a execução de Jesus enviando-o a Herodes e escrevendo outras cartas argumentando com Herodes para não executá-lo. A família do prefeito romano tornou-se cristã depois que Jesus milagrosamente curou suas filhas da surdez. Ele, no entanto, é forçado a executar Jesus pela multidão cada vez mais furiosa, porém Cristo diz a ele que não o considera responsável.[156] Este livro goza de "um status quase canônico" entre os etíopes Cristãos até hoje e continua a ser lido ao lado dos evangelhos canônicos durante a Semana Santa.[157]
Morte
Sete dos textos sobre o prefeito mencionam seu destino após a crucificação: em três, ele se torna uma figura muito positiva, enquanto em quatro ele é apresentado como diabolicamente mau.[158] Uma versão siríaca do século V dos Atos de Pilatos explica a sua conversão como ocorrendo depois que ele culpou os judeus pela morte de Jesus na frente de Tibério; antes de sua execução, Pilatos ora a Deus e se converte, tornando-se um mártir cristão.[159] No Paradosis Pilati grego (c. século V),[153] ele é preso e martirizado como seguidor de Cristo.[160] Sua decapitação é acompanhada por uma voz do céu chamando-o de bem-aventurado e dizendo que ele estará com Jesus na segunda vinda.[161] O Evangelium Gamalielis, possivelmente de origem medieval e preservado em árabe, copta e ge'ez,[162] diz que Jesus foi crucificado por Herodes, enquanto Pilatos era um verdadeiro crente em Cristo que foi martirizado por sua fé; da mesma forma, o Martyrium Pilati, possivelmente medieval e preservado em árabe, copta e ge'ez,[162] retrata Pilatos, bem como sua esposa e dois filhos, como sendo crucificados duas vezes, uma pelos judeus e outra por Tibério, por causa de sua fé.[160]
Além do relatório sobre o suicídio do governador em Eusébio, Grüll observa três tradições apócrifas ocidentais sobre o seu suicídio. Na Cura sanitatis Tiberii (datada em cerca do século V ao VII),[163] o imperador Tibério é curado por uma imagem de Cristo trazida por Santa Verônica, São Pedro então confirma o relato do prefeito sobre os milagres de Jesus, que acaba sendo exilado pelo imperador Nero, após que ele comete suicídio.[164] Uma narrativa semelhante se desenrola na Vindicta Salvatoris (em cerca do século VIII).[164][165] No Mors Pilati (talvez originalmente do século VI, mas registrado em c. 1300),[166] ele foi forçado a cometer suicídio e seu corpo jogado no Tibre. No entanto, o corpo é cercado por demônios e tempestades, de modo que é removido do Tibre e, em vez disso, lançado no Ródano, onde acontece a mesma coisa. Finalmente, o cadáver é levado para Lausana na Suíça moderna e enterrado em uma cova isolada, onde as visitas demoníacas continuam a ocorrer.[167]
Lendas posteriores
A partir do século XI, biografias lendárias mais extensas de Pilatos foram escritas na Europa Ocidental, acrescentando detalhes às informações fornecidas pela Bíblia e pelos apócrifos.[169] A lenda existe em muitas versões diferentes e era extremamente difundida tanto no latim quanto no vernáculo, e cada versão contém variações significativas, muitas vezes relacionadas a tradições locais.[170]
Primeiras "biografias"
A mais antiga biografia lendária existente é o De Pilato de c. 1050, com mais três versões latinas aparecendo em meados do século XII, seguidas por muitas traduções vernáculas.[171] Howard Martin resume o conteúdo geral dessas biografias lendárias da seguinte maneira: um rei que era hábil em astrologia e chamado Atus vivia em Mainz. O rei lê nas estrelas que terá um filho que governará muitas terras, então ele manda trazer a filha de um moleiro chamada Pila, a quem ele engravida; O nome de Pilatos, portanto, resulta da combinação dos nomes Pila com Atus.[172]
Alguns anos depois, Pilatos é levado à corte de seu pai, onde mata seu meio-irmão. Como resultado, ele é enviado como refém para Roma, onde mata outro refém. Como punição, é enviado para a ilha de Pôncio, cujos habitantes ele subjuga, adquirindo assim o nome de Pôncio Pilatos. O rei Herodes fica sabendo dessa conquista e pede-lhe que vá à Palestina para ajudar seu governo ali; Pilatos vem, mas logo usurpa o poder de Herodes.[173]
O julgamento e sentença de Jesus então acontecem como nos evangelhos. O imperador em Roma está sofrendo de uma doença terrível neste momento, e ao ouvir falar dos poderes de cura de Cristo, manda chamá-lo apenas para saber de Santa Verônica que Cristo foi crucificado, mas ela possui um pano com a imagem de seu rosto. Pilatos é levado como prisioneiro com ela a Roma para ser julgado, mas toda vez que o imperador vê Pilatos para condená-lo, sua raiva se dissipa. Isso se revela porque Pilatos está vestindo o casaco de Jesus; quando o casaco é removido, o imperador o condena à morte, mas Pilatos comete suicídio primeiro. O corpo é primeiro jogado no Tibre, mas como causa tempestades, ele é levado para Vienne e depois jogado em um lago nos altos Alpes.[174]
Uma versão importante da lenda de Pilatos é encontrada na Lenda Dourada de Tiago de Voragine (1263–1273), um dos livros mais populares do final da Idade Média.[175] Na Lenda Dourada, Pilatos é retratado como intimamente associado a Judas, primeiro cobiçando a fruta no pomar do pai de Judas, Ruben, e então concedendo a propriedade de Ruben a Judas, depois que ele mata seu próprio pai.[176]
Europa Ocidental
Vários lugares na Europa Ocidental têm tradições associadas a Pilatos. As cidades de Lyon e Vienne na França moderna afirmam ser o seu local de nascimento: Vienne tem uma Maison de Pilate, um Prétoire de Pilate e um Tour de Pilate (do francês: Casa de Pilatos, Pretório de Pilatos e Torre de Pilatos).[177] Uma tradição afirma que foi banido para Vienne, onde uma ruína romana está associada ao seu túmulo; de acordo com outro, Pilatos refugiou-se em uma montanha (agora chamada de Monte Pilatus) na Suíça moderna, antes de por fim cometer suicídio em um lago em seu cume.[168] Esta conexão com o Monte Pilatus é atestada de 1273 em diante, enquanto o Lago Lucerna foi chamado de "Pilatus-See" (Lago Pilatos) a partir do século XIV.[178] Várias tradições também conectaram o governador à Alemanha. Além de Mainz, Bamberga e Hausen também foram reivindicados como seu local de nascimento, enquanto algumas tradições colocam sua morte em Sarre.[179]
A cidade de Tarragona, na moderna Espanha, possui uma torre romana do primeiro século, que, desde o século XVIII, era chamada de "Torre del Pilatos", na qual teria passado seus últimos anos.[168] A tradição pode remontar a uma inscrição em latim mal interpretada na torre.[180] Huesca e Sevilha são outras cidades espanholas associadas a ele.[177] Segundo uma lenda local,[181] o vilarejo de Fortingall, na Escócia, afirma ser o local de nascimento de Pilatos, mas isso é quase certamente uma invenção do século XIX, principalmente porque os romanos não invadiram as ilhas britânicas até 43.[182]
Cristianismo oriental
Pilatos também foi objeto de lendas no cristianismo oriental. O cronista bizantino Jorge Cedreno (c. 1100) escreveu que foi condenado por Calígula a morrer por ser deixado ao sol envolto na pele de uma vaca recém-abatida, junto com uma galinha, uma cobra e um macaco.[183] Em uma lenda da Rússia de Quieve, o governador tenta salvar Santo Estêvão da execução; Pilatos, sua esposa e filhos batizaram e enterraram Estêvão em um caixão de prata dourada. Ele então constrói uma igreja em homenagem a Estêvão, Gamaliel e Nicodemos, que juntos foram martirizados. Pilatos morre sete meses depois.[184] No Eslavo Josefo, uma tradução de Josefo do Antigo eslavo eclesiástico, com acréscimos lendários, Pilatos mata muitos seguidores de Jesus, mas o encontra inocente. Depois que Jesus cura a esposa de Pilatos de uma doença fatal, os judeus o subornam com trinta talentos para crucificá-lo.[185]