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Superdotado

capacidades mentais significativamente acima da média Da Wikipédia, a enciclopédia livre

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Superdotação (em inglês: giftedness) é um termo utilizado internacionalmente para designar indivíduos cujo funcionamento cognitivo, emocional e sensorial apresenta características atípicas em relação à média da população. A literatura científica descreve a superdotação como um funcionamento inato, de base neurobiológica, associado a modos diferenciados de processar informações, perceber conexões, sentir e aprender. As definições variam conforme países e organismos internacionais, refletindo diferentes tradições acadêmicas e políticas educacionais.[1][2]

Segundo a psicóloga norte-americana Linda Kreger Silverman, a superdotação não deve ser confundida com a simples acumulação de conhecimentos ou com um desempenho escolar elevado. Para ela, trata-se de uma forma distinta de pensar, marcada por intensidades cognitivas, sensoriais e emocionais.[3] Nesse sentido, o desempenho acadêmico nem sempre reflete a superdotação, já que as métricas escolares avaliam a quantidade de conteúdos assimilados, e não a qualidade ou originalidade do processamento mental.

A educadora Paula Probber[4] reforça que indivíduos superdotados apresentam padrões próprios de percepção e sensibilidade, que não podem ser reduzidos a notas ou testes de rendimento. Já James T. Webb e Susan Daniels destacam a vulnerabilidade emocional e a necessidade de apoio escolar e familiar, de modo a prevenir sofrimento psíquico associado a esse funcionamento diferenciado.[5]

O psicólogo polonês Kazimierz Dąbrowski, por meio da Teoria da Desintegração Positiva, descreve a superdotação como frequentemente associada a sobre-excitabilidades, intensificações nos domínios intelectual, emocional, imaginativo, sensorial e psicomotor, que funcionam como motores de desenvolvimento pessoal.[6]

Na contemporaneidade, diversos autores e organizações internacionais classificam a superdotação como uma forma de neurodivergência, aproximando-a de outras condições em que o funcionamento neurológico difere do padrão majoritário. Nesse contexto, a identificação pode ocorrer por diferentes meios, como observação escolar, avaliação psicopedagógica ou análise neuropsicológica com testes padrão-ouro, devendo sempre considerar o funcionamento global do indivíduo e não apenas indicadores mensuráveis de desempenho.[7][8][9][10][11][12]

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Inteligência e mensuração

A compreensão da inteligência é tema central nos estudos sobre superdotação. A literatura científica aponta que ela não se restringe à acumulação de informações, mas envolve processos cognitivos complexos, como raciocínio, memória de trabalho, resolução de problemas e criatividade.[13]

O psicólogo Raymond Cattell (1963) distinguiu dois fatores principais da inteligência:

Inteligência fluida: relacionada à capacidade de resolver problemas novos, identificar padrões, lidar com informações abstratas e adaptar-se a situações inéditas. É considerada menos dependente de aprendizado formal e mais vinculada a processos neurobiológicos.

Inteligência cristalizada: associada ao conhecimento adquirido, vocabulário, habilidades escolares e experiências culturais acumuladas ao longo do tempo.

Essa distinção é amplamente utilizada em pesquisas contemporâneas para avaliar perfis cognitivos diferenciados, incluindo os de pessoas superdotadas.[14]

[15]

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Quociente de Inteligência (QI)

O QI (Quociente de Inteligência) é uma medida padronizada obtida por meio de testes psicométricos, utilizada historicamente para estimar habilidades cognitivas gerais. Embora seja uma ferramenta difundida, especialistas ressaltam que ele capta apenas parte do funcionamento intelectual humano, não englobando aspectos emocionais, criativos e motivacionais.

Na maioria dos testes, a média populacional é fixada em 100 pontos, com desvio-padrão de 15. Assim, indivíduos com pontuações significativamente acima da média são classificados em níveis superiores. No entanto, a literatura especializada enfatiza que a superdotação não deve ser reduzida a um número de QI, já que envolve intensidades cognitivas e emocionais que extrapolam a métrica psicométrica.[16][17]

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Identificação e características

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A identificação de indivíduos superdotados é um processo complexo, que vai além da simples medição de desempenho escolar ou de resultados em testes psicométricos. A literatura especializada destaca que a superdotação envolve um padrão diferenciado de funcionamento cognitivo, emocional e sensorial, o que se reflete em um conjunto de características observáveis em contextos escolares, sociais e familiares.[18][19]

Entre as características frequentemente relatadas em pesquisas estão:

  • Sensibilidade emocional e empatia intensas;
  • Respostas sensoriais amplificadas (hiper-reatividade a estímulos);
  • Aprendizado acelerado e memória de longo prazo acima da média;
  • Perfeccionismo e forte senso de autoexigência;
  • Curiosidade insaciável e necessidade de explorar assuntos em profundidade;
  • Pensamento não convencional e criativo;
  • Agitação e inquietude, não necessariamente ligadas a transtornos, mas a um ritmo mental intenso;[20]
  • Atenção seletiva, concentrando-se intensamente em áreas de interesse e desconsiderando o que julgam irrelevante;[21]
  • Busca por sentido e compreensão de questões filosóficas, científicas e morais desde cedo;
  • Senso de justiça acentuado e elevado nível de consciência social;
  • Tendência a questionar regras e autoridades, formulando críticas frequentes e buscando explicações lógicas;
  • Questionamentos excessivos, muitas vezes interpretados por professores como contestação e até confundidos com TOD, mas que refletem a necessidade de coerência e profundidade;
  • Tendência ao isolamento e ao sentimento de diferença, sobretudo em ambientes pouco responsivos às suas necessidades;
  • Necessidade de apoio pedagógico e emocional personalizado e especializado para o pleno desenvolvimento, evitando sofrimento psíquico que gere: frustração, tédio, ansiedade, depressão, subdesempenho, evasão escolar, pensamentos suicidas ou automutilação.

Linda Silverman observa que a superdotação não é apenas saber mais, mas pensar de forma diferente, ressaltando que o funcionamento neurobiológico diferenciado desses indivíduos leva a padrões singulares de percepção e elaboração mental.[22]

Paula Probber complementa afirmando que muitos alunos superdotados não encontram correspondência entre sua forma de aprender e os métodos escolares tradicionais, o que pode gerar subdesempenho acadêmico se não houver reconhecimento e apoio adequados.[23]

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Discussões terminológicas

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Há debates na literatura sobre a noção de “comportamento superdotado”, conceito utilizado em algumas abordagens para indicar que determinados traços de altas habilidades podem ser observados apenas em situações específicas, sem que configurem uma condição estável do indivíduo.[24] Da mesma forma, a ideia de superdotação em áreas específicas, como matemática, música, artes, liderança ou esportes, também é defendida em modelos que privilegiam o talento em domínios delimitados.

No campo das teorias mais difundidas, Joseph Renzulli propôs o Modelo dos Três Anéis, segundo o qual o talentoso é aquele que obtém a interação entre habilidades acima da média, comprometimento com a tarefa e criatividade.[25]Howard Gardner, com a teoria das inteligências múltiplas, sugeriu que existem diferentes tipos de inteligências, como linguística, lógico-matemática, musical, corporal-cinestésica, espacial, interpessoal e intrapessoal, que poderiam se manifestar de forma independente, influenciando a compreensão de talentos específicos.[26] Por sua vez, Françoys Gagné elaborou o Modelo Diferenciado de Dotação e Talento (DMGT), distinguindo a dotação natural (aptidões) do talento desenvolvido (desempenho em áreas específicas), com influência de fatores intrapessoais e ambientais.[27] Em 2020, Gagné publicou uma síntese atualizada do modelo, detalhando seus componentes, catalisadores e aplicações educacionais.[28]

No entanto, essa visão mais fragmentada é alvo de críticas. Autores como Susan Daniels e Michael Piechowski argumentam que a superdotação não se reduz a manifestações setoriais de desempenho, mas corresponde a uma condição global de funcionamento neurobiológico diferenciado, caracterizada por intensidades cognitivas, emocionais e sensoriais que atravessam a vida da pessoa em múltiplos contextos.[29]

Segundo essa perspectiva, embora em determinadas situações seja possível identificar maior expressão em certos campos, aqueles que coincidem com os interesses mais intensos do indivíduo, como ocorre em casos de precocidade matemática ou habilidades artísticas extraordinárias, o núcleo da superdotação não está no “fazer melhor” em determinada área, mas em “funcionar de maneira diferente” em termos de percepção, pensamento e emoção.[30][31]

Essa divergência conceitual reflete tensões históricas entre teorias de superdotação baseadas em desempenho e talento mensurável (mais comuns em políticas públicas de identificação) e aquelas fundamentadas em modelos psicossociais e neuropsicológicos, que reconhecem a superdotação como neurodivergência e não como privilégio elitista. Para Paula Probber, restringir a identificação a resultados de desempenho produz invisibilidade e risco de sub-rendimento escolar, pois muitos superdotados expressam seu potencial em modos não lineares, seletivos e por vezes até contraditórios com as métricas escolares tradicionais.[32]

[33]

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Equívocos de diagnóstico e identificação

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A literatura científica aponta que indivíduos superdotados frequentemente são alvo de equívocos diagnósticos, em razão de sua forma singular de funcionamento cognitivo, emocional e sensorial. A superdotação, quando reduzida a resultados escolares ou de testes, pode ser confundida com transtornos de comportamento, déficit de atenção, hiperatividade ou até quadros clínicos mais graves, levando à medicalização inadequada desses estudantes.[34]

Linda Silverman observa que a superdotação não se restringe a um saber mais, mas a um modo qualitativamente diferente de pensar, caracterizado por intensidades cognitivas, sensoriais e emocionais.[35] Essa perspectiva ajuda a compreender porque crianças superdotadas podem manifestar comportamentos que se assemelham a sintomas de transtornos psiquiátricos, mas que, na realidade, decorrem de sua inteligência, alta sensibilidade ou de frustrações escolares.

Nesse contexto, Kazimierz Dąbrowski, em sua teoria da desintegração positiva, descreve que indivíduos superdotados apresentam sobre-excitabilidades em diferentes áreas, intelectual, emocional, psicomotora, sensorial e imaginativa, que ampliam sua intensidade de experiência e podem ser equivocadamente vistas como sinais de desajuste.[36]

Pesquisas também destacam a complexidade da chamada dupla excepcionalidade, quando a superdotação coexiste com outra(s) condição(ões) do desenvolvimento. Nesses casos, há risco de invisibilidade, uma vez que a própria superdotação com toda a sua intensidade pode exacerbar as características/sintomas da(s) outra(s) condição(ões) que há o mascaramento da superdotação.[37]

Assim, compreender os equívocos de diagnóstico e adotar critérios de identificação mais amplos, com base em referenciais teóricos contemporâneos é essencial para evitar que superdotados sejam medicalizados de forma indevida ou permaneçam sem apoio adequado.[38]

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O superdotado na educação

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No Brasil, estudantes com altas habilidades/superdotação são reconhecidos como público da Educação Especial, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996. O art. 59, inciso II, assegura a esses alunos o direito à aceleração de estudos, permitindo que concluam o programa escolar em menor tempo, de acordo com seu ritmo de aprendizagem.[39]

Além da aceleração, a legislação prevê a oferta de currículos, métodos, técnicas e recursos pedagógicos e organização específicos, voltados a atender às necessidades diferenciadas desse público. O atendimento deve ser garantido no contexto da escola regular, em consonância com os princípios da inclusão, e com o serviço especializado de modo suplementar.[40]

[41]

Na prática, os direitos dos alunos superdotados incluem:

  • Aceleração escolar, com progressão compatível ao seu ritmo de aprendizagem;
  • Plano Educacional Individualizado (PEI), que organiza estratégias pedagógicas específicas;
  • Atendimento educacional especializado (AEE), suplementar ao ensino regular;
  • Adaptações, respeitando seu funcionamento neurobiológico diferenciado e necessidades específicas.

Dessa forma, a superdotação na educação deve ser entendida não como privilégio, mas como direito fundamental à educação personalizada e especializada, que assegure equidade, inclusão e pleno desenvolvimento integral do estudante.

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Leitura complementar

  • GAGNÉ, Françoys. Differentiating Giftedness from Talent: The DMGT Perspective on Talent Development. Londres: Routledge, 2020. ISBN 978-0-367-54067-8. doi:10.4324/9781003088790. (Síntese monográfica do DMGT.)
  • SCHREINER-MÓDOLO, Lílian. Glossário da Superdotação: Um guia rápido para superdotados, pais e profissionais da superdotação. São Paulo: Arcádia Educação e Comércio Ltda., 2024. ISBN 978-65-998681-1-5. (Glossário de termos usados no Brasil.)
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Ver também

Referências

  1. Silverman, L. K. (2013). Giftedness 101. Springer Publishing Company.
  2. Webb, J. T. et al. (2005). Misdiagnosis and Dual Diagnoses of Gifted Children and Adults. Great Potential Press.
  3. Silverman, L. K. (1993). Counseling the Gifted and Talented. Love Publishing.
  4. Probber, P. (1996). Gifted children and the educational system: Understanding and responding to their needs. Roeper Review, 19(1), 13–17.
  5. Daniels, S., & Piechowski, M. M. (2009). Living with Intensity: Understanding the Sensitivity, Excitability, and Emotional Development of Gifted Children, Adolescents, and Adults. Great Potential Press.
  6. Dabrowski, K. (1972). Psychoneurosis is Not an Illness. Gryf Publications.
  7. Silverman, Linda K. Giftedness 101. Springer Publishing, 2013.
  8. Webb, James T. et al. Misdiagnosis and Dual Diagnoses of Gifted Children and Adults. Great Potential Press, 2005.
  9. Haier, Richard J. The Neuroscience of Intelligence. Cambridge University Press, 2017.
  10. Probber, Paula. "Underachievement and the Gifted Child". Gifted Child Quarterly, vol. 39, no. 3, 1995, pp. 140-151.
  11. Daniels, Susan; Piechowski, Michael. Living with Intensity. Great Potential Press, 2009.
  12. Freeman, Joan (2010). Gifted Lives: What Happens When Gifted Children Grow Up. Routledge.
  13. Haier, Richard J. The Neuroscience of Intelligence. Cambridge University Press, 2017.
  14. Cattell, Raymond B. "Theory of fluid and crystallized intelligence: A critical experiment". Journal of Educational Psychology. 1963, vol. 54, n. 1, pp. 1–22.
  15. Silverman, Linda K. Giftedness 101. Springer Publishing, 2013.
  16. Webb, James T. et al. Misdiagnosis and Dual Diagnoses of Gifted Children and Adults. Great Potential Press, 2005.
  17. Silverman, Linda K. Giftedness 101. Springer Publishing, 2013.
  18. Webb, James T. et al. Misdiagnosis and Dual Diagnoses of Gifted Children and Adults. Great Potential Press, 2005.
  19. Daniels, Susan & Piechowski, Michael. Living with Intensity. Great Potential Press, 2009.
  20. Silverman, Linda K. (2013). Giftedness 101. Springer Publishing.
  21. Silverman, Linda K. Giftedness 101. Springer Publishing, 2013.
  22. Probber, Paula. "Underachievement and the Gifted Child". Gifted Child Quarterly, 1995.
  23. Pfeiffer, Steven I. Essentials of Gifted Assessment. Wiley, 2015.
  24. Renzulli, Joseph S. The Three-Ring Conception of Giftedness. University of Connecticut, 1978.
  25. Gardner, Howard. Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences. Basic Books, 1983.
  26. Gagné, Françoys. Transforming Gifts into Talents: The DMGT as a Developmental Theory. High Ability Studies, 2004.
  27. Gagné, Françoys (2020). Differentiating Giftedness from Talent: The DMGT Perspective on Talent Development. Londres: Routledge. ISBN 9780367540678. doi:10.4324/9781003088790
  28. Daniels, Susan & Piechowski, Michael. Living with Intensity. Great Potential Press, 2009.
  29. Silverman, Linda K. Giftedness 101. Springer Publishing, 2013.
  30. Silverman, Linda K. Giftedness 101. Springer Publishing, 2013.
  31. Probber, Paula. "Underachievement and the Gifted Child". Gifted Child Quarterly, 1995.
  32. Dąbrowski, Kazimierz (1972). Psychoneurosis Is Not an Illness. Gryf Publications.
  33. Webb, James T. et al. (2005). Misdiagnosis and Dual Diagnoses of Gifted Children and Adults. Great Potential Press.
  34. Silverman, Linda K. (2013). Giftedness 101. Springer Publishing Company.
  35. Dąbrowski, Kazimierz (1972). Psychoneurosis Is Not an Illness. Gryf Publications.
  36. Daniels, Susan & Piechowski, Michael (2009). Living with Intensity. Great Potential Press.
  37. Haier, Richard J. (2017). The Neuroscience of Intelligence. Cambridge University Press.
  38. Brasil. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.
  39. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 208, inciso III.
  40. Brasil. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 26 jun. 2014.
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