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Em oceanografia, ANBC (do inglês HNLC, high-nitrate, low-chlorophyll) é uma sigla que significa "alto nitrogênio, baixa clorofila". Este termo é usado para caracterizar aproximadamente 20% de toda a superfície do oceano global,[1] onde a luz é abundante e a concentração de micronutrientes (nitrato, fosfato e silicato) também é alta. No entanto, a biomassa fitoplanctônica permanece baixa. Essas áreas ocupam a maior parte do Oceano Austral, o Oceano Pacífico equatorial e o extremo norte (região subártica) do Oceano Pacífico. Nas áreas ANBC, o principal fator que limita o crescimento do fitoplâncton é o baixo aporte do nanonutriente ferro na superfície do oceano.[1]
A primeira especulação de que o fitoplâncton no “deserto antártico” (Oceano Austral, assim chamado devido à baixa biomassa fitoplanctônica) estaria limitado por ferro foi feita pelo biólogo inglês Joseph Hart em 1930.[2] No entanto, essa discussão só foi retomada em 1980 pelo oceanógrafo John Martin, quando ele realizava diversas análises de nutrientes na água do mar e concluiu que o ferro estaria limitando o crescimento do fitoplâncton nessas regiões de “deserto antártico”.[carece de fontes] A partir disso, a comunidade oceanográfica começou a estudar mais sistematicamente o efeito dessas grandes áreas do oceano global (limitadas por ferro) na produtividade primária e na exportação de carbono para o oceano profundo. Em 1988, John Gribbin foi o primeiro cientista a sugerir publicamente que o efeito estufa poderia ser reduzido caso grandes quantidades de compostos de ferro solúveis em água fossem adicionados no oceano como fertilizante para o fitoplâncton.[3] Porém, John Martin é que ficou mais conhecido após sua afirmação: “Dê-me metade de um navio petroleiro em ferro e eu lhe darei uma era do gelo”.[4] Esta frase foi proferida em uma palestra no Instituto Oceanográfico Woods Hole em julho de 1988[4] e marcou o início de décadas de experimentos de fertilização do oceano. Todos esses experimentos partiam do princípio que, dispersando uma quantidade relativamente pequena de ferro nas áreas ANBC, criariam-se grandes florações algais. Hipoteticamente, com um número suficiente dessas áreas fertilizadas, o crescimento de microalgas seria capaz de retirar tanto dióxido de carbono da atmosfera que o efeito estufa poderia ser revertido e a superfície da Terra esfriada.[5] Diversos experimentos científicos de fertilização do oceano com ferro foram executados com o intuito de provocar florações fitoplanctônicas, aumentando assim a exportação de carbono para o oceano profundo.[6]
Além da hipótese do ferro, outras duas hipóteses chegaram a ser formuladas para explicar a ocorrência de áreas ANBC no oceano global. Uma delas foi a pastagem do zooplâncton.[7] De acordo com esta hipótese, a predação do zooplâncton contribuiria para a manutenção dos baixos níveis de clorofila na água em áreas como o Oceano Pacífico subártico. A outra hipótese levantada foi a do excesso de turbulência na coluna de água do Oceano Austral.[8] Neste caso, os intensos ventos observados em altas latitudes do hemisfério sul seriam capazes de sustentar uma grande mistura vertical na coluna de água, levando o fitoplâncton abaixo de uma profundidade crítica onde a luz passaria a limitar seu crescimento.
A distribuição de nutrientes no oceano global depende de fatores físicos (como difusão turbulenta e processos advectivos) e químicos (como mineralização da matéria orgânica).[9] A disponibilidade dos micronutrientes nitrogênio, fósforo e silício limita a quantidade de vida no oceano. Assim, esses micronutrientes tendem a ser consumidos nas águas superficiais porque são essenciais para o crescimento do fitoplâncton. Como este também é dependente de luz para a realização da fotossíntese, a produção primária marinha está presente apenas na camada fótica do oceano. Assim, as águas escuras do oceano profundo são ricas em nutrientes.[10] Em áreas onde há divergência de massas de água na superfície, as águas profundas frias afloram e resultam no florescimento do fitoplâncton. Na superfície do oceano global, as maiores concentrações de micronutrientes são encontradas no Oceano Austral devido à ausência de termoclina permanente e em áreas de ressurgência equatorial ou costeira. Esta última é bastante intensa nas margens leste dos três oceanos, especialmente nos trópicos onde os ventos alísios são constantes e favorecem o transporte de Ekman em direção ao largo.[10]
A produção primária marinha é controlada por vários fatores mutuamente dependentes. Os mais importantes são luminosidade, disponibilidade de micronutrientes, pastagem de zooplâncton herbívoro e mecanismos físicos (ressurgência, convergência, divergência, turbulência, entre outros). A produção primária é maior em locais onde observa-se o fenômeno de ressurgência costeira, seguido pelo norte dos oceanos Pacífico e Atlântico, Pacífico equatorial e Oceano Austral.[carece de fontes] Em um mesmo local também há variações sazonais na produção primária. Em áreas temperadas, por exemplo, geralmente são observadas florações de fitoplâncton na primavera e no outono. Tais florações estão relacionadas com a disponibilidade de nitrogênio e fósforo na coluna de água, gerando picos de produção primária nessas estações do ano. No verão, os picos de fitoplâncton são menores devido à reciclagem de nutrientes pela pastagem do zooplâncton.
O ferro é um dos elementos mais abundantes do Universo, sendo o núcleo da Terra formado principalmente por ferro e níquel.[11] No entanto, apesar de constituinte da crosta oceânica,[11] o ferro é um nanonutriente escasso na coluna de água marinha. As fontes de ferro para o oceano compreendem os rios que deságuam nas áreas costeiras e, principalmente, a poeira originada nos desertos continentais.[10] Nesta última fonte pode-se destacar as tempestades de areia do deserto do Saara que depositam ferro na superfície do Oceano Atlântico tropical e as tempestades de areia dos desertos do Oriente Médio que sopram em direção ao Oceano Índico. Somente 2% do ferro que entra nos oceanos a partir da atmosfera é solúvel na água do mar, tornando-se disponível para absorção pelo fitoplâncton como nutriente.[12]
Em áreas que cobrem cerca de 20% da superfície do oceano global, ao longo de todo o ano a produção primária é inferior àquela esperada em função da elevada disponibilidade de nutrientes (particularmente nitrogênio) dissolvidos na água do mar.[1] Essas áreas são:
O grande interesse na fertilização do oceano com ferro nessas áreas ANBC vem da possibilidade de remover quantidades significantes de dióxido de carbono da atmosfera. Assim, essa iniciativa é considerada uma potencial ação mitigadora do aquecimento global.[1] Essa teoria parte do seguinte postulado: o fitoplâncton nas áreas ANBC é limitado por ferro, logo a adição de ferro no oceano permitiria o aumento da biomassa fitoplanctônica. A maior produção primária absorveria mais dióxido de carbono dissolvido na água do mar para a realização da fotossíntese e aumentaria a exportação de carbono para águas profundas à medida que os organismos fitoplanctônicos morressem e sedimentassem na coluna de água (ver bomba biológica). Dessa forma, o transporte de carbono da superfície para o interior do oceano faria com que mais dióxido de carbono fosse removido da atmosfera para o oceano, contribuindo, assim, para a diminuição da concentração desse gás na atmosfera e favorecendo na mitigação do aquecimento global.[15]
Um série de experimentos em mesoescala de fertilização do oceano com ferro foram realizados entre 1993 e 2012. Informações resumidas desses experimentos são listadas a seguir:[6][16][17]
Nome do experimento |
Oceano |
Ano |
Quantidade de ferro adicionada |
IronEx I (Iron experiment) |
Pacífico equatorial |
1993 |
450 kg |
IronEx II (Iron experiment) |
Pacífico equatorial |
1995 |
450 kg |
SOIREE (Southern Ocean iron release experiment) |
Austral |
1999 |
1750 kg |
EisenEx (Iron experiment) |
Austral |
2000 |
2350 kg |
SEEDS I (Subarctic Pacific iron experiment for ecosystem dynamics study) |
Pacífico norte |
2001 |
350 kg |
SOFeX (Southern Ocean iron experiment - north) |
Austral |
2002 |
1300 kg |
SOFeX (Southern Ocean iron experiment - south) |
Austral |
2002 |
1700 kg |
SERIES (Subarctic ecosystem response to iron enrichment study) |
Pacífico norte |
2002 |
490 kg |
SEEDS II (Subarctic Pacific iron experiment for ecosystem dynamics study) |
Pacífico norte |
2004 |
480 kg |
EIFEX (European iron fertilization experiment) |
Austral |
2004 |
2820 kg |
SAGE (Surface-ocean lower-atmosphere studies of air-sea gás exchange) |
Austral |
2004 |
1100 kg |
FeeP (Phosphate and iron addition experiment)* |
Atlântico |
2004 |
1840 kg |
CROZEX (Crozet natural iron bloom and export experiment) |
Austral |
2005 | |
LOHAFEX (Indian and German iron fertilization experiment) |
Austral |
2009 |
20 toneladas |
HSRC (The Haida Salmon Restoration Corporation) |
Pacífico norte |
2012 |
120 toneladas |
* Experimento duplo realizado em área com baixo nitrogênio e baixa clorofila (BNBC)
De acordo com uma revisão publicada por Boyd e colaboradores,[6] as principais conclusões dos experimentos de fertilização do oceano foram: (1) a comprovação de que o ferro é um nanonutriente limitante ao crescimento do fitoplâncton em áreas ANBC; e (2) a evidência de que florações de fitoplâncton estimuladas pelo aporte de ferro afetam os ciclos biogeoquímicos (ex.: carbono, nitrogênio e silício) e o clima do planeta. Além disso, os experimentos mostraram que a produtividade primária aumentou em todas as áreas ANBC fertilizadas com ferro. De uma maneira, geral, o fitoplâncton também cresceu mais rapidamente em águas oceânicas mais quentes. Todos os grupos fitoplanctônicos aumentaram sua biomassa, mas somente as diatomáceas floresceram e escaparam da pressão exercida pelo zooplâncton herbívoro. As diatomáceas também reduziram suas necessidades de sílica em virtude do aumento da concentração de ferro na água do mar.
O acompanhamento temporal das florações induzidas nos experimentos de fertilização mostrou-se uma ferramenta útil para interpretar as florações naturais e estimar o intervalo de tempo entre o acúmulo de carbono pelo fitoplâncton e sua posterior exportação para o oceano profundo. Esses experimentos também revelaram-se uma abordagem mais abrangente de estudo da teia trófica pelágica marinha. Após esses estudos, ficou evidente a necessidade de se conhecer melhor como a variabilidade do fornecimento de ferro (natural ou antrópico) afeta a biogeoquímica do oceano e o clima global.[6]
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