Científicos e tarimbeiros
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Os científicos (ou “bacharéis de farda”) e os tarimbeiros eram duas categorias de oficiais do Exército Brasileiro nas últimas décadas do Império do Brasil e primeiras do período republicano, separados pelo nível de ensino superior recebido na Escola Militar da Praia Vermelha (EMPV): os tarimbeiros não tinham curso superior, ou formavam-se nos cursos de duração mais breve (infantaria e cavalaria). Já os científicos concluíam os cursos mais prestigiados de estado-maior, artilharia ou engenharia. Os tarimbeiros acumulavam experiência profissional perto da tropa, enquanto os científicos buscavam reconhecimento na sociedade brasileira.[1] “Tarimbeiro” era um termo depreciativo derivado de tarimba, estrado de madeira onde os soldados dormiam. À época da Proclamação da República em 1889, os tarimbeiros tinham como representante Deodoro da Fonseca, e os científicos, Benjamin Constant.[2]
Entretanto, vários oficiais tidos como tarimbeiros foram formados em artilharia e engenharia, e alguns científicos tinham preocupações com a instrução da tropa típicas de tarimbeiros.[3] Na Marinha do Brasil a Escola Naval também tinha um teor “bacharelesco” no mesmo período, mas não havia equivalente aos tarimbeiros e os oficiais não passaram pela forte influência do positivismo existente no Exército.[4]
Os bacharéis emergiram na segunda metade do século XIX, quando a importância da formação superior aumentou na carreira militar e os aristocratas perderam seu espaço no corpo de oficiais. Alunos de fora da elite passaram a ingressar na Escola Militar como forma de ascensão social. Em grande parte, não eram atraídos pela carreira das armas. O ensino na Praia Vermelha era pouco direcionado à doutrina militar e à tática,[5] uma herança da formação voltada à construção de fortificações no período colonial,[6] acentuada pelo positivismo. No “tabernáculo da ciência” estudavam-se matemática, filosofia e letras, num ambiente pouco militarizado, de intensa atividade cultural e intelectual, sob influência do positivismo, republicanismo e cientificismo. Até o pacifismo positivista era popular. A atividade política era intensa e a Escola participou de diversas revoltas.[5][3][4]
Os “bacharéis de farda” concluíam o curso querendo competir com os bacharéis civis por espaço na sociedade. A Praia Vermelha formou muitos burocratas, intelectuais, engenheiros, arquitetos e professores.[4] Os bacharéis preferiam ser chamados de “doutor” do que pelos seus postos. Eles ridicularizavam as condecorações da Guerra do Paraguai ostentadas pelos tarimbeiros,[7] acusando-os de ter galgado seus postos por relações políticas e familiares e tachando-os de ignorantes, grosseiros e oportunistas.[8] Os tarimbeiros, representando o “velho Exército”, eram considerados comandantes truculentos. Já os científicos eram avessos ao serviço arregimentado em corpos de tropa, julgando-se acima da tarefa de instruir soldados. Setembrino de Carvalho recorda-se da recusa de um oficial subordinado a instruir recrutas, dizendo que “um bacharel em ciências físicas e matemáticas não se podia nivelar aos oficiais de tropa!”[3]
Os tarimbeiros tinham maior espírito de corpo e encabeçaram a Questão Militar nos últimos anos do Império.[4] Á época da Proclamação da República, os tarimbeiros eram mais velhos que os científicos. Os dois grupos uniram-se contra o Império, os científicos pela ideologia e os tarimbeiros pela honra do Exército.[2] As relações entre os dois grupos pioraram no início da República.[3] Nos conflitos internos da década de 1890 (a Revolução Federalista, Revoltas da Armada e Guerra de Canudos), o exército em campanha foi liderado pelos tarimbeiros. Os científicos, com algumas exceções, ausentaram-se.[7]