Império do Brasil
Estado imperial existente na América do Sul de 1822 a 1889 / De Wikipedia, a enciclopédia encyclopedia
O Império do Brasil[3] (denominado pela historiografia também como Brasil Império, Brasil Imperial ou Brasil Monárquico) foi um Estado que existiu no século XIX e que compreendia, aproximadamente, até 1825, o território que forma o Brasil (sem o Acre) e o Uruguai atuais. Seu governo era uma monarquia constitucional parlamentar representativa, com a ascensão ao trono de dois imperadores, Pedro I e seu filho, Pedro II. De uma colônia do Reino de Portugal, o Brasil tornou-se a sede do Império Português em 1808, quando o então Príncipe Regente de Portugal, João VI, reagiu à invasão napoleônica de Portugal estabelecendo a si mesmo e seu governo no Rio de Janeiro. João VI, em decorrência da Revolução do Porto, retornou a Portugal em 1821, deixando seu filho e herdeiro, Pedro, para governar o Reino do Brasil como regente. Em 7 de setembro de 1822, Pedro proclamou a independência do Brasil e foi aclamado em 12 de outubro do mesmo ano como Pedro I, primeiro imperador do Brasil, fato que antecedeu uma guerra contra Portugal, que reconheceu a independência em 1825, com a assinatura do Tratado do Rio de Janeiro.[4] O novo país era vasto, etnicamente diverso, porém pouco povoado.
Império do Brasil | |||||
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Lema nacional Independência ou Morte! | |||||
Hino nacional Hino da Independência do Brasil (1822–1889)
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Mapa diacrônico do Império do Brasil, incluindo a Província Cisplatina. | |||||
Continente | América do Sul | ||||
Capital | Rio de Janeiro 22° 54' S 43° 14' O | ||||
Língua oficial | Português | ||||
Religião | Católica romana[a] | ||||
Governo | Monarquia constitucional parlamentarista[b] | ||||
Imperador | |||||
• 1822–1831 | Pedro I | ||||
• 1840–1889 | Pedro II | ||||
Presidente do Conselho de Ministros | |||||
• 1847 | Visconde de Caravelas (primeiro) | ||||
• 1889 | Visconde de Ouro Preto (último) | ||||
Legislatura | Assembleia Geral[c] | ||||
• Câmara alta | Senado[d] | ||||
• Câmara baixa | Câmara dos Deputados[d] | ||||
Período histórico | Revoluções do Atlântico Era Romântica Realismo/Naturalismo Parnasianismo Belle Époque | ||||
• 9 de janeiro de 1822 | Dia do Fico | ||||
• 7 de setembro de 1822 | Independência do Brasil | ||||
• 12 de outubro de 1822 | Primeiro reinado | ||||
• 7 de abril de 1831 | Abdicação de Pedro I e início do período regencial | ||||
• 23 de julho de 1840 | Segundo reinado | ||||
• 13 de maio de 1888 | Abolição da Escravatura | ||||
• 15 de novembro de 1889 | Proclamação da República | ||||
Área | |||||
• 1889 | 8 337 218 km2 | ||||
População | |||||
• 1823[1] est. | 4 000 000 | ||||
• 1854[1] est. | 7 000 700 | ||||
• 1872[1] est. | 9 930 478 | ||||
• 1889 est. | 14 333 915 | ||||
Dens. pop. | 1,7/km² | ||||
Moeda | Real | ||||
a.↑ Art. 5º: A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo.[2] b.↑ Art. 2º: O seu território é dividido em Províncias na forma em que atualmente se acha, as quais poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.[2] c.↑ Art. 13: O Poder Legislativo é delegado à Assembleia Geral, com a sanção do Imperador.[2] d.↑ Art. 14: A Assembleia Geral compõe-se de duas câmaras: Câmara de Deputados e Câmara de Senadores ou Senado.[2] |
Ao contrário das repúblicas vizinhas hispano-americanas, o Brasil adquiriu estabilidade política, crescimento econômico,[5] liberdade de expressão garantida pela constituição, e respeito pelos direitos de seus súditos, embora com restrições a escravos, sendo estes reconhecidos como propriedades e não como cidadãos. O parlamento bicameral do império era eleito de forma relativamente democrática para a época, assim como as legislaturas provinciais e locais. Devido a isso, surgiu uma longa divergência ideológica entre Pedro I e uma considerável porção do parlamento sobre o papel do monarca no governo. Além disso, a malsucedida Guerra da Cisplatina contra as Províncias Unidas do Rio da Prata em 1828 levou à secessão da província da Cisplatina (atual Uruguai). Em 1826, apesar de seu papel na independência do Brasil, Pedro I tornou-se rei de Portugal (Pedro IV), abdicando imediatamente em favor de sua filha mais velha, Maria II. Dois anos depois, o trono foi usurpado pelo irmão mais novo de Pedro I, Miguel. Incapaz de lidar simultaneamente com os problemas do Brasil e de Portugal, Pedro I abdicou ao trono brasileiro em 7 de abril de 1831 e partiu imediatamente para a Europa para restituir o trono português à sua filha.
O sucessor de Pedro I no Brasil foi seu filho de apenas cinco anos, Pedro II. Sendo ele ainda menor de idade, foi instalada uma regência. O vazio de poder resultante da falta de um monarca ativo como árbitro decisivo das questões políticas levou a uma série de guerras civis regionais entre facções locais. Tendo herdado um império no limiar da desintegração, Pedro II, quando aclamado imperador, conseguiu pacificar e estabilizar o país, que viria a tornar-se uma potência emergente internacional. Sob o reinado de Pedro II, o Brasil foi vitorioso em três conflitos internacionais (a Guerra do Prata, a Guerra do Uruguai e a Guerra do Paraguai) e o império prevaleceu em vários outros conflitos e disputas internacionais e crises internas. Junto à prosperidade e ao desenvolvimento surgiu um fluxo de imigração europeia, incluindo protestantes e judeus, embora o Brasil tenha continuado maciçamente católico. A escravidão, fortemente difundida, foi restringida por sucessivas reformas até sua abolição em 1888. As artes visuais, a literatura e o teatro afloraram neste período. Embora muito influenciados por estilos europeus que variavam do neoclassicismo ao romantismo, cada conceito era adaptado para criar uma cultura genuinamente brasileira.
Após um reinado de 58 anos, em 15 de novembro de 1889, Pedro II foi deposto por um repentino golpe de Estado liderado por uma facção de militares positivistas e civis cujo propósito era a formação de uma república presidencialista, dando início a Primeira República Brasileira.[6]
Independência e primeiros anos
O território que viria a ser conhecido como o Brasil foi reivindicado por Portugal em 22 de abril de 1500, quando o navegador Pedro Álvares Cabral desembarcou em seu litoral.[7] Uma colonização permanente seguiu-se e, de 1532 aos 300 anos seguintes, os portugueses expandiram lentamente seus domínios para oeste até chegarem a quase todas as fronteiras do Brasil moderno.[8]
O Rei João III cria o cargo de governador-geral, através do Regimento de 17 de dezembro de 1548. O território da América Portuguesa passa então a ter uma administração unificada, se tornando no Estado do Brasil.[9]
Em 1661, o norte do território da América Portuguesa se autonomiza do Estado do Brasil e se constitui como o Estado do Maranhão, com seu próprio governo e capital na cidade de São Luís.[10]
Em 1808, o exército do imperador francês Napoleão Bonaparte invadiu Portugal, levando a família real portuguesa — a Casa de Bragança, um ramo de mil anos da dinastia capetiana — a se transferir para o Brasil, preservando a independência portuguesa. Eles restabeleceram-se na cidade brasileira do Rio de Janeiro, que se tornou a sede oficial do Império Português.[11]
Em 1815, o príncipe português João (mais tarde, rei João VI), atuando como regente, criou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, o que elevou o Brasil de estado a reino. Ele subiu ao trono português no ano seguinte, após a morte de sua mãe, Maria I. Regressou a Portugal em abril de 1821, deixando para trás seu filho e herdeiro, o príncipe Pedro, para governar o Brasil como seu regente.[12][13] O governo português imediatamente procurou revogar a autonomia política que ao Brasil havia sido concedida desde 1808.[14][15] A ameaça de perderem seu limitado controle sobre assuntos locais inflamou uma oposição generalizada entre os brasileiros. José Bonifácio de Andrada e Silva, juntamente com outros líderes brasileiros, convenceram Pedro a declarar a independência do Brasil do domínio de Portugal em 7 de setembro de 1822.[16][17] Em 12 de outubro, o príncipe foi aclamado Pedro I, o primeiro imperador do recém-criado Império do Brasil, uma monarquia constitucional.[18][19] A escolha do termo "Imperador" e não de "Rei" deu-se para representar a separação com a monarquia portuguesa, mostrando que ele era Imperador por aclamação e não por direito sucessório português com título de Rei.[20] A declaração de independência foi combatida em todo o Brasil por unidades militares armadas leais ao governo português. A guerra de independência que se seguiu foi travada em todo o país, com batalhas nas regiões norte, nordeste e sul. Os últimos soldados portugueses renderam-se em março de 1824[21][22] e a independência foi reconhecida por Portugal em agosto de 1825.[4]
Pedro I enfrentou uma série de crises durante o seu reinado. Em 1824, ocorreu a Confederação do Equador, principal reação contra a tendência monarquista e a política centralizadora do seu governo. O centro irradiador e a liderança da revolta couberam à província de Pernambuco, pois esta esperava que a primeira constituição do império seria do tipo federalista, e daria autonomia para as províncias resolverem suas questões. A repressão ao movimento foi severa: Pernambuco acabou perdendo grande parte do seu território (a antiga Comarca do Rio de São Francisco), e vários líderes da rebelião, como Frei Caneca, foram enforcados ou fuzilados.[23] Já a rebelião separatista na província Cisplatina, no início de 1825, e a tentativa posterior das Províncias Unidas do Rio da Prata (que mais tarde se iriam tornar a Argentina) de anexá-la levaram o império à Guerra da Cisplatina: "uma longa, inglória e, finalmente, inútil guerra no sul".[24] Em março de 1826, João VI morreu e Pedro I herdou a coroa portuguesa, tendo brevemente se tornado o rei Pedro IV de Portugal, antes de abdicar em favor de sua filha mais velha, que se tornou a rainha Maria II.[25] A situação piorou em 1828 quando a guerra no sul terminou com perda da Cisplatina pelo Brasil, que viria a tornar-se a república independente do Uruguai.[26] No mesmo ano, em Lisboa, o trono de Maria II foi usurpado pelo príncipe Miguel, o irmão de Pedro I.[27]
Outras dificuldades surgiram quando o parlamento do império, a Assembleia Geral, foi inaugurado em 1826. Pedro I, juntamente com uma percentagem significativa da legislatura, defendeu um sistema judiciário independente, um legislativo eleito pelo povo e um governo que seria liderado pelo imperador que deteria amplos poderes executivos e prerrogativas.[28] Outros no Parlamento defenderam uma estrutura semelhante, apenas com um papel menos influente para o monarca e com o poder legislativo sendo dominante na política e na governança.[29] A luta sobre se o governo seria dominado pelo imperador ou pelo parlamento foi travada em debates entre 1826 e 1831 no estabelecimento da estrutura governamental e política do império.[24] Ao não conseguir lidar com problemas tanto no Brasil quanto em Portugal simultaneamente, o imperador abdicou em nome de seu filho, Pedro II, em 7 de abril de 1831 e imediatamente embarcou para a Europa para restaurar sua filha ao seu trono.[30]
Regência
Após a saída precipitada de Pedro I, o Brasil ficou com um menino de cinco anos de idade como chefe de Estado. Sem precedentes a seguir, o império foi confrontado com a perspectiva de um período de mais de doze anos sem um executivo forte, visto que, nos termos da Constituição de 1824, Pedro II não iria atingir a maioridade e começar a exercer a autoridade como o imperador até 2 de dezembro de 1843, quando chegaria aos dezoito anos.[31] A regência foi eleita para governar o país nesse período. A regência tinha apenas alguns dos poderes exercidos por um imperador e era completamente subordinada à Assembleia Geral, que não podia preencher o vácuo deixado no cargo mais alto do governo brasileiro.[32]
Paralisada, a regência mostrou-se incapaz de resolver disputas e rivalidades entre facções políticas nacionais e locais. Acreditando que a concessão de maior autonomia política aos governos provinciais e locais iria sufocar a crescente dissidência, a Assembleia Geral aprovou uma emenda constitucional em 1834, o chamado Ato Adicional. Em vez de acabar com o caos, esses novos poderes somente alimentaram ambições e rivalidades regionais. A violência então explodiu em todo o país.[33] Partidos locais concorriam com uma renovada ferocidade para dominar os governos provinciais e municipais, visto que qualquer partido que dominava as províncias também ganhava o controle sobre o sistema eleitoral e político. Esses partidos que perderam as eleições se rebelaram e tentaram assumir o poder pela força, o que resultou em várias rebeliões.[34] A Revolta do Ano da Fumaça e a Revolta de Carrancas em Minas Gerais, a Cabanagem no Grão-Pará, a Balaiada no Maranhão, a Revolta dos Malês e Sabinada na Bahia e a Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul, foram alguns dos conflitos deflagrados neste período.[35]
Os políticos que haviam subido ao poder durante a década de 1830 haviam até então se familiarizado com as dificuldades e as armadilhas do poder. Segundo o historiador Roderick J. Barman, por volta de 1840 "eles haviam perdido toda a fé na sua capacidade de governar o país por conta própria. Eles aceitaram Pedro II como uma figura de autoridade, cuja presença era indispensável para a sobrevivência do país".[36] Alguns desses políticos (que formariam o Partido Conservador em 1840) acreditavam que uma figura neutra era necessária, que poderia estar acima de facções políticas e de interesses mesquinhos para enfrentar o descontentamento e disputas moderadas.[37] Eles imaginaram um imperador que seria mais dependente do legislador do que o monarca constitucional imaginado por Pedro I, mas com mais poderes do que tinha sido defendido no início da regência por seus rivais (que mais tarde formaram o Partido Liberal).[38] Os liberais, no entanto, conseguiram passar uma iniciativa para antecipar a maioridade de Pedro II de 18 para 14 anos. O imperador foi declarado apto para governar em julho de 1840.[39]
Consolidação
Para atingir os seus objetivos, os liberais tinham-se aliado a um grupo de funcionários de alto escalão do palácio e a políticos notáveis: a "facção dos cortesãos". Os cortesãos faziam parte do círculo íntimo do imperador e tinham grande influência sobre ele,[40] o que lhes permitiu a nomeação de sucessivos gabinetes liberais-cortesãos. Seu domínio, no entanto, foi de curta duração. Por volta de 1846, Pedro II tinha amadurecido fisicamente e mentalmente. Como não era mais um jovem inseguro de 14 anos de idade, influenciado por fofocas, sugestões de lotes secretos e outras táticas de manipulação,[41] suas fraquezas desbotaram e sua força de caráter veio à tona.[41] Ele arquitetou com sucesso o fim da influência dos cortesãos, removendo-os de seu círculo íntimo sem causar qualquer perturbação pública.[42] Ele também rejeitou os liberais, que se haviam revelado ineficazes enquanto estavam no cargo, e exortou os conservadores a formar um governo em 1848.[43]
As habilidades do imperador e do gabinete conservador recém-nomeado foram testadas durante três crises entre 1848 e 1852.[44] A primeira foi um confronto sobre a importação ilegal de escravos. Importar escravos tinha sido proibido em 1826, como parte de um tratado com o Reino Unido,[43] mas o tráfico continuou inabalável. No entanto, a aprovação pelo governo britânico da Lei Aberdeen de 1845 autorizou que os navios de guerra britânicos abordassem navios brasileiros e prendessem quem fosse flagrado envolvido no comércio de escravos.[45] Enquanto o Brasil lutava com este problema, a Revolução Praieira, um conflito entre facções políticas regionais na província de Pernambuco (e aquela em que partidários liberais e cortesãos estiveram envolvidos) irrompeu em 6 de novembro de 1848, mas foi suprimida em março de 1849. Foi a última rebelião a ocorrer durante a monarquia e seu fim marcou o início de um período de 40 anos de paz interna no Brasil. A Lei Eusébio de Queirós foi promulgada em 4 de setembro de 1850 dando ampla autoridade ao governo para combater o comércio ilegal de escravos. Com esta nova ferramenta, o Brasil procurou eliminar a importação de escravos e em 1852 a primeira crise acabou quando a Grã-Bretanha aceitou que o comércio havia sido suprimido.[46]
A terceira crise foi um conflito com a Confederação Argentina sobre ascendência sobre territórios adjacentes ao Rio da Prata e pela navegação gratuita na hidrovia.[47] Desde a década de 1830, o ditador argentino Juan Manuel de Rosas apoiava rebeliões no Uruguai e no Brasil. O império foi incapaz de enfrentar a ameaça representada por Rosas até 1850,[47] quando uma aliança forjada entre Brasil, Uruguai e desafetos argentinos,[47] levou à Guerra do Prata e a posterior deposição do governante argentino em fevereiro de 1852.[48][49] A passagem bem sucedida do império por estas crises melhorou consideravelmente a estabilidade e o prestígio da nação e o Brasil emergiu como uma potência hemisférica.[50] No plano internacional, os europeus vieram para ver o país incorporando os ideais liberais familiares, como a liberdade de imprensa e o respeito constitucional das liberdades públicas. Sua monarquia parlamentar representativa também contrastou com a mistura de ditaduras e instabilidade política endêmica nas outras nações da América do Sul durante este período.[51]
Crescimento
No início da década de 1850, o Brasil gozava de estabilidade interna e prosperidade econômica.[52] A infraestrutura do país foi sendo desenvolvida, com o progresso na construção das estradas de ferro, do telégrafo elétrico e de linhas de navios a vapor que uniam o Brasil em uma entidade nacional coesa.[52] Depois de cinco anos de mandato, o gabinete conservador foi dissolvido em setembro de 1853. Honório Hermeto Carneiro Leão, o Marquês de Paraná, líder do Partido Conservador, foi convocado para formar um novo gabinete.[53] O imperador Pedro II quis aplicar um plano ambicioso, que se tornou conhecido como "a Conciliação",[54] que visava reforçar o papel do parlamento na resolução de disputas políticas do país.[53][55]
O Marques de Paraná convidou vários liberais para se juntar às fileiras conservadoras e chegou a designar alguns como ministros. O novo gabinete, embora altamente bem sucedido, foi atormentado desde o início pela forte oposição dos membros ultraconservadores do Partido Conservador, que repudiaram os novos recrutas liberais. Eles acreditavam que o gabinete havia se tornado uma máquina política infestada com liberais convertidos que não eram genuinamente parte dos ideais do partido e estavam interessados principalmente na obtenção de cargos públicos.[56] Apesar dessa desconfiança, Paraná mostrou resistência em retirar as ameaças e superar os obstáculos e contratempos.[57][58] No entanto, em setembro de 1856, no auge de sua carreira, ele morreu de forma inesperada, embora o seu gabinete tenha sobrevivido até maio de 1857.[59]
O Partido Conservador tinha sido dividido ao meio: de um lado estavam os ultraconservadores e do outro os conservadores moderados que apoiaram a Conciliação.[60] Os ultraconservadores eram liderados por Joaquim Rodrigues Torres, o Visconde de Itaboraí, Eusébio de Queirós e Paulino Soares de Sousa, o 1º Visconde de Uruguai — todos os ex- ministros no gabinete de 1848-1853. Esses estadistas mais velhos haviam tomado o controle do Partido Conservador após a morte do Marquês de Paraná. Depois de 1857, nenhum dos gabinetes sobreviveu por muito tempo, todos rapidamente entrando em colapso devido à falta de uma maioria na Câmara dos Deputados.[61]
Os membros restantes do Partido Liberal, que definhavam desde a sua queda em 1848 e a desastrosa Revolução Praieira em 1849, aproveitaram o que parecia ser iminente implosão do Partido Conservador para voltar à política nacional com força renovada. Eles entregaram um poderoso golpe para o governo, quando conseguiram ganhar vários assentos na Câmara dos Deputados em 1860.[62] Quando muitos conservadores moderados desertaram para se unir aos liberais para formar um novo partido político, a Liga Progressista,[63] continuar no poder se tornou insustentável para os conservadores devido à falta de uma maioria governista viável no parlamento. Eles se demitiram e, em maio de 1862, Pedro II nomeou um gabinete progressista.[64] O período desde 1853 tinha sido de paz e prosperidade para o Brasil: '"O sistema político funcionou sem problemas, liberdades civis foram mantidas. A partida tinha sido feita na introdução no Brasil das linhas da estrada de ferro, do telégrafo e do vapor. O país não era mais conturbado pelas disputas e conflitos que se acumulou durante seus primeiros 30 anos".[65]
Guerra do Paraguai
Este período de calma chegou ao fim quando o cônsul britânico no Rio de Janeiro quase provocou uma guerra entre o Reino Unido e o Brasil. Ele enviou um ultimato contendo exigências abusivas decorrentes de dois incidentes menores no final de 1861 e no início de 1862.[66] O governo brasileiro se recusou a ceder e o cônsul emitiu ordens para navios de guerra britânicos capturar navios mercantes brasileiros como indenização.[67] O Brasil se preparou para um conflito iminente[68][69] e as defesas costeiras receberam permissão para atirar contra qualquer navio de guerra britânico que tentasse capturar navios mercantes brasileiros.[70] O governo brasileiro, em seguida, cortou relações diplomáticas com o Reino Unido em junho de 1863.[71]
Como a guerra com o Império Britânico se aproximava, o Brasil teve de voltar sua atenção para as suas fronteiras do sul. Outra guerra civil começou no Uruguai e colocou seus partidos políticos uns contra os outros.[72] O conflito interno levou ao assassinato de brasileiros e ao saque de suas propriedades uruguaias.[73] O gabinete progressista do Brasil decidiu intervir e despachou o exército, que invadiu o Uruguai em dezembro de 1864, começando a breve Guerra do Uruguai.[74] O ditador do vizinho Paraguai, Francisco Solano López, aproveitou-se da situação do Uruguai no final de 1864 para tentar estabelecer o seu país como uma potência regional. Em novembro daquele ano, ele ordenou que um navio a vapor civil brasileiro fosse apreendido (desencadeando na Guerra do Paraguai) e, em seguida, invadiu o Brasil.[75][76]
O que parecia no início ser uma breve e simples intervenção militar levou a uma guerra em grande escala no sudeste da América do Sul. No entanto, a possibilidade de um conflito em duas frentes (com a Grã-Bretanha e com o Paraguai) desapareceu quando, em setembro de 1865, o governo britânico enviou um emissário que pediu desculpas publicamente pela crise entre os impérios.[77][78] A invasão paraguaia em 1864 levou a um conflito muito maior do que o esperado e a fé na capacidade do gabinete progressista de lidar com a guerra desapareceu.[79] Além disso, desde o seu início, a Liga Progressista foi assolada por um conflito interno entre as facções formadas por antigos conservadores moderados e por ex-liberais.[79][80]
O gabinete renunciou e o imperador nomeou o envelhecido Visconde de Itaboraí para chefiar um novo governo em julho de 1868, marcando o retorno dos conservadores ao poder.[81] Isto impulsionou ambas as alas progressistas para deixar de lado suas diferenças, levando-os a rebatizar seu partido para Partido Liberal. Uma terceira, menor e mais radical ala progressista declarou-se republicana em 1870, um mau sinal para a monarquia.[82] No entanto, o "ministério formado pelo visconde de Itaboraí era um corpo muito mais capaz do que o gabinete substituído"[81] e o conflito com o Paraguai terminou março 1870 com a vitória total do Brasil e de seus aliados.[83] Mais de 50 mil soldados brasileiros morreram[84] e os custos da guerra foram onze vezes superiores ao orçamento anual do governo.[85] No entanto, o país era tão próspero que o governo foi capaz de superar a dívida da guerra em apenas dez anos.[86][87] O conflito também foi um estímulo para a produção nacional e o crescimento econômico.[88]
Apogeu
A vitória diplomática sobre o Império Britânico e a vitória militar sobre o Uruguai em 1865, seguida da conclusão bem sucedida da guerra com o Paraguai em 1870, marcou o início da "era de ouro" do Império do Brasil.[89] A economia brasileira cresceu rapidamente; outros projetos de modernização de estradas de ferro e transportes foram iniciados; a imigração floresceu.[90] O império ficou conhecido internacionalmente como uma nação moderna e progressista, perdendo apenas para os Estados Unidos na América, era uma economia politicamente estável, com um bom investimento potencial.[89]
Em março de 1871, Pedro II nomeou o conservador José Paranhos, o Visconde do Rio Branco, como chefe de um gabinete, cujo principal objetivo era o de aprovar uma lei para libertar imediatamente todas as crianças nascidas de escravas.[91] O controverso projeto de lei foi apresentado na Câmara dos Deputados em maio e enfrentou "uma oposição determinada, que comandou o apoio de cerca de um terço dos deputados e que procurou organizar a opinião pública contra a medida".[92] O projeto de lei foi finalmente promulgado em setembro e ficou conhecido como Lei do Ventre Livre.[92] O sucesso de Rio Branco, no entanto, prejudicou seriamente a estabilidade política do império a longo prazo. A lei "dividiu os conservadores ao meio, uma facção do partido apoiou as reformas do gabinete de Rio Branco, enquanto a segunda — conhecida como a escravocratas — foram implacáveis em sua oposição", formando uma nova geração de ultraconservadores.[93]
A Lei do Ventre Livre e o apoio de Pedro II à legislação resultou na perda de lealdade incondicional dos ultraconservadores à monarquia.[93] O Partido Conservador tinha experimentado divisões sérias antes durante a década de 1850, quando o total apoio do imperador para a política de Conciliação deu origem aos progressistas. No entanto, os ultraconservadores, liderados por Eusébio, Uruguai e Itaboraí, adversários da Conciliação na década de 1850, acreditavam que o imperador era indispensável para o funcionamento do sistema político: ele era visto como um árbitro final e imparcial para os impasses políticos.[94] Por outro lado, esta nova geração de ultraconservadores não tinha experimentado a regência e os primeiros anos do reinado de Pedro II, quando perigos externos e internos ameaçaram a própria existência do império; eles só conheceram a prosperidade, a paz e uma administração estável.[36] Para eles — e para as classes dominantes em geral — a presença de um monarca neutro que pudesse resolver as disputas políticas não era mais importante. Além disso, desde que Pedro II tomou claramente um lado político sobre a questão da escravidão, ele tinha comprometido sua posição como um árbitro neutro. Os novos políticos ultraconservadores não viram nenhuma razão para defender o cargo imperial.[95]
Declínio
As deficiências da monarquia levaram muitos anos para se tornarem aparentes. O Brasil continuou a prosperar durante os anos 1880, com a economia e a sociedade se desenvolvendo rapidamente, incluindo o primeiro impulso organizado pelos direitos das mulheres.[96][97] Por outro lado, cartas escritas por Pedro II revelam um homem envelhecido e cansado do mundo, cada vez mais alienado de eventos atuais e em perspectiva pessimista.[98] Ele permaneceu meticuloso em suas funções formais como imperador, embora muitas vezes sem entusiasmo, mas ele já não intervinha ativamente para manter a estabilidade no país.[99] Sua crescente "indiferença ao destino do regime"[100] e sua inação em proteger o sistema imperial quando ele foi ameaçado levaram historiadores atribuírem a "principal, talvez única, responsabilidade" pela dissolução da monarquia ao próprio imperador.[101]
A falta de um herdeiro que pudesse viabilizar e proporcionar um novo rumo para o país também ameaçou as perspectivas de longo prazo da monarquia brasileira. O herdeiro do imperador era sua filha mais velha, Isabel, que não tinha interesse e nem expectativa de tornar-se uma monarca.[102] A Constituição permitia a sucessão feminina ao trono, mas o Brasil ainda era uma sociedade muito tradicional, dominada por homens e a visão predominante era de que apenas um monarca masculino seria capaz de executar a funções de chefe de Estado.[103] Pedro II,[104] as classes dominantes[105] e o estamento político consideraram um sucessor do sexo feminino como impróprio e Pedro II acreditava que a morte de seus dois filhos e a falta de um herdeiro do sexo masculino eram um sinal de que o império estava destinado a ser suplantado.[104]
Um imperador cansado que não se importava mais com o trono, um herdeiro que não tinha nenhum desejo de assumir a coroa e uma classe dirigente cada vez mais descontente e que não condizia com o papel Imperial em assuntos nacionais: todos esses fatores pressagiaram a desgraça iminente da monarquia brasileira. Os meios para alcançar a queda do sistema imperial logo aparecem dentro das fileiras do Exército. O republicanismo nunca tinha florescido no Brasil fora de certos círculos elitistas.[106][107] e tinha pouco apoio nas províncias[108] A combinação de crescimento dos ideais republicanos e positivistas entre oficiais do exército, no entanto, começou a se tornar em séria ameaça à monarquia. Estes oficiais eram a favor de uma ditadura republicana, que eles acreditavam que seria superior à monarquia democrática liberal.[109][110] Começando com pequenos atos de insubordinação no início da década de 1880, o descontentamento no exército cresceu em escopo e audácia durante a década, já que o imperador estava desinteressado e os políticos eram incapazes de restabelecer a autoridade do governo sobre os militares.[111]
Queda
O país gozava de um considerável prestígio internacional durante os últimos anos do império[112] e tornou-se uma potência emergente no cenário internacional. Enquanto Pedro II recebia tratamento médico na Europa, o parlamento aprovou e a princesa Isabel assinou em 13 de maio 1888, a Lei Áurea, que aboliu completamente a escravidão no Brasil.[113] Previsões de perturbações econômicas e de trabalho causadas pela abolição da escravatura provaram-se infundadas.[114] No entanto, o fim da escravidão foi o golpe final para qualquer crença restante na neutralidade da coroa e isso resultou em uma mudança explícita do apoio ao republicanismo pelos ultraconservadores,[115] que eram apoiados por ricos e poderosos fazendeiros de café que tinham grande poder político, econômico e social no país.[116]
Para evitar uma reação republicana, o governo explorou o crédito prontamente disponível para o Brasil, resultado de sua prosperidade, para alimentar ainda mais o desenvolvimento. O governo estendeu enormes empréstimos a taxas de juros favoráveis aos fazendeiros, títulos generosamente concedidos e honras menores de favores[necessário esclarecer] com figuras políticas influentes que se tornaram descontentes.[117] O governo também indiretamente começou a resolver o problema dos militares recalcitrantes pela revitalização da moribunda Guarda Nacional, até então uma entidade que existiu na maior parte apenas no papel.[118]
As medidas tomadas pelo governo alarmaram os republicanos civis e os positivistas nas Forças Armadas. Os republicanos perceberam que elas minariam o apoio para seus próprios objetivos e foram encorajados a outra ação.[110] A reorganização da Guarda Nacional foi iniciada pelo gabinete em agosto de 1889 e a criação de uma força militar rival fez com que os dissidentes entre os oficiais considerassem medidas desesperadas.[119] Para ambos os grupos, os republicanos e os militares, tornou-se um caso de "agora ou nunca".[120] Apesar de não haver o desejo entre a maioria dos brasileiros de mudar forma de governo do país,[121] os republicanos começaram a pressionar os oficiais do exército para derrubarem a monarquia.[122]
Eles aplicaram um golpe de Estado e instituíram a república em 15 de novembro 1889.[123] A historiadora Lídia Besouchet observou que "raramente uma revolução foi tão pequena",[124] pois as poucas pessoas que presenciaram o ocorrido não se deram conta de que era uma revolta.[125][126] Durante o golpe Pedro II não demonstrou nenhuma emoção, como se não se preocupasse com o resultado.[127] Ele rejeitou todas as sugestões apresentadas pelos políticos e líderes militares de sufocar a rebelião.[128] O imperador e sua família foram enviados para o exílio em 17 de novembro.[129] Embora não tenha havido uma reação monarquista significativa após a queda do império, a que houve foi completamente reprimida[130] e nem Pedro II, nem sua filha apoiaram uma restauração.[131] Apesar de não estar ciente dos planos de um golpe de Estado, uma vez que ocorreram à luz da aceitação passiva do imperador, a classe política apoiou o fim da monarquia em favor de uma república. Eles não sabiam que o objetivo dos líderes do golpe era a criação de uma república ditatorial, em vez de uma república presidencial ou parlamentar.[132]