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No cristianismo protestante, a relação entre Lei e Evangelho — a Lei de Deus e o Evangelho de Jesus Cristo — é importante tópico na teologia luterana e reformada. Nestas tradições, a distinção entre as doutrinas da Lei, que exige obediência aos desígnios éticos de Deus, e o Evangelho, que promete o perdão dos pecado por meio da pessoa e da obra de Jesus Cristo, é crítica. Ela é utilizada como um princípio hermenêutico na interpretação bíblica e um princípio orientador na homilética (a composição de sermões) e na atividade pastoral. Esta relação trata da supersessão da Antiga Aliança (incluindo a lei judaica, a halacá) pela Nova Aliança e pela teologia cristã.
Outros grupos cristãos também tem suas doutrinas sobre o assunto ou, de forma mais geral, visões sobre a Antiga Aliança, embora este não seja geralmente um tema intensamente debatido ou rigorosamente definido como é o caso nas tradições luteranas e reformadas.
Por vezes o assunto é discutido no contexto das relações entre "Lei e Graça", "Pecado e Graça", "Espírito e Letra da lei" e "ministério (em grego clássico: διακονíα, diakonia) da morte/condenação" e "ministério do Espírito/justiça".[1]
Uma formulação específica da distinção entre Lei e Evangelho foi proposta pela primeira vez na Igreja cristã por Martinho Lutero e estabelecida como a fundação da exegese bíblica evangélica luterana e foi exposta no artigo 4 da "Apologia da Confissão de Augsburgo" (1531): "Todas as Escrituras deveriam ser distribuídas nestes dois tópicos, a Lei e as promessas. Pois em alguns lugares elas apresentam a Lei e em outros, a promessa a respeito de Cristo, nomeadamente, seja quando [no Antigo Testamento] elas prometem que Cristo virá e oferece, em Seu nome, a remissão dos pecados, a justificação e a vida eterna, seja quando, no Evangelho [no Novo Testamento], o próprio Cristo, já presente, promete a remissão dos pecados, a justificação e a vida eterna".[2] A Fórmula de Concórdia, da mesma forma, afirmou esta distinção em seu artigo V, que diz: "Nós acreditamos, ensinamos e confessamos que a distinção entre a Lei e o Evangelho deve ser mantido na Igreja com grande diligência...".[3]
Martinho Lutero escreveu: "Assim, quem quer que conheça bem esta arte de distinguir entre Lei e Evangelho, coloquem-no à frente e o chamem de doutor das Sagradas Escrituras".[4] Por toda a Era da ortodoxia luterana (1580-1713) esta disciplina hermenêutica era considerada fundamental e importantíssima para os teólogos luteranos.
Esta distinção é também o primeiro artigo em "Patrick's Places" (1528), de Patrick Hamilton[5].
A Fórmula de Concórdia distingue três usos ou propósitos na Lei no artigo VI. "A Lei foi dada aos homens por três motivos [...][6][7][8]:"
A preocupação primordial era manter que a Lei deveria continuar a ser utilizada pelos cristãos depois de terem sido regenerados pelo Espírito Santo através do Evangelho para conter a doutrina de Johannes Agricola, que ensinava que a Lei não era mais necessária pelos cristãos regenerados.[6][9] O luteranismo confessional ensina que a Lei não pode ser utilizada para negar o Evangelho e nem o Evangelho pode ser utilizado para negar a Lei de Deus.[10]
A distinção entre Lei e Evangelho é a formulação padrão na teologia reformada, apesar de, em anos recentes, alguns estudiosos a tenham caracterizado como sendo caracteristicamente luterana.[11] Zacharias Ursinus propôs uma clara distinção entre Lei e Evangelho como sendo a "principal e mais geral divisão das Sagradas Escrituras" em seu comentário sobre o "Catecismo de Heidelberg".[12] Louis Berkhof chamou a Lei e o Evangelho "as duas partes da Palavra de Deus e meios de graça". Lei e Evangelho são encontrados em ambos os testamentos.[13]
Em sua obra "Institutos da Religião Cristã", o reformador João Calvino distinguiu três usos para a Lei: "Para tornar o assunto todo mais claro, vamos analisar brevemente a função e o uso da chamada «lei moral». Assim, da forma como eu compreendo, ela consiste em três partes:"
Este esquema é similar ao da Fórmula de Concórdia, com a exceção de que o primeiro e o segundo usos estão invertidos.
No escolasticismo reformado, posterior, a ordem é a mesma dos luteranos. Os três usos são chamados de[14]:
Teólogos escolásticos luteranos e reformados discordam principalmente na forma pela qual o terceiro uso da Lei funciona entre os crentes. Os reformados enfatizam o terceiro uso por que espera-se que os redimidos realizem boas obras. Alguns luteranos enxergam nisso o perigo da justiça (retidão) baseada em obras e argumentam que o terceiro uso deve sempre retornar os fieis ao segundo uso, de volta para Cristo, ao invés de se tornar a normativa final.[14]
Além disto, alguns teólogos sugeriram que o terceiro uso da Lei não aparece em nenhum lugar na obra de Lutero e é integralmente uma contribuição de Melanchthon. Embora alguns luteranos tenham rejeitado essa hipótese,[15] ela fez com que outros colocassem em disputa a validade deste terceiro uso. Paul Althaus, por exemplo, escreveu em seu tratado sobre Lei e Evangelho: "Este guia [ético] pelo Espírito Santo implica que o mandamento concreto de Deus não pode ser lido de um documento escrito, um esquema da Lei herdado. Preciso aprender de novo todos os dias o que Deus quer de mim. Pois o mandamento de Deus tem uma característica especial para cada indivíduo: é sempre contemporâneo, sempre novo. Deus me comanda (e cada pessoa) de forma particular, num jeito diferente do que comanda outros [...] O caráter vivo e espiritual do conhecimento do que Deus requer dos homens no momento presente não deve ser destruído por regras e regulamentos".[16] Estes teólogos acreditam que o terceiro uso leva ou encoraja uma forma de legalismo e é, possivelmente, uma negação implícita da sola fide. Por outro lado, os cristãos reformados acreditam que este esquema de uso duplo de alguns luteranos como conducente a uma forma de antinomianismo (negação da validade da Lei diante do Evangelho).
Segundo John Warwick Montgomery, "para Lutero, o uso pedagógico da Lei era primário enquanto que para Calvino, este terceiro uso, o didático, era o principal; apesar disso, [historicamente] tanto as tradições luteranas quanto as reformadas mantiveram esta conceituação tripartite".[15]
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