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Biopoder

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Biopoder (do francês: biopouvoir) é um conceito elaborado originalmente pelo filósofo e historiador francês Michael Foucault, usando-o em seus cursos no Collége de France, publicado o termo apareceu pela primeira vez em A vontade de Saber, primeiro volume do estudo sobre a sexualidade ocidental do autor, a História da Sexualidade, em 1976. Refere-se à prática dos Estados modernos e sua regulação dos que a ele estão sujeitos, por meio de uma "explosão de técnicas numerosas e diversas para obter a subjugação dos corpos e o controle de populações".[1]

A partir da observação da sociedade européia do séc. XVIII, Foucault descreve as transformações no modo de poder, passando de uma sociedade soberana para uma sociedade disciplinadora. Segundo o autor, tal mudança se dá através do deslocamento de uma forma poder (e controle), que outrora ritualiza a morte (para viver é necessário matar), para uma que agora planeja tecnicamente a vida. Essa nova forma, é considerada pelo filósofo uma arte de governar a vida, que se manifesta como tecnologia política geral transformada em dispositivos disciplinares.

O biopoder pode ser conceituado assumindo duas formas básicas, como uma anátomo-política do corpo e também como uma biopolítica da população. A primeira forma, está relacionada às arquiteturas disciplinadoras encarregadas de extrair do corpo humano a força produtiva, por meio do controle do espaço e do tempo, nas instituições, como escolas, hospitais, igrejas, prisões e fábricas. A segunda forma, a biopolítica da população está focada na regulação das massas, utilizando de ferramentas e práticas que gerem taxas de natalidade, migração, epidemias, saúde pública, controle de riscos e aumento da longevidade, por exemplo.[2]

A amplitude dessa forma de poder, e os desdobramentos das biopolíticas ao longo da história é objeto de autores contemporâneos que investigam as relações e consequências do biopoder nos âmbitos legais do Estado, na sexualidade do indivíduo, nas relações de gêneros e de raça, e nos mais diversos âmbitos da vida.

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Estado e biopoder

O Biopoder, manifestado como biopolíticas de estado, é usado tanto como forma de manter a vida, como forma de poder — soberana — de matar. No aspecto prático, políticas de saúde pública, como campanhas de vacinação, contra câncer, o controle de epidemias, a escolha de quais doenças investir recursos, a relação com a longevidade e o controle de natalidade, são modos de exercer biopoder.

A biotecnologia, a biomedicina, a medicina molecular, a indústria farmacêutica, os meios de comunicação, agronegócio e as instituições públicas e privadas, podem se configurar como dispositivos de biopoder, que atravessam a vida dos indivíduos para além do corpo, mas também no campo das subjetividades. Impactando não apenas a materialidade da existência, mas também aspectos de desejos, relações, e até na autopercepção dos indivíduos.

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Sexualidade, gênero e biopoder

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A transição para essa forma de poder disciplinadora, que governa a vida tem a sexualidade e o sexo como aspectos centrais, conforme defende Paul B. Preciado no livro Testo Junkie: sexo, drogas e a biopolítica na era farmacopornográfica, considerado pelo mesmo um texto político ficcional, a obra trata da Teoria Queer, Gênero, Feminismo, Pornografia, Subjetivação e Relações com o Capital, pela perspectiva do exercício do biopoder e seus desdobramentos.

Para Preciado, uma das formas de dominação do biopoder é o que ele chama de sexopolítica, que se manifesta em diversos campos da formação do indivíduo. Como no discurso sobre masculinidade e feminilidade, que propaga uma normatização das identidades sexuais, transformando-se em agente de controle e padronização da vida, atuando no campo da subjetividade, agindo de maneira invisível, governando corpos livres.

Nesse ponto, é possível articular a análise de Preciado com a de Nikolas Rose, que em A Política da Própria Vida identifica uma transformação semelhante no governo da existência: a passagem de um poder que busca apenas eliminar patologias para um biopoder voltado à administração, otimização e remodelagem das capacidades vitais. Assim como Preciado descreve a internalização das normas de gênero e desejo, Rose observa que o indivíduo contemporâneo é convocado a gerir seu corpo e sua saúde como um projeto contínuo, no qual a biologia torna-se campo de escolha, decisão e aprimoramento.

Para a sexopolítica, o corpo heterossexual passa de uma prática sexual para se tornar um regime político limitador de experiências e vivências. Nesse regime, cada corpo se torna um indivíduo a se corrigir, de maneira a reproduzir padrões de sexo, sexualidade e identidade sexual; ou seja, é o governo da produção de subjetividade. Esse processo se articula com o que Rose denomina como etopolítica, uma ética da autogestão vital em que o sujeito é responsabilizado por otimizar sua própria existência, incorporando as normas de saúde, desempenho e prazer como parte de sua identidade.

Paul defende que a “invenção” dos hormônios sexuais, ou seja, o estudo e a maneira como são tratados para homens e mulheres, são ficções somáticas, que controlam os modos de subjetivação. Para o autor, o conceito e as formas de biopoder definidas por Foucault mudaram de estágio, o qual os corpos não mais habitam os espaços disciplinadores, mas são habitados por eles, sendo esta uma era farmacopornográfica. Nikolas Rose amplia essa compreensão ao mostrar que os desenvolvimentos biomédicos e biotecnológicos do século XXI transformaram o corpo humano em um laboratório de experimentação, no qual as fronteiras entre o natural e o artificial se tornam fluidas. O uso de hormônios, próteses, fármacos e cirurgias de redesignação sexual exemplificam esse novo regime de governo da vida, em que a medicina e a técnica não apenas curam, mas modelam e otimizam corpos conforme normas culturais de vitalidade e desempenho. De modo convergente, Nikolas Rose argumenta que vivemos uma nova política da vida, em que o poder penetra os níveis mais íntimos da existência, administrando o corpo e a subjetividade por meio de tecnologias biomédicas, discursivas e farmacológicas.

Outra manifestação de biopoder observada por Preciado é a distorção na “cronologia” do homem e da mulher, sendo vedado à mulher o direito de envelhecer, e caso o faça, esta vai perdendo valor social, enquanto com os homens não acontece o mesmo. Rose identifica um fenômeno semelhante quando analisa o reposicionamento hormonal feminino e o uso de medicamentos como o Viagra, intervenções que vão além do tratamento de doenças, buscando uma restauração e prolongamento da vitalidade sexual como algo normativo. Em ambos os casos, o corpo é governado a partir de uma lógica de desempenho e produtividade, em que o envelhecimento e a diferença entre homens e mulheres tornam-se ameaças à norma vital.

Ambos apontam que o governo contemporâneo da vida não opera mais por repressão, mas por modulação da vitalidade, promovendo sujeitos que se autogerem, se aprimorem e se responsabilizam por sua própria constituição biológica e identitária.

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Biopoder e necropolítica

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O biopoder é também uma manifestação de soberania, conforme defende o Achille Mbembe um filósofo, teórico político, historiador , intelectual e professor universitário camaronês. Ele resume o conceito de Foucault como o domínio da vida sobre o qual o poder tomou controle, e relaciona este a outros dois termos: o estado de exceção e o estado de sítio.

O filósofo diz que o funcionamento do biopoder se dá por meio da divisão entre as pessoas que devem viver e as pessoas que devem morrer,, sendo a soberania o direito de matar. O racismo se manifesta como uma forma de censura biológica, que regula a distribuição da morte e tornam legítimas as ações assassinas do Estado. Segundo Foucault, o direito soberano de matar e os mecanismos de biopoder são intrínsecos à constituição de todos os estados modernos.

Para Mbembe a escravidão deve ser considerada uma das primeiras instâncias da experimentação da biopolítica, onde os escravos sofriam 3 níveis de perdas, a do lar, a do corpo e de status político. Para o autor o apartheid é uma concatenação de biopoder, estádo de sítio e estado de exceção, que atuava com violentas biopoliticas como a proibição de casamentos mistos, esterização forçada e extermínio do povo vencido.

Dessa forma, Mbembe trata a noção de biopolítica como insuficiente para explicar as formas contemporâneas de dominação e subjugação da vida e da morte, e propõe o conceito de necropolítica para explicar os desdobramentos do conceito de biopoder de Foucault.[3]

Ver também

Referências

  1. Foucault, Michel (1977). A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal. ISBN 8577534502
  2. Foucault, Michel (2000). Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes. ISBN 9788578273002
  3. Mbembe, Achille (2016). Necropolítica. Rio de Janeiro: Revista Arte & Ensaios. p. 124 - 146

Bibliografia

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