Imposex

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Imposex é um distúrbio que afeta moluscos aquáticos, como caramujos, causado pelos efeitos tóxicos de certos poluentes, especialmente compostos organoestânicos. Trata-se de uma forma de pseudo-hermafroditismo, na qual indivíduos geneticamente fêmeas desenvolvem características sexuais masculinas, como um pênis não-funcional e/ou ducto deferente, o que frequentemente leva à esterilidade. Diferentemente do intersexo, o imposex não envolve ambiguidade gonadal, mas sim a sobreposição de genitália masculina sobre um sistema reprodutivo feminino funcional.

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Esta fêmea de Aliger gigas desenvolveu um órgão sexual masculino (verge) devido à exposição prévia a compostos organoestânicos.[1]

Histórico

Na década de 1950, descobriu-se que compostos organoestânicos eram altamente eficazes na prevenção do acúmulo de organismos marinhos nos cascos de embarcações, o que levou ao uso generalizado desses compostos em tintas anti-incrustantes a partir da década de 1960. O uso dessas tintas se expandiu rapidamente ao longo daquela década. Por volta do final dos anos 1960, pesquisadores observaram pela primeira vez o fenômeno do imposex no molusco Nucella lapillus.[2][3] No entanto, foi apenas em 1981 que esse fenômeno foi diretamente associado à exposição a compostos organoestânicos.[4] A partir dessa descoberta, aumentou a pressão para eliminar o tributilestanho (TBT) e compostos similares dos produtos anti-incrustantes devido aos seus efeitos ambientais nocivos.[2]

Ainda que a maior parte dos estudos sobre imposex tenha se concentrado historicamente em organismos e ambientes marinhos, a poluição por compostos organoestânicos e o imposex em si não estão restritos a esses ambientes.[5] Estudos revelaram que o imposex afeta espécies estuarinas, como o caramujo Heleobia australis,[6] bem como espécies dulcícolas, como aquelas do gênero Pomacea[7] e Marisa cornuarietis.[8]

Efeitos biológicos

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Perspectiva

O imposex em gastrópodes marinhos é desencadeado por compostos organoestânicos que interferem na regulação hormonal do desenvolvimento sexual. Embora essa relação esteja bem estabelecida, os cientistas ainda não chegaram a um consenso sobre os mecanismos biológicos exatos envolvidos.[2] Diversas teorias concorrentes sugerem que os organoestânicos perturbam diferentes vias de sinalização hormonal, incluindo sistemas neuroendócrinos, semelhantes aos esteroides ou relacionados aos retinoides (derivados da vitamina A). Também é possível que múltiplas vias contribuam para essa condição, embora isso ainda não tenha sido confirmado de forma definitiva.[2]

Apesar das incertezas quanto aos mecanismos específicos, um estudo de 2006 identificou o imposex como um dos poucos biomarcadores realmente confiáveis para avaliar riscos ecológicos e monitorar a saúde ambiental.[9] Isso se deve à sua alta sensibilidade, à especificidade para a exposição a organoestânicos e ao fato de que seus efeitos biológicos são relativamente bem compreendidos. Além disso, o imposex não é facilmente influenciado por variáveis ambientais que poderiam confundir os resultados, e a condição observada em indivíduos pode ser diretamente associada a impactos mais amplos nas dinâmicas populacionais e comunitárias.[2]

Substâncias indutoras

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Modelo tridimensional da molécula de hidreto de tributil estanho (TBT)

Inicialmente, acreditava-se que o tributilestanho (TBT), que pode ser ativo em concentrações extremamente baixas, fosse o único indutor do imposex.[10] No entanto, estudos mais recentes identificaram outras substâncias capazes de induzir o fenômeno, como o trifenilestanho (TPT)[11] e até mesmo o etanol.[12]

Acredita-se que o TBT induza o imposex principalmente por meio da ativação inadequada da via do Receptor de retinóide X (RXR). O RXR normalmente desempenha um papel no desenvolvimento reprodutivo e na sinalização endócrina dos gastrópodes. O TBT atua como um ligante de alta afinidade para o RXR, imitando ligantes endógenos, como o ácido 9-cis-retinoico, o que leva à masculinização de caramujos fêmeas.[13]

Além de seu uso em tintas anti-incrustantes, o TBT é amplamente empregado em produtos como fungicidas, preservativos de madeira, estabilizantes de PVC e catalisadores, criando fontes adicionais de poluição.[7] O TBT e seus principais produtos de degradação, dibutilestanho e monobutilestanho, são comumente encontrados em águas e sedimentos marinhos em todo o mundo, mas também aparecem nas águas superficiais e sedimentos de rios e lagos, especialmente perto de áreas com intenso tráfego de embarcações. Na água, o TBT pode se decompor por meio de processos químicos e da luz solar, com uma meia-vida variando de 6 a 126 dias. Sua degradação biológica em água doce e água do mar geralmente leva entre 6 dias e várias semanas.[14] Nos sedimentos, especialmente aqueles sem oxigênio, ele se degrada muito mais lentamente, às vezes levando meses ou até 20 anos.[15] Enquanto os efeitos nocivos do TBT nos ecossistemas marinhos são bem conhecidos, muito menos pesquisas têm se concentrado em seus impactos em sistemas de água doce.[7]

Espécies afetadas

No final da década de 1970, o imposex havia sido reconhecido em pelo menos 34 espécies de gastrópodes.[16] Esse número aumentou para pelo menos 100 espécies[17] uma década depois e, em 1994, havia sido verificado em fêmeas de pelo menos 195 espécies em todo o mundo.[18] Nos 15 anos seguintes, os registros continuaram a aumentar, totalizando 260 espécies de ambientes marinhos e de água doce.[7][19]

Regulamentações ambientais

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Perspectiva

Grandes organizações internacionais, incluindo a Comissão Oslo-Paris, a Comissão Europeia e a Organização Marítima Internacional, desempenharam papéis cruciais nos esforços globais para restringir o uso de TBT. As primeiras proibições nacionais de tintas à base de TBT para embarcações de lazer e barcos com menos de 25 metros de comprimento foram implementadas no final da década de 1980 e início dos anos 1990.[2] A Noruega adotou essa restrição em 1990 e a expandiu para embarcações maiores, com mais de 25 metros, em 2003. Uma proibição mundial do uso de TBT em todas as tintas anti-incrustantes entrou oficialmente em vigor em janeiro de 2008. Atualmente, o TBT é classificado como uma substância prioritária e perigosa tanto pela Diretiva-Quadro da Água quanto pela Diretiva-Quadro da Estratégia Marinha da União Europeia.[2]

No início dos anos 1990, vários países costeiros, incluindo a Noruega, começaram a monitorar os níveis de TBT e a ocorrência de imposex em suas águas costeiras.[2] Pouco tempo depois da implementação das primeiras proibições das tintas com TBT, as populações de moluscos em algumas das áreas mais impactadas começaram a mostrar sinais de recuperação.[2] Ainda assim, embora haja uma recuperação parcial das populações de gastrópodes e uma redução na prevalência do imposex, casos persistentes, como nos moluscos Triplofusus giganteus, Strombus pugilis e Melongena melongena, indicam que o TBT pode ainda estar presente em sedimentos ou continuar afetando espécies de grande porte e vida longa.[32] Alternativamente, isso pode indicar que o composto ainda seja amplamente utilizado de forma clandestina.[26]

Referências

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