Mecânica quântica
ramo da física que estuda a matéria e energia na escala atômica / De Wikipedia, a enciclopédia encyclopedia
A mecânica quântica (também conhecida como física quântica e teoria quântica) é a teoria física que obtém sucesso no estudo dos sistemas físicos cujas dimensões são próximas ou abaixo da escala atômica, tais como moléculas, átomos, elétrons, prótons e outras partículas subatômicas, muito embora também possa descrever fenômenos macroscópicos em diversos casos.[2]
A mecânica quântica é um ramo fundamental da física com vasta aplicação. A teoria quântica fornece descrições precisas para muitos fenômenos previamente inexplicados tais como a radiação de corpo negro e a estabilidade dos átomos. Apesar de, na maioria dos casos, a mecânica quântica ser relevante para descrever sistemas microscópicos, os seus efeitos específicos não são somente perceptíveis em tal escala.
Por exemplo, a explicação de fenômenos macroscópicos como a super fluidez e a supercondutividade só é possível se considerarmos que o comportamento microscópico da matéria é quântico. A quantidade característica da teoria, que determina quando ela é necessária para a descrição de um fenômeno, é a chamada constante de Planck, que tem dimensão de momento angular ou, equivalentemente, de ação.
A mecânica quântica recebe esse nome por prever um fenômeno bastante conhecido dos físicos: a quantização. No caso dos estados ligados (por exemplo, um elétron orbitando em torno de um núcleo positivo) a Mecânica Quântica prevê que a energia (do elétron) deve ser quantizada. Este fenômeno é completamente alheio ao que prevê a teoria clássica.
O desenvolvimento da mecânica quântica foi uma necessidade gerada pelo acúmulo de resultados experimentais ao longo da virada dos séculos XIX e XX, os quais não conseguiam ser entendidos ou explicados à luz das teorias físicas existentes naquele período. As tentativas de contornar as dificuldades através da adaptação dos formalismos e ferramentas então disponíveis foram paulatinamente abandonadas, pois logo ficou claro que novas frentes conceituais e técnicas teriam que ser abertas. As propostas de uma equação de onda, que generalizava ideias acerca do caráter ondulatório das partículas, bem como de uma formulação matricial, baseada na utilização de observáveis experimentais na descrição dos sistemas atômicos, logo foram seguidas por trabalhos mais marcadamente matemáticos, que tinham por principal objetivo aparar possíveis arestas formais surgidas ao longo desse avanço conceitual.[3]
A palavra “quântica” (do Latim quantum) quer dizer quantidade. Na mecânica quântica, esta palavra refere-se a uma unidade discreta que a teoria quântica atribui a certas quantidades físicas, como a energia de um elétron contido num átomo em repouso. A descoberta de que as ondas eletromagnéticas podem ser explicadas como uma emissão de pacotes de energia (chamados quanta) conduziu ao ramo da ciência que lida com sistemas moleculares, atômicos e subatômicos. Este ramo da ciência é atualmente conhecido como mecânica quântica.
A mecânica quântica é a base teórica e experimental de vários campos da Física e da Química, incluindo a física da matéria condensada, física do estado sólido, física atômica, física molecular, química computacional, química quântica, física de partículas e física nuclear. Os alicerces da mecânica quântica foram estabelecidos durante a primeira metade do século XX por Albert Einstein, Werner Heisenberg, Max Planck, Louis de Broglie, Niels Bohr, Erwin Schrödinger, Max Born, John von Neumann, Paul Dirac, Wolfgang Pauli, Richard Feynman e outros. Alguns aspectos fundamentais da contribuição desses autores ainda são alvo de investigação.
Normalmente é necessário utilizar a mecânica quântica para compreender o comportamento de sistemas em escala atômica ou molecular. Por exemplo, se a mecânica clássica governasse o funcionamento de um átomo, o modelo planetário do átomo — proposto pela primeira vez por Rutherford — seria um modelo completamente instável. Segundo a teoria eletromagnética clássica, toda carga elétrica acelerada emite radiação. Por outro lado, o processo de emissão de radiação consome a energia da partícula. Dessa forma, o elétron, enquanto caminha na sua órbita, perderia energia continuamente até colapsar contra o núcleo positivo.
Em física, chama-se "sistema" um fragmento concreto da realidade que foi separado para estudo. Dependendo do caso, a palavra sistema refere-se a um elétron ou um próton, um pequeno átomo de hidrogênio ou um grande átomo de urânio, uma molécula isolada ou um conjunto de moléculas interagentes formando um sólido ou um vapor. Em todos os casos, sistema é um fragmento da realidade concreta para o qual deseja-se chamar atenção.
Dependendo da partícula pode-se inverter polarizações subsequentes de aspecto neutro.
A especificação de um sistema físico não determina unicamente os valores que experimentos fornecem para as suas propriedades (ou as probabilidades de se medirem tais valores, em se tratando de teorias probabilísticas). Além disso, os sistemas físicos não são estáticos, eles evoluem com o tempo, de modo que o mesmo sistema, preparado da mesma forma, pode dar origem a resultados experimentais diferentes dependendo do tempo em que se realiza a medida (ou a histogramas diferentes, no caso de teorias probabilísticas). Essa ideia conduz a outro conceito-chave: o conceito de "estado". Um estado é uma quantidade matemática (que varia de acordo com a teoria) que determina completamente os valores das propriedades físicas do sistema associadas a ele num dado instante de tempo (ou as probabilidades de cada um de seus valores possíveis serem medidos, quando se trata de uma teoria probabilística). Em outras palavras, todas as informações possíveis de se conhecer em um dado sistema constituem seu estado.
Cada sistema ocupa um estado num instante no tempo e as leis da física devem ser capazes de descrever como um dado sistema parte de um estado e chega a outro. Em outras palavras, as leis da física devem dizer como o sistema evolui (de estado em estado).
Muitas variáveis que ficam bem determinadas na mecânica clássica são substituídas por distribuições de probabilidades na mecânica quântica, que é uma teoria intrinsecamente probabilística (isto é, dispõe-se apenas de probabilidades não por uma simplificação ou ignorância, mas porque isso é tudo que a teoria é capaz de fornecer).
A representação do estado
No formalismo da mecânica quântica, o estado de um sistema num dado instante de tempo pode ser representado de duas formas principais:
- O estado é representado por uma função complexa da posição ou do momento linear de cada partícula que compõe o sistema. Essa representação é chamada função de onda.
- Também é possível representar o estado por um vetor num espaço vetorial complexo.[4] Esta representação do estado quântico é chamada vetor de estado. Devido à notação introduzida por Paul Dirac, tais vetores são usualmente chamados kets (sing.: ket).
Em suma, tanto as "funções de onda" quanto os "vetores de estado" (ou kets) representam os estados de um dado sistema físico de forma completa e equivalente e as leis da mecânica quântica descrevem como vetores de estado e funções de onda evoluem no tempo.
Estes objetos matemáticos abstratos (kets e funções de onda) permitem o cálculo da probabilidade de se obter resultados específicos em um experimento concreto. Por exemplo, o formalismo da mecânica quântica permite que se calcule a probabilidade de encontrar um elétron em uma região particular em torno do núcleo.
Quando uma função é exclusiva das coordenadas espaciais, ela é dita estacionária, ou seja, seu potencial não depende do tempo. Esta condição permite separar a função de onda em dois movimentos interdependentes. Um deles está ligado a coordenadas espaciais e o outro à coordenada temporal. Esta separação transforma a equação de Schrödinger, uma equação diferencial parcial muito usada na mecânica quântica, em duas equações diferenciais ordinárias, cada qual dependendo de apenas uma variável. O primeiro postulado da mecânica quântica refere-se, justamente, à função de onda. Esta é uma entidade complexa à qual não se atribui qualquer sentido físico especial, e o que a torna fisicamente relevante é o seu módulo quadrado (ou o produto da função de onda por seu complexo conjugado), pois este módulo quadrado representa uma probabilidade. O requisito para a aceitabilidade da função de onda é o fato de ela ser contínua, finita e apresentar um único valor para cada entidade.[5]
Para compreender seriamente o cálculo das probabilidades a partir da informação representada nos vetores de estado e funções de onda é preciso dominar alguns fundamentos de álgebra linear.
Muitos fenômenos quânticos difíceis de se imaginar concretamente podem ser compreendidos com um pouco de abstração matemática. Há três conceitos fundamentais da matemática - mais especificamente da álgebra linear - que são empregados constantemente pela mecânica quântica. São estes: (1) o conceito de operador; (2) de autovetor; e (3) de autovalor.
Vetores e espaços vetoriais
Na álgebra linear, um espaço vetorial (ou o espaço linear) é uma coleção dos objetos abstratos (chamados vetores) que possuem algumas propriedades que não serão completamente detalhadas aqui.
Por agora, importa saber que tais objetos (vetores) podem ser adicionados uns aos outros e multiplicados por um número escalar. O resultado dessas operações é sempre um vetor pertencente ao mesmo espaço. Os espaços vetoriais são os objetos básicos do estudo na álgebra linear, e têm várias aplicações na matemática, na ciência, e na engenharia.
O espaço vetorial mais simples e familiar é o espaço Euclidiano bidimensional. Os vetores neste espaço são pares ordenados e são representados graficamente como "setas" dotadas de módulo, direção e sentido. No caso do espaço euclidiano bidimensional, a soma de dois vetores quaisquer pode ser realizada utilizando a regra do paralelogramo.
Todos os vetores também podem ser multiplicados por um escalar - que no espaço Euclidiano é sempre um número real. Esta multiplicação por escalar poderá alterar o módulo do vetor e seu sentido, mas preservará sua direção. O comportamento de vetores geométricos sob estas operações fornece um bom modelo intuitivo para o comportamento dos vetores em espaços mais abstratos, que não precisam de ter a mesma interpretação geométrica. Como exemplo, é possível citar o espaço de Hilbert (onde "habitam" os vetores da mecânica quântica). Sendo ele também um espaço vetorial, é certo que possui propriedades análogas àquelas do espaço Euclidiano.
Os operadores na mecânica quântica
Um operador é um ente matemático que estabelece uma relação funcional entre dois espaços vetoriais. A relação funcional que um operador estabelece pode ser chamada transformação linear. Os detalhes mais formais não serão apontados aqui. Interessa, por enquanto, desenvolver uma ideia mais intuitiva do que são esses operadores.
Por exemplo, considere o Espaço Euclidiano. Para cada vetor nesse espaço é possível executar uma rotação (de um certo ângulo) e encontrar outro vetor no mesmo espaço. Como essa rotação é uma relação funcional entre os vetores de um espaço, podemos definir um operador que realize essa transformação. Assim, dois exemplos bastante concretos de operadores são os de rotação e translação.
Do ponto de vista teórico, a semente da ruptura entre as física quântica e clássica está no emprego dos operadores. Na mecânica clássica, é usual descrever o movimento de uma partícula com uma função escalar do tempo. Por exemplo, imagine que vemos um vaso de flor caindo de uma janela. Em cada instante de tempo podemos calcular a que altura se encontra o vaso. Em outras palavras, descrevemos a grandeza posição com um número (escalar) que varia em função do tempo.
Uma característica distintiva na mecânica quântica é o uso de operadores para representar grandezas físicas. Ou seja, não são somente as rotações e translações que podem ser representadas por operadores. Na mecânica quântica grandezas como posição, momento linear, momento angular e energia também são representados por operadores.
Até este ponto já é possível perceber que a mecânica quântica descreve a natureza de forma bastante abstrata. Em suma, os estados que um sistema físico pode ocupar são representados por vetores de estado (kets) ou funções de onda (que também são vetores, só que no espaço das funções). As grandezas físicas não são representadas diretamente por escalares (como 10 m, por exemplo), mas por operadores.
Os operadores são descritos pelo segundo teorema da mecânica quântica que diz que à toda variável dinâmica, O, passível de medida direta em laboratório, associa-se um operador linear e hermitiano, correspondente. Tal operador pode ser encontrado ao relacionar termos das coordenadas de posição e componentes do momento linear.[6]
Para compreender como essa forma abstrata de representar a natureza fornece informações sobre experimentos reais é preciso discutir um último tópico da álgebra linear: o problema de autovalor e autovetor.
O problema de autovalor e autovetor
O problema de autovalor e autovetor é um problema matemático abstrato sem o qual não é possível compreender seriamente o significado da mecânica quântica.
Em primeiro lugar, considere o operador  de uma transformação linear arbitrária que relacione vetores de um espaço E com vetores do mesmo espaço E. Neste caso, escreve-se [eq.01]:
Observe que qualquer matriz quadrada satisfaz a condição imposta acima desde que os vetores no espaço E possam ser representados como matrizes-coluna e que a atuação de  sobre os vetores de E ocorra conforme o produto de matrizes a seguir:
Como foi dito, a equação acima ilustra muito bem a atuação de um operador do tipo definido em [eq.01]. Porém, é possível representar a mesma ideia de forma mais compacta e geral sem fazer referência à representação matricial dos operadores lineares [eq.02]:
Para cada operador  existe um conjunto tal que cada vetor do conjunto satisfaz [eq.03]:
A equação acima é chamada equação de autovalor e autovetor. Os vetores do conjunto são chamados autovetores. Os escalares do conjunto são chamados autovalores. O conjunto dos autovalores também é chamado espectro do operador Â.
Para cada autovalor corresponde um autovetor e o número de pares autovalor-autovetor é igual à dimensão do espaço E onde o operador  está definido. Em geral, o espectro de um operador  qualquer não é contínuo, mas discreto. Encontrar os autovetores e autovalores para um dado operador  é o chamado problema de autovalor e autovetor.
De antemão o problema de autovalor e autovetor possui duas características:
(1) satisfaz o problema para qualquer operador Â. Por isso, o vetor nulo não é considerado uma resposta do problema.
(2) Se satisfaz a equação de autovalor e autovetor, então seu múltiplo também é uma resposta ao problema para qualquer
Enfim, a solução geral do problema de autovalor e autovetor é bastante simples. A saber:
Onde:
Como não pode ser considerado uma solução do problema, é necessário que:
A equação acima é um polinômio de grau n. Portanto, para qualquer operador há n quantidades escalares distintas ou não tais que a equação de autovetor e autovalor é satisfeita.
Os autovetores correspondentes aos autovalores de um operador  podem ser obtidos facilmente substituindo os autovalores um a um na [eq.03].
O significado físico dos operadores, seus autovetores e autovalores
Para compreender o significado físico de toda essa representação matemática abstrata, considere o exemplo do operador de Spin na direção z:
Na mecânica quântica, cada partícula tem associada a si uma quantidade sem análogo clássico chamada spin ou momento angular intrínseco. O spin de uma partícula é representado como um vetor com projeções nos eixos x, y e z. A cada projeção do vetor spin : corresponde um operador:
O operador é geralmente representado da seguinte forma:
É possível resolver o problema de autovetor e autovalor para o operador Nesse caso obtém-se:
ou seja
Portanto, os autovalores são e
A mecânica quântica teve suas bases estabelecidas essencialmente pelas seguintes revelações científicas: em 1838, Michael Faraday descobriu os raios catódicos; em 1859, Gustav Kirchhoff enunciou o problema da radiação de corpo negro; em 1877, Ludwig Boltzmann sugeriu que os estados de energia de um sistema físico poderiam ser discretos e, finalmente em 1900, Max Planck formulou a hipótese que toda a energia é irradiada e absorvida na forma de elementos discretos chamados quanta. Segundo a teoria, cada um desses quanta tem energia proporcional à frequência ν da radiação eletromagnética emitida ou absorvida.
A ideia de descrever um fenômeno de radiação eletromagnética pela quantização da energia era extremamente revolucionária para a época; pois, em 1803, Thomas Young já havia comprovado o comportamento ondulatório da luz através do experiência de dupla fenda. Segundo Max Planck, essa teoria é apenas um aspecto teórico dos processos de absorção e emissão de radiação e não tinha nada a ver com a realidade física da radiação em si.[7] Nas palavras do próprio cientista: “em um ato de desespero, pois uma interpretação teórica (para a radiação de corpo negro) deveria ser encontrada … eu estava pronto para sacrificar todas as minhas convicções previas sobre física…”.
No entanto, isso parecia não explicar o efeito fotoelétrico (1839), no qual a incidência de luz em certos materiais pode ejetar elétrons do mesmo. Em 1905, baseando seu trabalho na hipótese quântica de Planck, Albert Einstein postulou que a própria luz é formada por quanta individuais,[8] o que em 1926 ficou conhecido como fóton. Em 1921, Einstein recebeu o Prêmio Nobel pelo efeito fotoelétrico.[9]
Louis de Broglie levou mais a fundo a ideia corpuscular e ondulatória da luz e por analogia, postulou que partículas também possuiriam um comprimento de onda, uma onda de matéria. O físico francês relacionou o comprimento de onda (λ) com a quantidade de movimento (p) da partícula, mediante a fórmula:
onde h é a Constante de Planck. De Broglie também postulou que se elétrons fossem propriamente submetidos ao experimento de dupla fenda, também apresentariam um padrão de interferência. Em 1927, O experimento de Davisson–Germer confirmou as previsões de de Broglie, estabelecendo a dualidade onda-partícula da matéria. Em 1929, de Broglie recebeu o Prêmio Nobel pela descoberta da natureza ondulatória do elétron.[10]
Em meados da década de 1920, a evolução da mecânica quântica rapidamente fez com que ela se tornasse a formulação padrão para a física atômica. No verão de 1925, Bohr e Heisenberg publicaram resultados que fechavam a "antiga teoria quântica". Da simples postulação de Einstein nasceu uma enxurrada de debates, teorias e testes e, então, a todo o campo da física quântica, levando à sua maior aceitação na quinta Conferência de Solvay em 1927.