Top Qs
Linha do tempo
Chat
Contexto

Edito de Nantes

Da Wikipédia, a enciclopédia livre

Edito de Nantes
Remove ads

O Edito de Nantes foi um documento histórico assinado em Nantes a 13 de abril de 1598 pelo rei da França Henrique IV. O edito concedia aos huguenotes a garantia de tolerância religiosa após 36 anos de perseguição e massacres por todo o país, com destaque para o Massacre da noite de São Bartolomeu de 1572.

Thumb
Original do Edito de Nantes.

Com este edito ficava estipulado que a confissão católica permanecia a religião oficial do Estado mas era agora oferecida aos calvinistas franceses a liberdade de praticarem o seu próprio culto. Nos séculos XVI e XVII o edito ficou conhecido como "edito de pacificação".[1]

Remove ads

Conteúdo

Resumir
Perspectiva

O decreto autorizava a liberdade de culto, com certos limites, aos protestantes calvinistas.[2] A promulgação deste edito colocou fim às guerras religiosas na França que assolaram o país durante o século XVI. Henrique IV, também protestante, tinha-se convertido ao catolicismo para poder subir ao trono. O primeiro artigo do edito é um artigo de amnistia que coloca fim à guerra civil:

Que a memória de todos os acontecimentos ocorridos entre uns e outros depois do começo do mês de março de 1585 e durante as convulsões precedentes dos mesmos, até ao nosso advento à coroa, fiquem dissipados e assumidos como coisa não sucedida. Não será possível nem será permitido aos nossos procuradores-gerais, nem a nenhuma outra pessoa pública ou privada, em nenhuma altura, nem lugar, nem ocasião, qualquer que seja, fazer menção de tal, nem processar ou perseguir ninguém em nenhum tribunal ou jurisdição.

Debate historiográfico

Thumb
O rei Henrique IV da França.

O Edito de Nantes foi um marco das relações entre o Estado, a Monarquia e a Igreja do Antigo Regime, transformando a vida política e social dos franceses. Embora o decreto não tenha igualado juridicamente católicos e protestantes nem separado a religião do Estado, ele possibilitou o convívio entre diferentes manifestações da fé dentro de um mesmo território.[3]

Um dos principais autores é o historiador alemão Reinhart Koselleck. Em sua obra Crítica e crise, ele interpreta que o Edito de Nantes despolitiza a consciência privada, isto é, separa o indivíduo político de sua vida particular, a qual inclui a religião. Nesse momento da história, a fé passa a ser, portanto, uma questão de opinião, incentivando a racionalidade que, futuramente, será a base do Iluminismo. Nesse sentido, o Absolutismo, involuntariamente, favoreceu a individualização da fé, abrindo espaço para o pensamento iluminista.[4]

Para a filósofa brasileira Maria Cristina Constança Pissarra, a liberdade religiosa não era uma política de Estado, e sim uma concessão provisória do poder. Isso pode ser identificado pelo fato do Edito de Nantes restringir os espaços nos quais os protestantes poderiam manifestar a sua fé. Além disso, o decreto foi uma concessão do rei Henrique IV da França, mas não de Luís XIV, que o revogaria em 1685.[5]

Há também autores, como o historiador francês Jean-Frédéric Schaub, que alertam que a ideia de um Estado moderno secular é enganosa, pois desconsidera as continuidades entre o poder político e as tradições religiosas do Antigo Regime. Nessa situação, a liberdade de culto só era permitida se não representasse uma ameaça ao poder do monarca.[6]

Já Olivier Christin enxerga o Edito de Nantes como resultado de arranjos jurídicos e administrativos que visavam conter os conflitos religiosos e, por isso, formou-se uma esfera de ação política parcialmente separada da religião, antecipando, gradualmente, a possibilidade da fé se tornar também uma questão particular dos sujeitos, e não uma dimensão pública da vida.[7]

Remove ads

Revogação do Edito

Resumir
Perspectiva
Thumb
O rei Luís XIV.

Em 23 de outubro de 1685, o rei Luís XIV da França revogaria o Edito de Nantes com o Edito de Fontainebleau - contrariando a vontade do Papa Inocêncio XI e da Cúria Romana. Os huguenotes voltariam a ser perseguidos e muitos deles fugiriam para o estrangeiro: para a Prússia, para os Estados Unidos e África do Sul. A migração dos huguenotes causou problemas econômicos ao país.[8]

O historiador francês Claude-Carloman de Rulhière assim narrou os episódios que se seguiram à revogação do Edito de Nantes, em especial os tratamentos dos padres e dos juízes aos hereges:

Essa foi a ocasião da lei terrível: aqueles que, quando doentes, recusarem o sacramento serão, depois de suas mortes, arrastados pela lama e terão seus bens confiscados. Caso se recuperem, receberão a pena para se redimirem, os homens condenados para sempre às galés, as mulheres à prisão, ambos tendo seus bens confiscados. Mas na maioria de nossas cidades tivemos muitas vezes o horrendo espetáculo de cadáveres arrastados pela lama e também, com frequência, vimos enraivecidos sacerdotes, viático na mão, escoltados por um juiz e seus meirinhos e assistentes, indo às casas de moribundos, e logo depois o populacho fanático divertindo-se com a execução da lei em todo o seu horror. (...) Eu diria que podia ser visto, ao lado do leito dos doentes, um padre cercado por meirinhos e seus assistentes, dispensando com a mais solene pompa os sacramentos sagrados, o mais terrível dos mistérios, instando um homem moribundo a cometer o sacrilégio e zombando dele para a multidão atraída pela curiosidade, alguns tremendo com a profanação, outros se divertindo muito com a visão do herege humilhado, reduzido a uma escandalosa hipocrisia para manter seu capital inteiro para sua família e alguns adornos sem valor para sua sepultura.[9]
Remove ads

Ver também

Referências

  1. Introdução à publicação online do edito de Nantes pela Universidade Sorbonne Ecole des Chartes - elec.enc.sorbonne.fr: les chartes, ELEC, Édits de pacification, Présentation générale. Consulta em 18/06/2011
  2. Acreditou-se durante muito tempo que o edito de Nantes não tinha sido selado com lacre verde, utilizado para os éditos perpétuos, mas com lacre moreno, usado para os editos temporais. Tal se deveu aos historiadores do século XIX que o viram de cor amarelada e no século XXI já está de cor acastanhada-escura. Análises químicas recentes mostram que a cera usada contém pigmentos verdes, o que descarta a hipótese do cálculo político. Veja-se o artigo de Bernard Barbiche no n.º 17 de Collections de l’Histoire, 2002.
  3. Birnstiel, Eckart. "La conversion des protestants sous le régime de l'Édit de Nantes (1598-1685)." Religions, pouvoir et violence, edited by Patrick Cabanel and Michel Bertrand. Toulouse: Presses Universitaires du Midi, 2004, 93-113.
  4. KOSELLECK, Reinhart (2020). Kritik und Krise: Eine Studie zur Pathogenese der bürgerlichen Welt. Rio de Janeiro: Contraponto. ISBN 978-6556530222
  5. Pissarra, Maria (2015). «Tolerância e poder político». Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão. Revista Interdisciplinar em Cultura e Sociedade. 1 (1): 125-144
  6. SCHAUB, Jean-Frédéric. La notion d’État moderne est-elle utile? Remarques sur les blocages de la démarche comparatiste en histoire. Cahiers du monde russe, 2005, 46.1-2: 51-64
  7. Christin, Olivier (2014). «O desfecho das guerras de religião: a autonomização da razão política na metade do século XVI». Revista Brasileira de Ciência Política (14): 139-165. Consultado em 2 de junho de 2025
  8. História do Mundo - Civilização Francesa: História da Civilização Francesa. Acessado em 27/07/2012.
  9. Rulhière, Claude-Carloman de. Eclaircissements. [S.l.: s.n.] pp. Vol. I, pp. 351–355; Vol. II, p. 177.
Remove ads
Loading related searches...

Wikiwand - on

Seamless Wikipedia browsing. On steroids.

Remove ads