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Shunga
arte erótica japonesa Da Wikipédia, a enciclopédia livre
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O shunga (春画; lit. "imagens de primavera") é um movimento artístico japonês que tem como tema principal a representação do sexo. Está vinculado, principalmente, à produção gráfica conhecida como "estampas do mundo flutuante", ou xilogravura ukiyo-e, do período Edo (1603-1867), a partir de imagens de álbuns ou de ilustrações de textos da literatura popular de então, bem como à produção pictórica da época. Apesar de sua produção ter sido marcada por regulamentações e proibições por parte do governo, a realização desse tipo de obra continuou praticamente até o fim da era Meiji, com a proibição de material "obsceno" no Código Penal do Japão de 1907.



O vocábulo japonês (de origem chinesa) shunga significa "Imagens eróticas", já que "primavera" é uma metáfora comum para o ato sexual. As cenas descreviam relações sexuais de todo tipo, incorporando os mais variados atores da sociedade japonesa de então, como membros da classe mercante, samurais, monges budistas e até mesmo seres fantásticos e mitológicos.
A grande maioria dos ilustradores de ukiyo-e produziu esse tipo de imagem devido, entre outras razões, ao fato de que tanto artistas quanto editores obtinham boas somas de dinheiro com a venda do material, mesmo quando vigorava alguma proibição. Por isso, existe uma grande quantidade de imagens feitas por ilustradores de renome. Por outro lado, as próprias proibições levavam seus criadores a não assinar os trabalhos, mas, para que o público soubesse quem era o autor, desenvolveram uma série de artimanhas, como inserir nas imagens apelidos ou sinais quase imperceptíveis, facilmente identificáveis para a audiência da época.
Após a abertura do Japão ao Ocidente, em meados do século XIX, a arte japonesa contribuiu para o desenvolvimento do movimento conhecido como japonismo. Diversos artistas europeus colecionaram shunga, entre eles Aubrey Beardsley, Edgar Degas, Henri de Toulouse-Lautrec, Gustav Klimt, Auguste Rodin, Vincent van Gogh e Pablo Picasso, que possuía uma coleção de 61 estampas de artistas japoneses renomados, as quais lhe serviram de inspiração nos últimos anos de sua vida.
O shunga também serviu de inspiração para as imagens do hentai, igualmente sexualmente explícito.
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Terminologia
Essa manifestação visual é mais conhecida atualmente pelo termo shunga (春画; lit. imagens de primavera),[2] onde "primavera" é um eufemismo para se referir às relações sexuais.[3] O termo provém do chinês chungonghua 春宫画, que significa "pinturas do palácio primaveril".[4]
Ao longo de sua história aplicaram-se vários termos para definir esse tipo de produção, como makura-e (枕絵; lit. "estampas de cabeceira"[2]), warai-e (笑い絵; lit. "estampas de riso"[2]), osokuzu-no-e (偃息図の絵; lit. "imagens de pessoas deitadas e descansando"[5]), enga (艶画; "imagens galantes"[6]), wajirushi (わ印; "estampa japonesa"[6]) e higa (秘画; lit. "imagens secretas"[7]).
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Tipologias
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As tipologias mais comuns de shunga que se produziram são três:
- Os shunga emaki (春画絵巻) eram rolos em formato horizontal,[8] muito populares entre sacerdotes, a aristocracia e a classe samurai.[9] Ao longo do período Edo tiveram de competir com a popularidade e a rentabilidade de outras tipologias, como os álbuns e os livros ilustrados.[10] É importante destacar que essas pinturas circulavam em círculos mais restritos devido ao custo e à disponibilidade, por causa do enorme trabalho e tempo empregados na sua produção.
- Os soroimono (揃物) e kumimono (組物) eram álbuns ilustrados impressos pela mesma técnica xilográfica que o restante das estampas ukiyo-e, de modo que sua produção começou a partir do período Edo. Como a superfície dedicada à imagem era maior do que a dos livros, e não se dobravam, permitiam um nível técnico muito mais apurado, o que, por sua vez, também elevava o custo. Quase sempre continham doze imagens,[11] e, enquanto os kumimono traziam uma cena introdutória para o restante das estampas, os soroimono tinham um título comum que era impresso em todas as gravuras.[12]
- Os enpon (艶本) ou shunpon (春本) eram livros eróticos e, dentre os três tipos, os mais populares. Produzidos ao longo do período Edo e até o início da era Taishō, muitos eram impressos em preto e branco, enquanto outros recebiam versões coloridas, acompanhando o mesmo desenvolvimento técnico que experimentou a história do ukiyo-e. Quase sempre combinavam uma seção de imagens no início com uma seção de texto depois, que em geral era uma história erótica de algum dos escritores populares do momento ou, em certas ocasiões, do próprio ilustrador.
Ao contrário da xilogravura ukiyo-e comum, o shunga não costumava ser produzido em folhas soltas.[13] Apenas alguns surimono podem ser encontrados assim, mas em raras ocasiões. As folhas soltas hoje conhecidas como shunga, presentes em muitas coleções e vendidas em lojas ou galerias de arte especializadas, pertenciam originalmente a algum álbum desmontado, cujas imagens foram separadas.[14]
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História
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Perspectiva
Antecedentes
Primeiras obras eróticas
Durante a pré-história do Japão, a religião nativa — hoje conhecida como xintoísmo — era marcada pela liberdade sexual, já que suas crenças se baseavam na fertilidade, tanto do ser humano quanto da Terra.[15] Por exemplo, segundo o mito da criação do Japão relatado no Kojiki e no Nihonshoki, os deuses Izanagi e Izanami criaram oito grandes ilhas ao praticarem o coito.[16] Assim, o sexo não tinha uma conotação vergonhosa, pecaminosa nem era um tabu,[15] diferentemente da concepção ocidental.[17] Desse modo, eram comuns nas expressões artísticas as representações fálicas e imagens sobre fertilidade.[14] Até hoje, ainda se conservam no Japão algumas festividades relacionadas a esse antigo culto.[18]
Durante o século VI o budismo chegou ao Japão através da China, marcando o fim do período Kofun.[19] Essa nova religião se estabeleceu no país, e seus seguidores fundaram diversos templos. Algumas fontes indicam que as primeiras formas de shunga surgiram justamente nesses templos, na forma de grafites feitos por monges nas bases de estátuas do século VII.[14][9] Um desses grafites foi encontrado em uma estátua no templo Horyu-ji, na qual se observa a figura de uma mulher na parte superior e um falo abaixo dela.[14]
Nos períodos Nara (712–793) e Heian (794–1186) surgiu um tipo de desenho conhecido como osukuzu-no-e, voltado a explicações médicas,[20] embora com tendência a exagerar as proporções dos genitais, com a intenção de manter o interesse visual (midokoro).[21] No final do período Heian, um dos principais expoentes da arte japonesa foi Toba Sōjō, monge budista da vertente shingon. É-lhe geralmente atribuído um dos rolos mais antigos preservados, chamado Yōbutsu kurabe, no qual se observa uma competição entre cortesãos pelo tamanho de seus pênis, deformados e exagerados de forma cômica.[20] Por outro lado, a partir do século XII começaram a ser produzidos os shunga emaki, provavelmente estabelecendo-se como forma de arte entre sacerdotes, aristocratas e samurais.[9]
Durante o período Muromachi (1392–1573), seguindo a tradição dos doze karmas e dos doze animais do calendário chinês, os livros eram compostos de doze estampas ou de um múltiplo desse número — vinte e quatro, trinta e seis, quarenta e oito —, tradição que mais tarde seria retomada pelos artistas dedicados ao shunga.[20]
Surgimento dos chōnin e do ukiyo-e
O Japão passou por um período de constantes guerras entre os anos de 1467 e 1568, fase da história do Japão conhecida como período Sengoku (戦国時代, "período dos Estados em Guerra"). As disputas de poder entre os diversos daimyō, ou senhores feudais, terminaram após a unificação do país por três personalidades importantes, conhecidos como os "três grandes unificadores do Japão": Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu.[22] Ieyasu, vitorioso na decisiva Batalha de Sekigahara do ano de 1600, estabeleceu então o Xogunato Tokugawa, um governo feudal que perduraria por mais de 250 anos.[23] Uma das primeiras medidas que tomou foi transferir a capital de Quioto para Edo (atual Tóquio), ordenando a seus vassalos que se mudassem para a cidade, o que levou à construção de templos, palácios, santuários e mansões.[24] Em 1635, um descendente de Ieyasu, Iemitsu, instaurou um sistema chamado sankin kōtai ou "presença alternada", destinado a prevenir possíveis traições ao xogunato.[25] De acordo com esse sistema, os daimyō eram obrigados a permanecer um ano em uma mansão (yashiki) em Edo e outro ano em seus respectivos domínios, enquanto suas famílias permaneciam na capital.[26] Esse constante vai e vem de pessoas deu origem a uma nova classe social, chamada chonin, formada principalmente por comerciantes e artesãos. Os chōnin, que em teoria constituíam a classe social mais baixa, cresceram rapidamente e chegaram a superar em número os samurais e agricultores, estabelecendo-se na periferia da cidade-castelo de Edo.[24] Alguns chōnin tornaram-se bastante prósperos, e sua riqueza lhes permitiu criar sua própria cultura, chamada chōnin bunka.[27] Foi então que em Edo, assim como em outras cidades (como Quioto, Osaka e Sakai), surgiu um estilo de vida que seria posteriormente conhecido como ukiyo, "o mundo flutuante", com sua própria literatura e formas artísticas características.[28] Foi o romancista Asai Ryōi quem em 1661 definiu o movimento em seu livro Ukiyo-monogatari: "vivendo apenas para o momento, apreciando a lua, a neve, as flores de cerejeira e as folhas de bordo, cantando canções, bebendo saquê e divertindo-se simplesmente flutuando, indiferente à perspectiva de pobreza iminente, otimista e despreocupado, como uma cabaça arrastada pela corrente do rio".[29]
Durante esse período surgiu o ukiyo-e (浮世絵; lit. "pinturas do mundo flutuante"), uma técnica de gravura japonesa realizada a partir de matrizes de madeira. Essa técnica foi introduzida no Japão no século VIII, procedente da China, tendo como finalidade principal a ilustração de textos budistas e, a partir do século XVII, a ilustração de poemas e romances.[30] Com a nova cultura chōnin, movimentos como a literatura ukiyo e as gravuras começaram a refletir o que ocorria nos distritos de prazer (sendo o mais importante Yoshiwara,[31] em Edo), no kabuki, nos festivais e nas viagens. Estas últimas deram origem a guias turísticos que descreviam os principais atrativos tanto das cidades quanto do campo.[28]
Shunga no período Edo
Shunga por Hishikawa Moronobu, início da década de 1680.
Shunga por Nishikawa Sukenobu, 1711.
Shunga por Kitagawa Utamaro, 1799.
Shunga por Keisai Eisen, c. 1825.
O primeiro shunga datado é de 1660 e trata-se de um enpon (livro impresso)[9] intitulado Yoshiwara makura. O livro, criado por um artista anônimo, combina um manual de sexo com uma crítica às cortesãs de Yoshiwara. Como manual, ilustrava as quarenta e oito "posições padrão", enquanto a crítica oferecia um resumo das cortesãs, suas características, onde poderiam ser encontradas e seus preços.[32]
Por volta de 1670 surgiu o primeiro dos grandes mestres do ukiyo-e: Hishikawa Moronobu,[28] que, além de reproduzir gravuras de folha única representando flores, pássaros e figuras femininas (bijin-ga (美人画)), realizou gravuras do tipo shunga.[33] Durante as décadas de 1670 e 1680 ocorreu o primeiro grande surto do shunga, liderado pelas obras de Moronobu e Sugimura Jihei em Edo, e Yoshida Hanbei em Kamigata (a região de Quioto e Osaka).[21] As obras de Moronobu são representativas dessa fase, com álbuns compostos de doze estampas que geralmente retratavam cortesãs, donzelas e funcionárias — personalidades às quais a maior parte da população não tinha acesso, por falta de recursos financeiros.[34]
Uma nova onda criativa ocorreu entre 1711 e 1722, liderada por Nishikawa Sukenobu, artista de Quioto cujo sobrenome se tornou sinônimo de estampa erótica com o termo Nishikawa-e (西川絵; "estampas de Nishikawa"). Nishikawa foi afetado pelas primeiras tentativas de regulamentar a publicação e venda de shunga: em 1722, um machibure (regulamento do magistrado de Edo)[34] e parte das Reformas Kyōhō, proibiu os livros eróticos (kōshokubon (好色本)), embora não as estampas.[21]
A produção de shunga cessou quase completamente por cerca de dez anos, embora nos anos 1740 Okumura Masanobu estivesse ativo em Edo. A maioria de seus trabalhos não era datada, possivelmente para contornar as restrições.[21] As obras de Masanobu retomam a tradição de inserir grandes quantidades de texto junto às imagens.[34] Nos anos 1750 e 1760 poucos novos trabalhos foram realizados, mas a produção ressurgiu após a introdução, em 1765, de novas técnicas de xilogravura que permitiam a impressão colorida (conhecida como nishiki-e (錦絵, "estampa brocada")). Estima-se que entre 1766 e 1790 tenham sido criados cerca de 120 títulos.[21]
Em 1790 estabeleceram-se novas regras para a produção de material erótico como parte das Reformas Kansei.[21] Essas reformas incluíram a regulamentação da prostituição, bem como a separação de homens e mulheres em contextos que pudessem estimular a libido. Por exemplo, todas as pessoas com mais de seis anos eram obrigadas a entrar em banhos públicos separados por sexo, sendo antes disso comum que homens e mulheres compartilhassem o mesmo espaço. Essa regulação fez com que cenas eróticas em banhos públicos se tornassem frequentes no shunga.[35] As reformas também proibiam a publicação de temas "não ortodoxos", de obras assinadas sob pseudônimos, ou escritas em kana, além de exigir que um representante do grêmio revisasse e registrasse as publicações ainda em rascunho.[36] Praticamente de 1790 a 1820 cessou a produção desse tipo de material, com exceção dos trabalhos de Kitagawa Utamaro, ativo entre 1798 e 1803, e Katsushika Hokusai, ativo na década de 1810.[21]
Por volta de 1820 ocorreu o terceiro e último auge do shunga, liderado por artistas como Utagawa Toyokuni e Keisai Eisen, mas esse movimento terminou com a repressão de 1841, parte das Reformas Tenpō,[21] que determinavam que cada publicação deveria ser aprovada pelo nanushi, ou chefe da aldeia,[37] proibindo ainda imagens de geishas, cortesãs e atores de kabuki.[38]
Era Meiji
Um soldado do Exército Imperial Japonês mantém relações com uma russa enquanto outro soldado da mesma nacionalidade observa do chão, em alusão à Guerra Russo-Japonesa. Shunga de 1905.
Em julho de 1853 o comodoro Matthew Perry chegou à Baía de Edo com uma frota de navios, chamados pelos japoneses de "Barcos Negros" (黒船, kurofune), e deu o prazo de um ano ao Japão para que rompesse seu isolamento, sob a ameaça de que, caso recusassem, Edo seria bombardeada pelos sofisticados canhões Paixhans de suas embarcações.[39][40] Apesar de os japoneses começarem a se fortificar ante o retorno dos estadunidenses, quando a frota de Perry regressou em 1854, foi recebida sem resistência pelo oficial do xogunato, Abe Masahiro, que decidiu unilateralmente aceitar as demandas de Perry e permitir a abertura de vários portos e a chegada de um embaixador norte-americano ao Japão, com a assinatura da Convenção de Kanagawa em março de 1854, encerrando formalmente a política de sakoku que vigorara no Japão por mais de dois séculos. Passou-se então a permitir o comércio com as potências estrangeiras e firmaram-se uma série de tratados, conhecidos como "Tratados desiguais" (Tratado de amizade anglo-japonês, Tratado Harris, Tratado de amizade e comércio anglo-japonês), sem o consentimento da casa imperial, o que provocou forte sentimento anti-Tokugawa.[41] Os conflitos internos resultaram no derrube do último shōgun Tokugawa, Yoshinobu, na abolição da figura do xogunato e na ascensão do Imperador Meiji como autoridade política e militar máxima do país.
Nos primeiros anos do novo governo Meiji, o país adotou a moral vitoriana,[9][42] e estabeleceu-se uma proibição explícita do shunga (shunga no kinshi)[43] e do "obsceno nishiki-e" na Prefeitura de Tóquio em 1869. No entanto, o shunga continuou a ser produzido, assimilando algumas mudanças estéticas da época, marcadas pelos processos de importação de padrões e técnicas ocidentais. Tematicamente, também se observa a incorporação de novos elementos representativos da nova sociedade. A partir desse período, por exemplo, são frequentes as cenas de homens uniformizados ao estilo ocidental e com barba mantendo relações com enfermeiras. Yoshida Teruji afirma que durante esse período o consumo de gravuras baratas aumentou, pois eram vistas como espécie de amuleto de boa sorte, especialmente entre as geishas.[21]
O shunga do período Meiji teve duas grandes ondas de popularidade: entre 1894-1895 e 1904-1905, coincidindo com as guerras Sino-Japonesa e Russo-Japonesa. Durante esses conflitos, soldados japoneses levavam álbuns de shunga para as frentes de batalha em seus pertences, sendo conhecidos como kachi-e, o mesmo termo usado para as supostas gravuras que os samurais portavam em seus capacetes.[21]
O Código Penal do Japão de 1907, em seu artigo 175, estabeleceu penas de prisão contra a obscenidade,[44] estipulando:
Citação: Artigo 175. (Distribuição de objetos obscenos)
"Qualquer pessoa considerada culpada de distribuir, vender ou exibir em público um documento obsceno, imagens ou outros objetos, será punida com até dois anos de trabalho em prisão, multa de até 2 500 000 ienes [...] O mesmo se aplicará a quem possuir tais objetos com fins de venda".[45]
Segundo alguns relatos, três delegacias de polícia em Tóquio confiscaram 143 000 gravuras e 5680 álbuns naquele ano. Essa restrição praticamente marcou o fim da produção do shunga, mas ao mesmo tempo levou ao surgimento de um mercado negro.[46] Por outro lado, os avanços tecnológicos no Ocidente impulsionaram a indústria da pornografia por meio da fotografia e do vídeo, com os quais o shunga não podia competir.[21]
Situação atual e legado

Após a abertura do Japão ao Ocidente durante a Restauração Meiji, a arte japonesa chegou à Europa. A visão artística do Extremo Oriente era totalmente nova e rompia com as convenções pictóricas da época. Desse modo surgiu o japonismo. Artistas como James McNeill Whistler, Édouard Manet, Monet, Van Gogh, Henri de Toulouse-Lautrec ou Paul Gauguin foram influenciados por mestres japoneses,[47] entre os principais Hokusai, Hiroshige e Utamaro.[48]
Obras de tipo shunga foram colecionadas por artistas ocidentais como Aubrey Beardsley, Edgar Degas, Henri de Toulouse-Lautrec, Gustav Klimt, Auguste Rodin e Pablo Picasso. Especificamente este último chegou a possuir uma coleção de 61 estampas de artistas como Nishikawa Sukenobu, Isoda Koryūsai, Torii Kiyonaga, Katsukawa Shunchō, Kitagawa Utamaro ou Kikukawa Eizan.[47] Durante seus últimos anos de vida, Picasso representou cenas sexuais com plena liberdade,[47] encontrando em sua coleção de shunga uma fonte de inspiração.[49][50]
Por outro lado, o shunga (assim como o ukiyo-e) serviu de inspiração para imagens contemporâneas conhecidas no Ocidente como hentai, e formalmente no Japão como jū hachi kin (apenas para adultos), anime e mangá. Tal como o shunga, o hentai é sexualmente explícito em sua descrição.[51]
Atualmente permanece a restrição contra material obsceno, mas a concepção do shunga tem se transformado na última década, de modo que esse tipo de obra é tolerado ao ser classificado como erótico graças à publicação de estudos sobre o tema no Japão e no Ocidente sem qualquer censura. No Ocidente, a publicação de estudos relativos ao shunga começou em 1975 com o livro Shunga, The Art of Love in Japan, de Tom e Mary Evans, seguido por Art of the Japanese Book, de Jack Hillier, em 1987.[52] Apesar disso, as exposições públicas desse tipo de obra no Japão continuam reprimidas,[53] de modo que até hoje nenhuma foi realizada.[54]
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Produção
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A xilogravura shunga foi produzida entre os séculos XVII e XIX por ilustradores do ukiyo-e, já que eram vendidas mais facilmente e a um preço maior do que os trabalhos comuns. As impressões shunga eram produzidas e vendidas em forma de álbuns ou — mais frequentemente — como livros, chamados enpon. Também se produziam shunga em formato de rolos de pergaminho, chamados emaki. Esse formato era igualmente popular, embora mais caro que os livros ou álbuns impressos.[10]
A qualidade artística do shunga variava, e a grande maioria dos pintores de ukiyo-e realizava esse tipo de trabalho. Artistas experientes se dedicaram à produção do shunga, o que resultou em obras elaboradas por mestres renomados. Os artistas do ukiyo-e deviam sua estabilidade à produção desse gênero, a ponto de que muitas vezes era seu principal sustento. Os grandes editores mantinham sua solvência por meio da venda dessas obras.[56]
Sobretudo a partir do final do século XVIII, a maioria dos shunga foi produzida na cidade de Edo. Quioto foi também um importante centro produtor durante o século XVIII, especialmente com a figura de Nishikawa Sukenobu (西川祐信), cujo sobrenome tornou-se sinônimo de estampa erótica através do termo Nishikawa-e (西川絵; «estampas de Nishikawa»). Raramente eram produzidos em Osaca, mas a coloração desses era mais rica e de tom mais mate em comparação aos de Edo. Esse efeito derivava do uso do gofun, um pó branco extraído da concha de amêijoas, misturado a pigmentos usados em impressões multicoloridas de Osaca e Quioto.[57]
Por conta das Reformas Kyōhō e dos controles sobre a produção de impressos que surgiram a partir de 1723, os artistas de shunga raramente assinavam seus trabalhos,[58] a fim de evitar perseguição governamental ou sanções corporativas. No entanto, os ilustradores ao longo do período Edo desenvolveram diversas artimanhas para que o público identificasse a autoria de suas imagens. Uma das mais comuns foi o uso de pseudônimos ou de sinais quase imperceptíveis em sua produção visual.[15]
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Conteúdo
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O Sonho da Mulher do Pescador (蛸と海女, Tako to ama; Os polvos e a ama), de Katsushika Hokusai. Ilustração do livro Kinoe no komatsu (喜能会之故真通) de 1814.[59]
Passatempos na primavera, encontro entre um homem adulto e um jovem ator vestido de mulher. (nanshoku); obra de Miyagawa Isshō, c. 1750; sumi, aquarela e gofun sobre seda e rolo de pergaminho.
Mulher se masturbando enquanto espia outro casal mantendo relações, de Katsushika Hokusai.
Mulheres mantendo relações por meio de um harikata (dildo), por Utagawa Kunisada.
Cena de estupro, por Utagawa Kuniyoshi.
Shunga de Utagawa Hiroshige, c. 1840.
As cenas descreviam relações sexuais de todos os tipos, incorporando os mais variados atores da sociedade japonesa da época. Personagens comuns eram os chōnin,[60] samurais, cortesãs e seus clientes, atores de kabuki, recém-casados, jovens amantes, assim como casais.[61] Outros personagens incluíam monges budistas que, apesar de teoricamente renunciarem ao sexo, apareciam disfarçados de médicos, pois estes também tinham que raspar a cabeça. Algumas obras parodiavam antigos contos chineses e japoneses, enquanto outras incluíam divindades, onis, animais e outras criaturas nos atos sexuais.[15]
A maioria das obras continha cenas explícitas com casais mantendo relações sexuais, representando principalmente o sexo heterossexual. Nessas representações, as mulheres não eram retratadas apenas como objetos passivos do desejo masculino, mas como participantes ativas, dotadas de vontade própria. Embora algumas cenas apresentassem posições de submissão, a tônica predominante era de equilíbrio: raramente se estabelecia um papel de domínio absoluto de um dos parceiros sobre o outro. As figuras femininas apareciam engajadas na ação, evitando estereótipos de completa passividade ou de dominação exagerada. Poses mais típicas da erótica ocidental, como a da mulher reclinada com as mãos atrás da cabeça, só surgiriam posteriormente, a partir do contato com modelos europeus. Mesmo quando os seios eram expostos, raramente eram foco sexual, mantendo papel secundário na prática sexual e fantasias eróticas pelo menos até a Segunda Guerra Sino-Japonesa e do Pacífico. Antes do século XX, os seios eram vistos como símbolo de maternidade, não sexual.[62]
Outras representações, menos frequentes, mostram relações homossexuais, entre homens ou mulheres. Relações entre homens têm antecedente no wakashudō (若衆道; "caminho do jovem"), com a parte ativa sendo mais velha e a passiva mais jovem, baseadas em obrigações e lealdade.[63] Durante o período Edo, essa tradição diminuiu, surgindo prostitutos vestidos de mulheres. Ihara Saikaku afirmou: "No passado, o 'caminho do jovem' significava algo forte[...] os garotos de hoje são apenas afeminados planos" (yowa-yowa).[64] No shunga, a feminilidade dos prostitutos é exagerada, com genitais cobertos ou reduzidos, mostrando ser do sexo masculino.[65] Nesses casos, os protagonistas podem se beijar, masturbar-se ou praticar sexo anal, mas não há evidências de interesse masculino em sexo oral. Relações lésbicas mostram beijos, fricção genital, cunnilingus ou uso de harikata (dildo)[66] ou máscara masculina.[15] Estas cenas são valorizadas por colecionadores.[67]
Também existem trios (geralmente mulher, homem e menino) e cenas fantásticas com animais como polvos, gatos ou cães (em paródias), demônios e divindades,[15] assim como masturbação feminina como sinal de amante ausente.[67] O voyeurismo é frequente, geralmente para efeito cômico.[68]
Na maioria das obras, os personagens aparecem total ou parcialmente vestidos.[15] Durante o período Edo, banhos mistos eram comuns,[69] tornando a nudez feminina desnecessária e indesejável.[70] Genitais eram muitas vezes exagerados.[71]
As obras tinham níveis de composição: 1) imagem erótica, 2) posição na série, 3) texto acompanhante e 4) simbolismos escondidos. Por exemplo, ostras simbolizam órgãos femininos, cogumelos e o shakuhachi, uma flauta japonesa, os masculinos.[15]
| Kappa to ama (河童と海女; "Monstros aquáticos e a mulher mergulhadora"), de Kitagawa Utamaro. Nesta ilustração de 1788, uma mergulhadora (ama) observa sua companheira mantendo relações com dois monstros aquáticos (kappa). Uma cesta de bivalvos ao lado simboliza órgãos femininos.[72] | |
| Ilustração do livro de 1835 Hana goyomi (華古与見) por Utagawa Kuniyoshi. O texto na parte inferior esquerda diz:[73] 「コウお花さん、おらアおめへがひもじかろうと思つて、店から来た弁当を持つて来たぜ」 「そうかへ、実があるねへ、わちきやアそれよりか早く、なんしたいよ」 「フン、なんするたアこうやるのか」トうしろからづぶ/\。 — Ô, Ohana-san, achei que você devia estar com fome, então trouxe a marmita da loja. — Ah, que atencioso… Mas, mais do que comer, eu quero mesmo é fazer aquilo logo. — Hah, “fazer aquilo” é desse jeito, então? — disse, e, por trás, zubu (onomatopeia sexual). |
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Mitologia do shunga
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Embora um dos usos mais comuns do shunga durante o período Edo tenha sido a estimulação sexual, assim como o divertimento em geral, foram construídos muitos mitos desde o final desse período. Um dos mais conhecidos, extraído da famosa novela popular Kanadehon chūshingura (仮名手本忠臣蔵), narra que a esposa do daimyō e a do hatamoto frequentemente levavam consigo uma série de doze imagens warai-e fixadas junto aos seus móveis nupciais. Outro desses usos míticos aponta que, tanto para o daimyō quanto para o hatamoto, era costume colocar um pergaminho de shunga no baú do elmo quando encomendavam uma armadura. Aparentemente, nesses casos o shunga refletiria o desejo das pessoas por felicidade eterna. Diz-se também que os samurais carregavam obras de shunga escondidas no capacete durante a batalha, sendo essas imagens conhecidas como kachi-e, "imagens da vitória" (apesar de que o período Edo se caracterizou pela ausência de conflitos armados no país).[74] Além desses usos, também se aponta que o shunga servia de guia sexual para filhos e filhas das famílias, que protegeria os armazéns de incêndios ou que as cortesãs o levavam entre suas roupas como uma espécie de amuleto para não ficarem sem dinheiro.[21] De qualquer forma, aparentemente a popularidade do shunga foi a causa do surgimento desses mitos,[21] além de que muitas pessoas provavelmente começaram a acreditar nessas propriedades desse tipo de gravura baseada na repetição.[75]
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Controvérsias
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Embora o termo shunga não fosse o mais utilizado na época do surgimento desse gênero,[2] seu uso vem da segunda metade do século XIX,[76] sendo atualmente o termo mais conhecido para englobar imagens japonesas com sexo explícito. A origem dessa palavra também é motivo de controvérsia, pois enquanto algumas fontes consideram que deriva da palavra chinesa chungonghua,[4] outras fontes afirmam que sua origem possivelmente é uma comparação com a primavera, vista como uma época de fertilidade.[15] As origens do que hoje se conhece como shunga também não estão delimitadas e mudam conforme diferentes fontes. Por exemplo, algumas fontes consideram os grafites antigos do século VII como as primeiras amostras de shunga.[14] Timon Screech, por sua vez, considera que as obras anteriores a 1680 têm uma natureza distinta, e entrariam em outra categoria, pois eram obras com tom mais cômico ou paródico.[77]
A finalidade dessas obras também não é consensual entre especialistas, pois alguns afirmam que serviam para fornecer educação sexual,[71] melhorar a vida sexual dos indivíduos,[14] ou servir como guia para mulheres prestes a se casar. Quanto a essa última finalidade, Hachisuka Toshiko, neta de Tokugawa Yoshinobu, afirmou ter recebido, aos catorze anos, um rolo pintado com esse tipo de ilustração, além de ser instruída a estudá-lo detalhadamente para não decepcionar seu futuro marido.[21] Screech questiona, porém, a credibilidade e franqueza de uma idosa ao falar sobre esse tema, assegurando que o principal uso provavelmente era para masturbação do leitor.[78] Albert Michener afirma que os livros desse tipo estariam divididos em três categorias: na primeira estariam os livros "pseudo-respeitáveis", destinados à iniciação das noivas nos assuntos amorosos; na segunda, livros representando momentos sexuais semelhantes aos de outros países; e na terceira, livros com uma trama engenhosa que fornece um argumento para as imagens, cuja descrição seria difícil de entender para ocidentais.[79]
Finalmente, outro debate importante é se esse tipo de representação pode ser considerado arte ou se trata de pornografia. Outras fontes simplesmente consideram o shunga como uma forma de arte erótica.[80]
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Ver também
Notas
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