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Sodomia

sexualidade não direcionada à reprodução, especialmente sexo anal e oral Da Wikipédia, a enciclopédia livre

Sodomia
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Sodomia é uma palavra de origem a partir de uma passagem bíblica usada para designar atos considerados imorais praticados pelos moradores da cidade de Sodoma, tipicamente associada ao sexo anal, seja este praticado entre dois homens ou entre um homem e uma mulher ou, até mesmo, sexo oral[1] [2] [3] [4]. Nos escritos, o "erro de Sodoma" é descrito em Ezequiel 16:49-50, onde o texto hebraico menciona "avon Sedom" (עֲוֹן סְדוֹם), traduzido como "a iniquidade de Sodoma", que consiste em arrogância, fartura de pão entre alguns, ociosidade, falta de compaixão e auxílio aos pobres e necessitados [5]. Esses atos refletem depravação, negligência, ganância e desumanidade, enfatizando violações éticas relacionadas à moral, à justiça e à hospitalidade.

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Espanhóis e o genocídio dos "sodomitas". Gravura do período colonial das Américas.
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Origem

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A palavra sodomia tem origem no episódio da "Destruição de Sodoma", descrito na Bíblia, livro do Génesis, capítulo 19. Neste capitulo, é narrado que Deus enviou esses dois anjos disfarçados de homens humanos, para avaliarem a conduta de vida dos habitantes de Sodoma e Gomorra. Ainda no mesmo capítulo, é descrito que Deus agiu pelos habitantes de Sodoma, cujo «clamor [era] imenso, [agravando-se o seu pecado] extremamente.» (Gen, 18, 20). Em Gênesis 19, todo o capítulo revela que o pecado de Sodoma estava relacionado à depravação e ao abuso/violência sexual, pois a tentativa dos homens da cidade de estuprar os anjos disfarçados de hóspedes é o ponto central do relato, demonstrando uma clara transgressão contra a hospitalidade e o respeito ao estrangeiro por parte dos habitantes da cidade. Outros profetas, como Ezequiel 16:49-50, deixam claro que a destruição de Sodoma foi motivada pelas abominações cometidas pelos sodomitas. [6] Pelo contexto bíblico, entende-se que depravação sexual, arrogância, avareza e a falta de compaixão ao próximo, citando-se a soberba, a fartura de pão e a negligência com os pobres e necessitados, foram os motivos pelos quais Deus decidiu pela destruição da cidade. Na Antiguidade, a hospitalidade era um valor fundamental, especialmente nas culturas hebraica e mesopotâmica, onde acolher os estrangeiros e protegê-los era considerado uma obrigação moral e religiosa. Essa perspectiva se extende a outras culturas da região do mediterrâneo. Na Antiguidade, a hospitalidade era considerada um dever sagrado, com destaque em culturas como a grega, onde a violação desse princípio era vista como um grave delito. Na mitologia grega, como no caso de Filemon e Báucis, a hospitalidade também era central, tendo sua cidade destruída e ambos poupados por sua generosidade e justiça, com Zeus punindo aqueles que falhavam em acolher bem os estrangeiros, refletindo a importância de proteger e receber os hóspedes com respeito e generosidade.[7]

Recorte do Capítulo 19 de Gênesis descrevendo todo o contexto (Gênesis 19 1-17 NVI):[8]

¹ Os dois anjos chegaram a Sodoma ao anoitecer, e Ló estava sentado à porta da cidade. Quando os avistou, levantou-se e foi recebê-los. Prostrou-se, rosto em terra,² e disse: "Meus senhores, por favor, acompanhem-me à casa do seu servo. Lá poderão lavar os pés, passar a noite e, pela manhã, seguir caminho. Não, passaremos a noite na praça", responderam.³ Mas ele insistiu tanto com eles que, finalmente, o acompanharam e entraram em sua casa. Ló mandou preparar-lhes uma refeição e assar pão sem fermento, e eles comeram.⁴ Ainda não tinham ido deitar-se, quando todos os homens de toda parte da cidade de Sodoma, dos mais jovens aos mais velhos, cercaram a casa.⁵ Chamaram Ló e lhe disseram: "Onde estão os homens que vieram à sua casa esta noite? Traga-os para nós aqui fora para que tenhamos relações com eles".⁶ Ló saiu da casa, fechou a porta atrás de si⁷ e lhes disse: "Não, meus amigos! Não façam essa perversidade!⁸ Olhem, tenho duas filhas que ainda são virgens. Vou trazê-las para que vocês façam com elas o que bem entenderem. Mas não façam nada a estes homens, porque se acham debaixo da proteção do meu teto".⁹ "Saia da frente! ", gritaram. E disseram: "Este homem chegou aqui como estrangeiro, e agora quer ser o juiz! Faremos a você pior do que a eles". Então empurraram Ló com violência e avançaram para arrombar a porta.¹⁰ Nisso, os dois visitantes agarraram Ló, puxaram-no para dentro e fecharam a porta.¹¹ Depois feriram de cegueira os homens que estavam à porta da casa, dos mais jovens aos mais velhos, de maneira que não conseguiam encontrar a porta.¹² Os dois homens perguntaram a Ló: "Você tem mais alguém na cidade — genros, filhos ou filhas, ou qualquer outro parente? Tire-os daqui,¹³ porque estamos para destruir este lugar. As acusações feitas ao Senhor contra este povo são tantas que ele nos enviou para destruir a cidade".¹⁴ Então Ló foi falar com seus genros, os quais iam casar-se com suas filhas, e lhes disse: "Saiam imediatamente deste lugar, porque o Senhor está para destruir a cidade! " Mas eles pensaram que ele estava brincando.¹⁵ Ao raiar do dia, os anjos insistiam com Ló, dizendo: "Depressa! Leve daqui sua mulher e suas duas filhas, ou vocês também serão mortos quando a cidade for castigada".¹⁶ Tendo ele hesitado, os homens o agarraram pela mão, como também a mulher e as duas filhas, e os tiraram dali à força e os deixaram fora da cidade, porque o Senhor teve misericórdia deles.¹⁷ Assim que os tiraram da cidade, um deles disse a Ló: "Fuja por amor à vida! Não olhe para trás e não pare em lugar nenhum da planície! Fuja para as montanhas, ou você será morto![9]

De acordo com a narrativa, as duas cidades foram destruídas pelo Senhor que fez cair do céu uma «chuva de enxofre e de fogo» (Gen 19, 24), pouco depois do episódio descrito.

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Interpretações

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De forma geral, religiosos têm associado a destruição de Sodoma à sexualidade, com base no contexto claro de depravação, abuso sexual e violência no relato de Gênesis 19. Além disso, outros profetas oferecem uma visão mais abrangente: Ezequiel 16:49-50 aponta que Sodoma foi condenada por arrogância, fartura de pão e descaso com os pobres e necessitados, enquanto Isaías 1:10-17 critica a hipocrisia religiosa, associando os pecados de Sodoma à injustiça social e à falta de compaixão. Esses textos demonstram que a verdadeira condenação divina estava fundamentada em questões de imoralidade sexual, em egoísmo, opressão e violência.

Através de hermenêutica e estudiosos bíblicos é possível encontrar noções que o pecado de Sodoma seria claramente a homossexualidade. Os homens de Sodoma e Gomorra queriam realizar estupro homossexual coletivo em dois anjos (que estavam disfarçados de homens). Ao mesmo tempo, não é bíblico dizer que a homossexualidade foi a razão exclusiva pela qual Deus destruiu Sodoma e Gomorra. As cidades de Sodoma e Gomorra definitivamente não eram exclusivas em termos dos pecados em que participavam. Assim entende-se que outra clara motivação para a destruição das cidades seria a falta de hospitalidade/respeito para com estrangeiros (nesse caso, com os próprios anjos) [10]

Na Antiguidade, a hospitalidade era um valor sagrado, tendo por exemplo as culturas hebraica e a grega, onde receber bem o estrangeiro era visto como um dever moral e uma expressão de virtude. Na mitologia grega, por exemplo, Zeus era o patrono da hospitalidade, punindo aqueles que violavam essa obrigação, como na história de Filemon e Báucis. Da mesma forma, a narrativa de Sodoma reflete essa perspectiva, condenando a violação brutal dos deveres de acolhimento e respeito ao estrangeiro, destacando o desprezo pela hospitalidade como um pecado gravíssimo e contrário aos valores da época.

A história da tentativa de Lot de oferecer suas filhas aos agressores em Sodoma (Gênesis 19:8) reflete o contexto cultural da Antiguidade, onde a hospitalidade e a proteção ao hóspede eram prioritárias, muitas vezes acima até da própria família. Esse padrão de valores é encontrado em outras narrativas antigas, como nas leis do Código de Hamurabi, que protegiam viajantes e hóspedes, e nos relatos de hospitalidade na cultura mesopotâmica e hebraica. Essas tradições destacam o quanto a hospitalidade era central, mesmo quando implicava decisões moralmente complexas aos olhos modernos, reforçando a ênfase na proteção do estrangeiro como princípio sagrado.

Outra questão destacada é a de que "sodomia" seria uma referência a um "estupro coletivo".[11] O texto bíblico não fala da "relação consensual entre duas pessoas" e sim de uma tentativa de realizar uma violação colectiva, por "todos os homens da cidade" sobre os dois estrangeiros, visitantes de Lot: (...) cercaram a casa os homens da cidade, isto é, os homens de Sodoma, tanto os moços como os velhos, sim, todo o povo de todos os lados (...) e ...Meus irmãos, rogo-vos que não procedais tão perversamente... somente nada façais a estes homens, porquanto entraram debaixo da sombra do meu telhado. Eles, porém, disseram: Sai daí. Disseram mais: Esse indivíduo, como estrangeiro veio aqui habitar, e quer se arvorar em juiz! Agora te faremos mais mal a ti do que a eles. E arremessaram-se sobre o homem, isto é, sobre Lot, e aproximavam-se para arrombar a porta...

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História

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Nos séculos anteriores ao século XIX, não havia a categoria homossexual, que viria a surgir com o discurso médico. Até então, existia a figura do sodomita, que não era uma categoria identitária, mas alguém que cometia o ato da sodomia. Para compreender como e por que houve esta transição de concepção enquanto ato para identidade sexual, temos que percorrer o caminho da construção da categoria homossexualidade através da história.[12]

Na Inglaterra, durante o governo de Henrique VIII, a bestialidade foi considerada crime passível de pena de morte, permanecendo assim até 1861. Bestialidade era definida como qualquer ato contra a natureza (sodomia), fosse entre homens e mulheres, homens e animais ou homens e homens.[13] coloca que o ponto importante desta lei é o de que ela fala de atos e não de pessoas, ou seja, a sodomia não estava vinculada a um determinado tipo de pessoa, mas era vista como um comportamento possível a qualquer indivíduo.

Fazia-se a distinção entre dois tipos de sodomia, a sodomia própria, praticada homem com homem ou homem com mulher e a sodomia imprópria, praticada entre duas mulheres. Se fosse provada a culpa do denunciado, prendia-se somente os que houvessem cometido a sodomia própria.

A sodomia brasileira na primeira visita no Santo Ofício no Brasil, foi realizada pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, que não o relaxava o braço secular para se executar a pena capital, já que a Santa Igreja não poderia manchar seu nome com sangue. Apenas a sodomia própria era castigada com a prisão e sobre a sodomia imprópria, não foi escrita uma só linha que mencionasse algum tipo de pena a ela, dando-se a entender que tanto o Santo Ofício, como os teólogos, padres e o próprio autor dessa obra, que baseou esse título nas Constituições do Santo Pio V, ignoraram e fizeram vista grossa a sodomia cometida entre mulheres. Diferentemente do que ocorre nas Ordenações Filipinas, nas quais a punição para o crime de sodomia se estendia tanto aos homens quanto às mulheres que o cometessem entre si, mesmo sendo prevista na teoria, na prática isso não ocorria. Também nas Ordenações se previam a morte dos culpados, fato esse que não ocorria as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, em que apenas o culpado de sodomia própria era preso.

Tanto nas Ordenações Filipinas como nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, não há nenhuma explicação que indique de que maneira poderia se dar a sodomia, seja entre homens, seja entre mulheres ou até mesmo entre um homem e uma mulher. Outro fato bastante notório é que já naquela época (séculos XVI, XVII e XVIII), existia uma grande preocupação em condenar as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Exemplo disso, são as previsões que as Ordenações Filipinas e as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia fazem ao pecado da molície, caracterizando-o como masturbação entre homens ou entre mulheres. E se existia tamanha preocupação é porque com certeza havia também uma enorme incidência desses casos.

A sodomia feminina sempre foi tratada como um tema ambíguo e os inquisidores nunca conseguiam chegar a um consenso sobre como ela poderia ser praticada entre mulheres. Por isso, em 1640 as relações sexuais entre mulheres passaram a não mais pertencer à alçada inquisitorial.[14]

No século XVIII, havia dois tipos de corpos (homem e mulher) e três tipos de gênero (masculino, feminino e sodomita), uma vez que o sodomita experienciava seus desejos como resultado de educação ou socialização corrompida, não devido a uma condição do corpo.[15] Na sociedade burguesa emergente daquele século, o sodomita tinha importância, pois garantia a manutenção das relações de poder entre homens e mulheres, já que destacava o comportamento sexual (desejo por homens, sentido por sodomitas e mulheres) como marca de diferença de gênero (homens só desejavam mulheres). Isso nos remete a Laqueur (apud Nunan, 2001:8), que estabelece que a busca por estabelecer diferenças só ocorreu porque "essas diferenças se tornaram politicamente importantes."

Embora houvesse o sodomita, este era única e exclusivamente pautado no comportamento sexual, não existindo, ainda, a categoria homossexual. Esta só viria a surgir no século XIX, com o discurso médico. Foi depois do advento da separação da medicina geral do corpo da medicina do sexo, com a publicação, em 1846, da Psychopatia Sexualis, de Heinrich Kaan, que passou a vigorar "um domínio médico-psicológico das 'perversões', que viria a tomar o lugar das velhas categorias morais de devassidão e da extravagância".[16]

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Criminalização

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As Ordenações Afonsinas, primeira consolidação de leis em Portugal, feita no século XV, declaram que a sodomia é o mais torpe, sujo e desonesto pecado ante Deus e o mundo, impondo ao infrator que seja queimado até virar pó, para que não reste memória de seu corpo e sepultura:[17][18]

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Ver também

Referências

  1. «Definition of SODOMY». www.merriam-webster.com (em inglês). Consultado em 28 de agosto de 2025
  2. «Sodomia». Michaelis On-Line. Consultado em 28 de agosto de 2025
  3. «Sodomia». Dicio, Dicionário Online de Português. Consultado em 28 de agosto de 2025
  4. S.A, Priberam Informática. «sodomia». Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Consultado em 28 de agosto de 2025
  5. «Bíblia Online - Leia, Pesquise e Estude a Bíblia em Diversos Idiomas». Bíblia Online. Consultado em 28 de agosto de 2025
  6. Poli, Jonas Ernesto. «NEPE SEARCH - Bíblia Interlinear - Ezequiel 16:50 - com sua tradução direto do Hebraico». NEPE SEARCH. Consultado em 28 de agosto de 2025
  7. Lima, Adelina (4 de outubro de 2021). «O Mito da Hospitalidade: a história de Baucis e Filemon». Segredos do Mundo. Consultado em 15 de dezembro de 2024
  8. «Bíblia Online - Leia, Pesquise e Estude a Bíblia em Diversos Idiomas». Bíblia Online. Consultado em 28 de agosto de 2025
  9. «Bíblia Online - Leia, Pesquise e Estude a Bíblia em Diversos Idiomas». Bíblia Online. Consultado em 28 de agosto de 2025
  10. ____, Sodomia uma mancha no casamento, 2012.
  11. Weeks ([1996]1997: 45)
  12. Trumbach (1992: 96)
  13. (Foucault, [1978]2005: 111)
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Ligações externas

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