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Aboio
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Aboio é um gênero de canto tradicional associado principalmente ao trabalho dos vaqueiros no interior do sertão brasileiro. Consiste em um conjunto de sons cantado pelos vaqueiros quando conduzem o gado pelas pastagens ou para o curral.[1] As melodias longas e melancólicas, muitas vezes sem palavras que, além de função de comunicar-se com o gado e coordenar o deslocamento dos animais, integra práticas de memória, identidade e imagética do sertão nas literaturas, músicas e cinemas brasileiros. [2][3]

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Definição e História
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O aboio é descrito como um canto solo, de andamento vagaroso, baseado em vogais prolongadas, improvisado e finalizado com frases ou interjeições que incitam os animais, por exemplo: ei, boi, boiê, ó lá, boizinho. Além disso, a forma pode variar, pois há aboios estritamente vocálicos (sem versos fixos) e versões que incorporam versos e pequenas narrativas.[4] Etimologicamente e nas descrições clássicas de folcloristas e musicólogos, o termo aparece ligado ao ato de “aboiar”, ou seja, cantar para o boi, e é tratado como prática de trabalho.[5]
Além de ser praticado no sertão brasileiro, esse canto também é praticado no Sul do país para condução de bovinos, ovinos e equinos. Autores como Luís da Câmara Cascudo registraram a forma e chamaram atenção para suas variantes regionais; pesquisas contemporâneas confirmam tanto a continuidade quanto as transformações do aboio conforme mudanças no trabalho rural.[4][6]
No Rio Grande do Sul os mais comuns são: "era boi, era boi, boi, boi..." e "era boi, ó estrada boi" associado a assovios. Por que "era"? "Eira" tratava-se de um local plano de terra batida (ou de laje de pedra ou ainda calçada) onde o trigo, o feijão, o arroz e outros grãos eram trilhados. Para ocorrer a debulha eram utilizados bovinos ou cavalos que pisavam sobre as plantas destas culturas. Até ocorrer a debulha dos grãos. Posteriormente, os grãos eram peneirados e separados da palha com vento. A eira é uma modalidade de aboio que consiste em versos de temas agropastoris, de origem moura, trazidos pelos escravos portugueses da Ilha da Madeira, e em países como a Espanha e Portugal.[2]
Sobre a influência moura e ibérica no aboio brasileiro diz Mário de Andrade:
Como caráter, modos de construir a frase, abuso de inícios idênticos para cada frase (de melodia quadrada ou não), gênero de vocalizações, liberdade rítmica, emprego sistemático das fermatas (sem intenção virtuosística), utilização de sons agudos: o aboio é absolutamente idêntico (o aboio de boiadeiros) às canções de carreiros e arrieiros asturianos [...]. Estes têm acentuado sabor mourisco, por onde se pode filiar os nossos aboios aos cantos de pastores árabes [...][7].
Um dos ícones do aboio tem origem no nordeste brasileiro. Ninguém personifica tão completamente a cultura do vaqueiro quanto Luiz Gonzaga, conhecido como o rei do baião.[3] Foi da rotina dessas pessoas originou a inspiração para suas canções, cujas temáticas enfatizava: a terra, a esperança e os desafios da vida no campo. Na biografia do artista há até relato de um momento de angústia: enquanto estava internado no hospital pouco antes de sua morte, ele teria entoado um canto semelhante a um aboio, cujo som reverberou por todo o edifício.[8]
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Literatura, Cinema e Música
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O aboio ajuda a coordenar movimentações de gado, acalmar os animais e sinalizar direção ou parada. Culturalmente, virou uma forma de expressão pessoal do vaqueiro. Relatos mostram que o aboio transmite saudade, solidão, presença e lembrança, por vezes assumindo conteúdo narrativo ou poético quando os intérpretes acrescentam versos, memórias e referências locais. Estudos recentes sobre música e trabalho observam que o aboio funciona simultaneamente como técnica de trabalho e como linguagem íntima entre homem e animal.[3][1]

O aboio é recorrente na produção literária e cinematográfica que trata do sertão e do vaqueiro: aparece nas obras de autores como Guimarães Rosa (referências à voz do vaqueiro e suas comunicações com o gado) e foi tema do documentário Aboio (Marília Rocha, 2005), premiado em festivais e exibido internacionalmente. Na música popular, traços do aboio também foram apropriados por compositores e intérpretes que buscaram recuperar ou evocar a voz do sertão nas canções.[9]
Aboio, de Marília Rocha (2005)
A décima edição do festival de documentários É Tudo Verdade foi realizado em São Paulo e Rio de Janeiro. A cerimônia de premiação e enceramento foi no Cinesesc, em SP.[10] O prêmio concedido a cineasta mineira integrante do coletivo Teia em Minas Gerais teve a produção de Helvecio Marins Jr.[11] O destaque de Melhor Documentário Longa ou Média-Metragem (Júri Oficial) na Competição Brasileira a obra audiovisual: Aboio, de Marília Rocha demarcou a estreia da cineasta.[12]
O filme concentra-se na prática secular social e cultural do aboio, que se refere ao trato do hábito tradicional de vaqueiros do interior do país de entoar um canto, chamado aboio, para tocar o gado.[13] A obra fílmica considerada aclamada pela crítica procura os donos dessas vozes pelo sertão.[14] A partir da perspectiva das subjetividades sertanejas a experiência sensível dos sujeitos ganha centralidade. Definidos os locais de realização das filmagens nos sertões da Bahia, Minas Gerais e Pernambuco, o longa divide-se entre o "boi", o "homem" e o "infinito". O sertão está para além do nordeste nessa obra cinematográfica. A oralidade, a memória e a performance encontram-se no sujeito sertanejo.[15]
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Transformações contemporâneas e preservação
Com a mecanização e mudanças nas práticas de manejo, o aboio tornou-se menos frequente em algumas regiões, mas sobrevive através de gravações, documentação etnográfica, festas de vaqueiros, reconstituições culturais e produções audiovisuais. Pesquisas universitárias, teses e projetos de memória têm registrado aboios e entrevistado praticantes, contribuindo para a salvaguarda desse repertório imaterial. Há também estudos que discutem a apropriação e a “estetização” do aboio em contextos urbanos e midiáticos.[1][16]
O aboio é um patrimônio nacional do Brasil. Essa forma de canto, criada a partir de elementos simples da tradição oral, é a expressão mais autêntica da cultura dos vaqueiros, homens que vivem do trabalho no campo. Utilizado para conduzir o gado, o aboio é uma melodia que reflete o ritmo lento e cadenciado dos animais. Seu significado transcende as palavras, incorporando-se profundamente à cultura popular do sertão brasileiro.[17]
Referências
- MENDES, Adriano Caçula (2015). «Aboio no Sertão Paraibano: Um canto no trabalho, um trabalho no canto» (PDF). Repositório UFPB. Consultado em 6 de novembro de 2025
- Ferreira, José Luiz (2014). «Aboio: o canto melódico do vaqueiro». Imburana – Revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN. Consultado em 24 de novembro de 2025
- Medina, Maria de Fátima R.; Medina, Maria Aparecida da R. (2017). «Aboio: Poesia e canto no compasso do gado». Revista Miscelânea, Unesp. Consultado em 24 de novembro de 2025
- Gomes, Thalles (19 de novembro de 2015). «A imagem cantada: Aboio e cantigas, de Humberto Mauro». Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL (Boitatá - UEL). Consultado em 24 de novembro de 2024
- dos Santos, Ana Lygia. «"Pela longa estrada, eu vou. Estrada eu sou": A canção de aboio na cultura popular e na literatura roseana» (PDF). Puc Rio. Consultado em 24 de novembro de 2025
- Vieira, Natã Silva (25 de maio de 2007). «Cultura de vaqueiro: O sertão e a música dos vaqueiros nordestinos.» (PDF). III ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, UFBA. Consultado em 24 de novembro de 2025
- ANDRADE, Mário de (1989). Dicionário Musical Brasileiro. [S.l.]: Itatiaia. p. p.4
- Severino, Tiago (24 de agosto de 2022). «Aboio, o canto dos vaqueiros de Minas e do Brasil». Artes, Educação, Mídia e Literatura. Consultado em 30 de Abril de 2024
- Pereira, Andréa Mendes de Almeida (abril de 2018). «AVE, VAQUEIRO: representação do vaqueiro na ficção de Guimarães Rosa» (PDF). PPGL Unimontes. Consultado em 24 de novembro de 2025
- LOCAL, DA REPORTAGEM (11 de abril de 2005). «"Aboio" e "Ensaios" ganham É Tudo Verdade». Folha de São Paulo Ilustrada. Consultado em 25 de outubro de 2025. Cópia arquivada em 25 de outubro de 2025
- «Helvecio Marins Jr. - Videobrasil». site.videobrasil.org.br. Consultado em 26 de outubro de 2025
- «É Tudo Verdade / It's All True - Edições Anteriores - 10ª EDIÇÃO - 2005». etudoverdade.com.br. Consultado em 26 de outubro de 2025
- FMAL, Memorial da América Latina (5 de fevereiro de 2012). «João Batista de Andrade e Marcelo Piñeyro levam o Troféu Memorial da América Latina pelo conjunto da obra. Conheça os vencedores de público e crítica.». Memorial da América Latina. Consultado em 26 de outubro de 2025
- Guedes, Heverton da Silva (24 de março de 2025). «ABOIO: EVOCAÇÃO AO SERTÃO». Arteriais - Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes (16): 162–176. ISSN 2446-5356. doi:10.18542/arteriais.v10i16.16881. Consultado em 26 de outubro de 2025
- Cruz, Bruno de Santana; MacRae, Edward John Baptista das Neves (26 de maio de 2025). «Aboiando encruzilhadas: políticas de cuidado, interseccionalidade e redução de danos entre homens de comunidades rurais no sertão da Bahia». Interface - comunicação, saúde, educação. Consultado em 24 de novembro de 2025
- Severino, Tiago (24 de Agosto de 2022). «Aboio, o canto dos vaqueiros de Minas e do Brasil». Artes, Educação, Mídia e Literatura. Consultado em 30 de Abril de 2024
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