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Aboio

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Aboio
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Aboio é um gênero de canto tradicional associado principalmente ao trabalho dos vaqueiros no interior do sertão brasileiro. Consiste em um conjunto de sons cantado pelos vaqueiros quando conduzem o gado pelas pastagens ou para o curral.[1] As melodias longas e melancólicas, muitas vezes sem palavras que, além de função de comunicar-se com o gado e coordenar o deslocamento dos animais, integra práticas de memória, identidade e imagética do sertão nas literaturas, músicas e cinemas brasileiros. [2][3]

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Vaqueiro no sertão da Bahia, ano 1903, típico aboiador ( vaqueiro baiano antigo )
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Definição e História

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O aboio é descrito como um canto solo, de andamento vagaroso, baseado em vogais prolongadas, improvisado e finalizado com frases ou interjeições que incitam os animais, por exemplo: ei, boi, boiê, ó lá, boizinho. Além disso, a forma pode variar, pois há aboios estritamente vocálicos (sem versos fixos) e versões que incorporam versos e pequenas narrativas.[4] Etimologicamente e nas descrições clássicas de folcloristas e musicólogos, o termo aparece ligado ao ato de “aboiar”, ou seja, cantar para o boi, e é tratado como prática de trabalho.[5]

Além de ser praticado no sertão brasileiro, esse canto também é praticado no Sul do país para condução de bovinos, ovinos e equinos. Autores como Luís da Câmara Cascudo registraram a forma e chamaram atenção para suas variantes regionais; pesquisas contemporâneas confirmam tanto a continuidade quanto as transformações do aboio conforme mudanças no trabalho rural.[4][6]

No Rio Grande do Sul os mais comuns são: "era boi, era boi, boi, boi..." e "era boi, ó estrada boi" associado a assovios. Por que "era"? "Eira" tratava-se de um local plano de terra batida (ou de laje de pedra ou ainda calçada) onde o trigo, o feijão, o arroz e outros grãos eram trilhados. Para ocorrer a debulha eram utilizados bovinos ou cavalos que pisavam sobre as plantas destas culturas. Até ocorrer a debulha dos grãos. Posteriormente, os grãos eram peneirados e separados da palha com vento. A eira é uma modalidade de aboio que consiste em versos de temas agropastoris, de origem moura, trazidos pelos escravos portugueses da Ilha da Madeira, e em países como a Espanha e Portugal.[2]

Sobre a influência moura e ibérica no aboio brasileiro diz Mário de Andrade:

Como caráter, modos de construir a frase, abuso de inícios idênticos para cada frase (de melodia quadrada ou não), gênero de vocalizações, liberdade rítmica, emprego sistemático das fermatas (sem intenção virtuosística), utilização de sons agudos: o aboio é absolutamente idêntico (o aboio de boiadeiros) às canções de carreiros e arrieiros asturianos [...]. Estes têm acentuado sabor mourisco, por onde se pode filiar os nossos aboios aos cantos de pastores árabes [...][7].

Um dos ícones do aboio tem origem no nordeste brasileiro. Ninguém personifica tão completamente a cultura do vaqueiro quanto Luiz Gonzaga, conhecido como o rei do baião.[3] Foi da rotina dessas pessoas originou a inspiração para suas canções, cujas temáticas enfatizava: a terra, a esperança e os desafios da vida no campo. Na biografia do artista há até relato de um momento de angústia: enquanto estava internado no hospital pouco antes de sua morte, ele teria entoado um canto semelhante a um aboio, cujo som reverberou por todo o edifício.[8]

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Literatura, Cinema e Música

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O aboio ajuda a coordenar movimentações de gado, acalmar os animais e sinalizar direção ou parada. Culturalmente, virou uma forma de expressão pessoal do vaqueiro. Relatos mostram que o aboio transmite saudade, solidão, presença e lembrança, por vezes assumindo conteúdo narrativo ou poético quando os intérpretes acrescentam versos, memórias e referências locais. Estudos recentes sobre música e trabalho observam que o aboio funciona simultaneamente como técnica de trabalho e como linguagem íntima entre homem e animal.[3][1]

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Cartaz de Aboio, Marília Rocha, 2005.

O aboio é recorrente na produção literária e cinematográfica que trata do sertão e do vaqueiro: aparece nas obras de autores como Guimarães Rosa (referências à voz do vaqueiro e suas comunicações com o gado) e foi tema do documentário Aboio (Marília Rocha, 2005), premiado em festivais e exibido internacionalmente. Na música popular, traços do aboio também foram apropriados por compositores e intérpretes que buscaram recuperar ou evocar a voz do sertão nas canções.[9]

Aboio, de Marília Rocha (2005)

A décima edição do festival de documentários É Tudo Verdade foi realizado em São Paulo e Rio de Janeiro. A cerimônia de premiação e enceramento foi no Cinesesc, em SP.[10] O prêmio concedido a cineasta mineira integrante do coletivo Teia em Minas Gerais teve a produção de Helvecio Marins Jr.[11] O destaque de Melhor Documentário Longa ou Média-Metragem (Júri Oficial) na Competição Brasileira a obra audiovisual: Aboio, de Marília Rocha demarcou a estreia da cineasta.[12]

O filme concentra-se na prática secular social e cultural do aboio, que se refere ao trato do hábito tradicional de vaqueiros do interior do país de entoar um canto, chamado aboio, para tocar o gado.[13] A obra fílmica considerada aclamada pela crítica procura os donos dessas vozes pelo sertão.[14] A partir da perspectiva das subjetividades sertanejas a experiência sensível dos sujeitos ganha centralidade. Definidos os locais de realização das filmagens nos sertões da Bahia, Minas Gerais e Pernambuco, o longa divide-se entre o "boi", o "homem" e o "infinito". O sertão está para além do nordeste nessa obra cinematográfica. A oralidade, a memória e a performance encontram-se no sujeito sertanejo.[15]

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Transformações contemporâneas e preservação

Com a mecanização e mudanças nas práticas de manejo, o aboio tornou-se menos frequente em algumas regiões, mas sobrevive através de gravações, documentação etnográfica, festas de vaqueiros, reconstituições culturais e produções audiovisuais. Pesquisas universitárias, teses e projetos de memória têm registrado aboios e entrevistado praticantes, contribuindo para a salvaguarda desse repertório imaterial. Há também estudos que discutem a apropriação e a “estetização” do aboio em contextos urbanos e midiáticos.[1][16]

O aboio é um patrimônio nacional do Brasil. Essa forma de canto, criada a partir de elementos simples da tradição oral, é a expressão mais autêntica da cultura dos vaqueiros, homens que vivem do trabalho no campo. Utilizado para conduzir o gado, o aboio é uma melodia que reflete o ritmo lento e cadenciado dos animais. Seu significado transcende as palavras, incorporando-se profundamente à cultura popular do sertão brasileiro.[17]

Referências

  1. MENDES, Adriano Caçula (2015). «Aboio no Sertão Paraibano: Um canto no trabalho, um trabalho no canto» (PDF). Repositório UFPB. Consultado em 6 de novembro de 2025
  2. Ferreira, José Luiz (2014). «Aboio: o canto melódico do vaqueiro». Imburana – Revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN. Consultado em 24 de novembro de 2025
  3. Medina, Maria de Fátima R.; Medina, Maria Aparecida da R. (2017). «Aboio: Poesia e canto no compasso do gado». Revista Miscelânea, Unesp. Consultado em 24 de novembro de 2025
  4. Gomes, Thalles (19 de novembro de 2015). «A imagem cantada: Aboio e cantigas, de Humberto Mauro». Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL (Boitatá - UEL). Consultado em 24 de novembro de 2024
  5. Vieira, Natã Silva (25 de maio de 2007). «Cultura de vaqueiro: O sertão e a música dos vaqueiros nordestinos.» (PDF). III ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, UFBA. Consultado em 24 de novembro de 2025
  6. ANDRADE, Mário de (1989). Dicionário Musical Brasileiro. [S.l.]: Itatiaia. p. p.4
  7. Severino, Tiago (24 de agosto de 2022). «Aboio, o canto dos vaqueiros de Minas e do Brasil». Artes, Educação, Mídia e Literatura. Consultado em 30 de Abril de 2024
  8. Pereira, Andréa Mendes de Almeida (abril de 2018). «AVE, VAQUEIRO: representação do vaqueiro na ficção de Guimarães Rosa» (PDF). PPGL Unimontes. Consultado em 24 de novembro de 2025
  9. LOCAL, DA REPORTAGEM (11 de abril de 2005). «"Aboio" e "Ensaios" ganham É Tudo Verdade». Folha de São Paulo Ilustrada. Consultado em 25 de outubro de 2025. Cópia arquivada em 25 de outubro de 2025
  10. «Helvecio Marins Jr. - Videobrasil». site.videobrasil.org.br. Consultado em 26 de outubro de 2025
  11. «É Tudo Verdade / It's All True - Edições Anteriores - 10ª EDIÇÃO - 2005». etudoverdade.com.br. Consultado em 26 de outubro de 2025
  12. Joaquim, Luiz (7 de novembro de 2007). «Aboio». Cinema Escrito. Consultado em 26 de outubro de 2025
  13. FMAL, Memorial da América Latina (5 de fevereiro de 2012). «João Batista de Andrade e Marcelo Piñeyro levam o Troféu Memorial da América Latina pelo conjunto da obra. Conheça os vencedores de público e crítica.». Memorial da América Latina. Consultado em 26 de outubro de 2025
  14. Guedes, Heverton da Silva (24 de março de 2025). «ABOIO: EVOCAÇÃO AO SERTÃO». Arteriais - Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes (16): 162–176. ISSN 2446-5356. doi:10.18542/arteriais.v10i16.16881. Consultado em 26 de outubro de 2025
  15. Cruz, Bruno de Santana; MacRae, Edward John Baptista das Neves (26 de maio de 2025). «Aboiando encruzilhadas: políticas de cuidado, interseccionalidade e redução de danos entre homens de comunidades rurais no sertão da Bahia». Interface - comunicação, saúde, educação. Consultado em 24 de novembro de 2025
  16. Severino, Tiago (24 de Agosto de 2022). «Aboio, o canto dos vaqueiros de Minas e do Brasil». Artes, Educação, Mídia e Literatura. Consultado em 30 de Abril de 2024
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