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Integrismo

ideologia política sustentando que o catolicismo deve ser a base do direito e da política pública Da Wikipédia, a enciclopédia livre

Integrismo
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 Nota: Não confundir com Integralismo (desambiguação).

Integrismo é uma interpretação política da Doutrina Social Católica que defende o princípio de que a religião católica deve ser a base do sistema legal e das políticas do Estado dentro da sociedade civil, onde quer que a preponderância dos católicos dentro dessa sociedade torne isso possível.[1] Os rótulos “integrismo” e “integrista” são empregados por adversários políticos para descrever grupos e indivíduos que, na verdade, se autodenominam de outras formas, como por exemplo “tradicionalistas”.[2]

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Rei Luís IX da França encontrando-se com o Papa Inocêncio IV.

O integrismo é contra o pluralismo[1] e defende que a fé católica deve ser dominante tanto nas questões civis, como nas religiosas. Os integristas defendem a definição de 1864 do Papa Pio IX em sua encíclica Quanta cura de que a neutralidade religiosa do poder civil não pode ser abraçada como uma situação ideal e a doutrina de Leão XIII em Immortale Dei sobre as obrigações religiosas dos Estados.[3] Em dezembro de 1965, o Concílio Vaticano II aprovou e o Papa Paulo VI promulgou o documento Dignitatis humanae – a “Declaração sobre a Liberdade Religiosa” do Concílio – que afirma que “deixa intocada a doutrina católica tradicional sobre o dever moral dos homens e das sociedades para com a verdadeira religião e para a única Igreja de Cristo". No entanto, eles declararam simultaneamente "que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa", um movimento que alguns católicos tradicionalistas, como o arcebispo Marcel Lefebvre, fundador da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, argumentaram que está em desacordo com os posicionamentos doutrinários anteriores da igreja.[4][5]

O termo integrismo enfrenta uma dificuldade particular entre pesquisadores de língua inglesa, pois é estranho ao seu léxico e não encontra equivalentes precisos nesse idioma, sendo usualmente traduzido como integralism, palavra que carrega outros sentidos e acaba gerando confusão.[2]

O termo às vezes é usado de forma mais livre e em contextos não católicos para se referir a um conjunto de conceitos teóricos e políticas práticas que defendem uma ordem social e política totalmente integrada com base em uma doutrina abrangente da natureza humana. Nesse sentido genérico, algumas formas de integrismo estão focadas puramente em alcançar a integração política e social, outras na unidade nacional ou étnica, enquanto outras estão mais focadas em alcançar a uniformidade religiosa e cultural. O integrismo, portanto, também foi usado para descrever movimentos religiosos não-católicos, como o protestantismo fundamentalista ou o fundamentalismo islâmico.[6] Porém o uso do termo para descrever movimentos não-católicos foi apontado por alguns acadêmicos como sendo incorreto, outros, mais estritos, afirmam que mesmo dentro do catolicismo o termo só tem sentido dentro dos limites da Europa Latina.[2] Na história política e social dos séculos XIX e XX, o termo integrismo foi frequentemente aplicado ao conservadorismo tradicionalista e movimentos políticos similares na ala direita de um espectro político, mas também foi adotado por vários movimentos centristas como uma ferramenta de integração política, nacional e cultural.

Como movimento cívico-político-cultural de renovação moral e social,[7] o integrismo surgiu das polêmicas discussões internas da Igreja Católica no final do século XIX e início do século XX, especialmente na França.[8] O termo integrista foi usado como adjetivo para descrever aqueles que se opunham aos "modernistas filosóficos-catolicistas", que procuravam criar uma síntese entre a teologia cristã e a filosofia liberal da modernidade secular. Os defensores do integrismo pregavam que toda ação social e política deveria ser baseada na fé católica e rejeitavam a separação entre Igreja e Estado, argumentando que o catolicismo deveria ser proclamado a religião do Estado.[1] Discussões contemporâneas dentro da Igreja Católica a respeito do integrismo foram renovadas com críticas ao liberalismo.[9][10]

No Brasil, o catolicismo influenciou o movimento político do integralismo entre 1932 e 1937, sendo este considerado um braço político e fascista da Igreja Católica.[11][12] Em Portugal, o Integralismo Lusitano foi um movimento político surgido em 1914, de carácter monárquico, católico, nacionalista e antiliberal, que se opunha tanto à democracia republicana de 1910 como à monarquia constitucional de 1820. Defendia o regresso a uma monarquia tradicional, nacionalista e antiparlamentar, na qual o monarca seria o chefe de Estado e concentraria em si as funções governativas e executivas.[13]

As discussões contemporâneas sobre o integrismo foram renovadas em 2014, com foco na crítica ao liberalismo e ao capitalismo.[14][15]

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História e ideais

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Perspectiva

O integrismo é uma tendência antipluralista do catolicismo, tendo emergido no século XIX em Portugal, Espanha, França, Itália e România, visava afirmar uma interpretação de base católica a toda ação política e social, e minimizar ou eliminar quaisquer atores ideológicos concorrentes, como o humanismo secular e o liberalismo.[16] Além disso, o integrismo não apoia a criação de um novo "Estado Católico" autônomo, tampouco o erastianismo (galicanismo no contexto francês). Pelo contrário, apoia a subordinação do Estado aos princípios morais do catolicismo. Dessa forma, rejeita separar moralidade e Estado, favorecendo o catolicismo como a religião proclamada oficial pelo Estado.[1] Este advoga pelo ensino sobre a necessidade da subordinação do Estado, assim como papas medievais Papa Gregório VII e Papa Bonifácio VIII, além da subordinação do poder temporal ao poder espiritual. Ainda assim, o integrismo, em sentido estrito, surgiu como uma reação contra as mudanças políticas e culturais que se seguiram ao Iluminismo e à Revolução Francesa.[1] O integrismo atingiu sua forma "clássica" a partir de uma reação contra o modernismo, insistindo que o poder político deve guiar o homem ao seu último fim, rejeitando a separação liberal entre a política e os fins da vida humana.[17] Pode-se dizer que o integrismo é meramente a continuação moderna da concepção católica tradicional das relações Igreja-Estado elucidada pelo Papa Gelásio I e exposta ao longo dos séculos até o Sílabo dos Erros, que condenou a ideia de que a separação entre Igreja e Estado é um bem moral.

O papado do século XIX desafiou o crescimento do liberalismo (e sua doutrina da soberania popular), bem como novos métodos e teorias científicas e históricas (que se pensava ameaçar o status quo da revelação cristã). O Papa Pio IX condenou uma série de ideias iluministas e liberais ao publicar o Sílabo dos Erros. Já o termo integrismo foi aplicado, pela primeira vez, a um partido político espanhol fundado em 1890, que baseou seu programa no Sílabo.[1] Entretanto, o termo não se tornou popular até o papado de Pio X (que durou de 1903 a 1914), na ocasião da condenação papal do modernismo em 1907, em que os "catholiques intégraux", encorajados por Pio X, procuraram e expuseram qualquer co-religioso que suspeitassem de modernismo ou liberalismo, de onde surgem as palavras intégrisme (integrismo) e intégralisme (integralismo). Uma importante organização integrista foi a Sodalitium Pianum, conhecida na França como La Sapinière ("plantação de abetos"), fundada em 1909 por Umberto Benigni.[1]

O integrismo sofreu um declínio após o Segundo Concílio do Vaticano (1962), devido à falta de apoio da hierarquia católica; durante esse tempo, outras ideias foram propostas sobre a relação entre a Igreja e o Estado. No entanto, até mesmo o Segundo Concílio do Vaticano finalmente se aliou ao entendimento integrista, afirmando em Dignitatis humanae que o Concílio "deixa intacto o ensino tradicional do dever que o Estado deve à Igreja", ou seja, o reconhecimento da Igreja como a religião do Estado, a menos que isso prejudique o bem comum. Ainda assim, o documento também afirmou a liberdade de consciência pessoal e a liberdade religiosa; no auge do período pós-conciliar, estas se tornaram o foco do discurso teológico, com a exclusão do ensino tradicional das relações igreja-estado. Ainda no período pós-conciliar, o integrismo passou a ser apoiado principalmente por católicos tradicionalistas, como os associados à Sociedade de São Pio X e a várias organizações católicas leigas. Nos últimos anos, entretanto, uma renovação do integrismo foi observada entre a geração mais jovem de católicos.[18]

Alguns acadêmicos traçaram paralelos entre o integrismo e uma visão defendida por uma minoria nas igrejas reformadas, o reconstrucionismo cristão.[19][20] No National Catholic Reporter, Joshua J. McElwee afirmou que tanto os integristas quanto os reconstrucionistas reformados criaram uma aliança ecumênica não tradicional com o objetivo de estabelecer um "tipo de estado teocrático".[21][22] Outros acadêmicos traçaram, também, paralelos entre o integrismo e o fascismo,[23] em especial o integrismo italiano[24][25] e o integrismo brasileiro,[11][12][26][27][28][29] tendo-se cunhado o termo fascismo clerical.

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No Brasil

O marco do início do integrismo no Brasil está na Questão Religiosa, onde Dom Vital, descrito como o primeiro integrista brasileiro, protagonizou o embate entre a Igreja e a Maçonaria.[30]

No século XX

Durante o período entre guerras, o integrismo assumiu uma dimensão política mais explícita. Ele influenciou intelectuais e movimentos que defendiam o combate ao modernismo. Dom Sebastião Leme, arcebispo de Recife e Olinda, estimulou a criação do Centro Dom Vital (CDV) em 1922, uma associação civil de pessoas leigas subordinadas à Igreja, que foi o núcleo mais importante do pensamento integrista brasileiro, liderado por Jackson de Figueiredo. O CDV utilizou a revista A Ordem como plataforma de divulgação de seu pensamento.[30]

Entre 1968 e 1978 a revista Hora Presente, de formação majoritariamente leiga, reuniu diversos intelectuais do pensamento integrista, como José Pedro Galvão de Sousa.[31]

Contemporaneidade

O Centro Dom Bosco, organização leiga católica com sede no Rio de Janeiro, é frequentemente apontado como exemplo de permanência contemporânea do integrismo no Brasil. [32]

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Críticas

O Southern Poverty Law Center usa o termo "integrismo" para se referir aos "católicos tradicionalistas radicais" que rejeitam o Concílio Vaticano II. O SPLC os descreve como antissemitas e "extremamente conservadores" em relação às mulheres, e também observa que alguns deles afirmam que os papas recentes são ilegítimos.[33]

Críticos e opositores do integrismo, como George Weigel, argumentam que o movimento pode ser associado ao fascismo.[34] John Zmirak critica os católicos integristas contemporâneos como inimigos da liberdade religiosa.[35][36]

Ver também

Referências

  1. Krogt, Christopher van der (1992). «Catholic Fundamentalism or Catholic Integralism?». To Strive and not to Yield: Essays in Honour of Colin Brown. Wellington: The Department of World Religions, Victoria University. pp. 123–135. Consultado em 29 de dezembro de 2019
  2. Pierucci, Antônio Flávio (30 de maio de 1992). «Fundamentalismo e integrismo: os nomes e a coisa». Revista USP (13): 144–156. ISSN 2316-9036. doi:10.11606/issn.2316-9036.v0i13p144-156. Consultado em 24 de novembro de 2025
  3. «Texto da Declaração Dignitatis Humanae sobre a Liberdade Religiosa». 7 de dezembro de 1965. Consultado em 6 de julho de 2023
  4. Egan, Philip A. (2009). Philosophy and Catholic Theology: A Primer (em inglês). [S.l.]: Liturgical Press
  5. Shepard, William (outubro de 1987). «'Fundamentalism' Christian and Islamic». Religion (em inglês). 17 (4): 355–378. ISSN 0048-721X. doi:10.1016/0048-721X(87)90059-5. Consultado em 6 de julho de 2023
  6. Barbuy, Victor Emanuel Vilela (13 de fevereiro de 2015). «O Estado Integral e a Economia». integralismo.org.br. Frente Integralista Brasileira. Consultado em 6 de julho de 2023
  7. Jeffries, Vincent (1 de julho de 2003). «The Nature of Integralism». Catholic Social Science Review. Consultado em 29 de dezembro de 2019
  8. «'Weird Catholic Twitter' offers a reminder of Catholic complexity». John L. Allen Jr. Crux. Consultado em 29 de dezembro de 2019
  9. O.Cist, Edmund Waldstein. «What Is Integralism Today?». Church Life Journal (em inglês). Consultado em 29 de dezembro de 2019
  10. Williams, Margaret Todaro (1974). «Integralism and the Brazilian Catholic Church». The Hispanic American Historical Review. 54 (3): 431–452. ISSN 0018-2168. doi:10.2307/2512932. The more dramatic aspects of Integralism, such as its violence and its fascist trappings [...] have obscured the fact that Integralism often acted, although implicitly, as a political arm of the Catholic Church. [...] Their search for a 'third way,' an effort not yet sufficiently investigated or appreciated, often led them to espouse modified versions of European fascism.
  11. «Integralismo Lusitano». Infopédia, Enciclopédia de Língua Portuguesa da Porto Editora. Consultado em 30 de dezembro de 2019
  12. Deneen, Patrick J. (6 de fevereiro de 2014). «A Catholic Showdown Worth Watching». The American Conservative (em inglês). Consultado em 6 de julho de 2023. Cópia arquivada em 22 de julho de 2019
  13. Allen Jr., John L. (27 de abril de 2018). «'Weird Catholic Twitter' offers a reminder of Catholic complexity». Crux (em inglês). Consultado em 6 de julho de 2023. Cópia arquivada em 16 de abril de 2019
  14. Kertzer, David I. (1980). Comrades and Christians: Religion and Political Struggle in Communist Italy. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 101–102. 302 páginas
  15. admin (3 de setembro de 2018). «O integralismo em três frases.». The Josias (em inglês). Consultado em 29 de dezembro de 2019
  16. Douthat, Ross (8 de outubro de 2016). «Opinion | Among the Post-Liberals». The New York Times (em inglês). ISSN 0362-4331
  17. Spadaro, Antonio; Figueroa, Marcelo (13 de julho de 2017). «Evangelical Fundamentalism and Catholic Integralism: A surprising ecumenism». La Civiltà Cattolica. Consultado em 29 de dezembro de 2019
  18. Glatz, Carol (13 de julho de 2017). «Journal: Strip religious garb, fundamentalist tones from political power». Catholic News Service. Consultado em 29 de dezembro de 2019
  19. McElwee, Joshua J. (13 de julho de 2017). «Italian Jesuit magazine criticizes political attitudes of some US Catholics» (em inglês). National Catholic Reporter. Consultado em 29 de dezembro de 2019
  20. Faggioli, Massimo (18 de julho de 2017). «Why Should We Read Spadaro on 'Catholic Integralism'? | Commonweal Magazine». Commonweal Magazine. Consultado em 29 de dezembro de 2019
  21. Payne, Stanley G. (1995). A History of Fascism, 1914-1945 (em inglês). [S.l.]: UCL Press. ISBN 978-1-85728-595-6
  22. Holmes, Douglas R. (2000). Integral Europe: fast-capitalism, multiculturalism, neo-fascism. Princeton: Princeton University Press
  23. Gingrich, André; Banks, Marcus (2006). Neo-nationalism in Europe and Beyond: Perspectives from Social Anthropology (em inglês). [S.l.]: Berghahn Books. ISBN 978-1-84545-190-5
  24. Williams, Margaret Todaro (1974). «The Politicization of the Brazilian Catholic Church: The Catholic Electoral League». Journal of Interamerican Studies and World Affairs (em inglês). 16 (3): 301–325. ISSN 0022-1937. doi:10.2307/174888
  25. Trindade, Hélgio (1974). Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difusão Européia do Livro
  26. Hilton, Stanley E. (1972). «Ação Integralista Brasileira: Fascism in Brazil, 1932-1938». Luso-Brazilian Review. 9 (2): 3–29. ISSN 0024-7413
  27. Wink, Georg (2023). «Conservadorismo Brasileiro e a Nova Direita» (PDF). biblioteca-repositorio.clacso.edu.ar. Belo Horizonte. ISBN 978-65-991436-2-5. Consultado em 24 de novembro de 2025. Cópia arquivada (PDF) em 10 de outubro de 2024
  28. Niero, Stela; Fernandes, Silvia (2017). «Produção Intelectual Católica: Divergências Entre Progressistas E Integristas Durante a Ditadura Militar Brasileira (1964-1985)». Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião (26): 167–184. Consultado em 27 de novembro de 2025
  29. DANTAS, Renan Baptistin. Wink, Georg. Conservadorismo brasileiro e a nova direita. Belo Horizonte: Editora Emcomum, 2023, 308p. Debates do NER, ano 25, n. 46, e146616, 2025.
  30. Weigel, George (20 de maio de 2020). «Games Intellectuals Play». First Things (em inglês). Consultado em 6 de julho de 2023
  31. Zmirak, John (5 de agosto de 2017). «Catholics Reject Freedom at Their Own Peril». The Stream (em inglês). Consultado em 6 de julho de 2023
  32. Pink, Thomas (9 de maio de 2020). «Integralism, Political Philosophy, and the State». Public Discourse (em inglês). Consultado em 6 de julho de 2023


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