Top Qs
Linha do tempo
Chat
Contexto

Umbanda

Religião sincrética brasileira de matriz africana Da Wikipédia, a enciclopédia livre

Umbanda
Remove ads

Umbanda é uma religião brasileira formada no início do século XX, caracterizada pela articulação de elementos oriundos de tradições religiosas afro-brasileiras, do espiritismo kardecista, do catolicismo popular e de cosmologias indígenas.[2] Desenvolvida sobretudo em contextos urbanos, a Umbanda apresenta ampla diversidade interna de práticas, doutrinas e formas organizacionais, não constituindo um sistema religioso homogêneo nem centralizado.[3][4]

Factos rápidos Fundador(es), Tipo ...

A formação histórica da Umbanda tem sido objeto de debates acadêmicos. Embora narrativas religiosas atribuam sua origem a um episódio ocorrido em 1908, associado ao médium Zélio Fernandino de Moraes, estudos históricos e antropológicos tendem a compreender a Umbanda como resultado de um processo mais amplo de reorganização de práticas religiosas populares no Brasil, marcado por sincretismo, urbanização, racialização e circulação de saberes religiosos no período pós-abolição.[5]

Do ponto de vista cosmológico, a Umbanda estrutura-se em torno da crença em um princípio criador supremo, da possibilidade de comunicação entre o mundo material e o espiritual por meio da mediunidade e da atuação de entidades espirituais organizadas em diferentes categorias, como caboclos, pretos-velhos, crianças, exus e pombagiras, além de divindades como orixás, inquices ou voduns. Seus rituais incluem sessões de incorporação mediúnica, cânticos rituais, uso de instrumentos musicais e elementos simbólicos associados à cura espiritual, à orientação moral e à prática da caridade.[6]

Historicamente associada a setores populares urbanos e a populações socialmente marginalizadas, a Umbanda foi alvo de perseguições legais, estigmatização social e discriminação religiosa ao longo do século XX. No debate contemporâneo, essas práticas são frequentemente interpretadas à luz do conceito de racismo religioso. Apesar disso, a Umbanda consolidou-se como uma das principais expressões da religiosidade brasileira, exercendo influência na cultura, na vida social e nos debates públicos sobre diversidade cultural, liberdade religiosa e direitos culturais no Brasil.[7]

Remove ads

Etimologia

Resumir
Perspectiva

O termo Umbanda — também registrado nas formas Embanda ou Mbanda — é geralmente associado a línguas do grupo kimbundu (ou quimbundo), faladas em regiões da atual Angola. Estudos sobre religiões afro-brasileiras indicam que a palavra deriva de mbanda, termo empregado em contextos religiosos bantos para designar práticas de cura, magia ou o próprio sacerdote responsável pelos rituais.[8][9]

De acordo com registros etnográficos e históricos, mbanda podia referir-se tanto à “arte de curar” quanto ao culto no qual o sacerdote realizava práticas terapêuticas e rituais. Nesse sentido, o termo também aparece associado à noção de um plano espiritual ou “além”, entendido como o espaço habitado pelos espíritos, reforçando sua vinculação às cosmologias religiosas centro-africanas.[10]

Pesquisas indicam ainda que, no Brasil do final do século XIX e início do século XX, termos como embanda ou umbanda eram utilizados para designar chefes religiosos em contextos de práticas como a cabula e a macumba, anteriores à consolidação da Umbanda como religião institucionalizada. Nesses contextos, o embanda exercia funções de liderança ritual e doutrinária, o que reforça a continuidade semântica do termo no campo das religiões afro-brasileiras.[11]

Paralelamente às interpretações de base linguística e histórica, existem explicações de caráter religioso e doutrinário formuladas por determinados segmentos da própria Umbanda. Entre elas, destacam-se hipóteses que associam o termo Umbanda a palavras do sânscrito, como aum e bhanda, ou a concepções esotéricas ligadas à chamada “língua adâmica”, às quais se atribuem significados como “lei divina”, “princípio cósmico” ou “Deus ao nosso lado”.[12][13][14][15]

Essas interpretações não são reconhecidas pela linguística acadêmica e são analisadas por estudos antropológicos e historiográficos como construções simbólicas e identitárias internas a determinadas vertentes religiosas, associadas a processos de legitimação social, disputa de prestígio e diferenciação doutrinária no interior do campo umbandista.[nota 1]

Remove ads

Formação histórica

Resumir
Perspectiva

A formação histórica da Umbanda é compreendida por grande parte da historiografia como um processo social e religioso complexo, desenvolvido sobretudo em contextos urbanos brasileiros no final do século XIX e início do século XX, marcado pela reorganização de práticas religiosas populares diante de transformações sociais como a abolição da escravidão, a urbanização acelerada e a circulação de novas doutrinas religiosas.[16] Nesse período, práticas de origem africana, indígena e popular passaram a dialogar de forma mais sistemática com o espiritismo kardecista e com elementos do catolicismo popular, dando origem a novas formas de organização religiosa.[17]

Antecedentes históricos

Antes da consolidação da Umbanda como religião identificável, diversas práticas religiosas afro-brasileiras e populares coexistiam no território brasileiro, especialmente em áreas urbanas do centro-sul do Brasil. Entre elas destacavam-se os calundus, a cabula, formas de pajelança, o catolicismo popular e cultos de matriz africana, que frequentemente incorporavam elementos de cura, mediunidade e comunicação com entidades espirituais.[18] Essas práticas foram historicamente alvo de repressão estatal e de estigmatização social, o que incentivou processos de adaptação simbólica e reorganização ritual.[19]

Paralelamente, o espiritismo kardecista, introduzido no Brasil na segunda metade do século XIX, passou a exercer forte influência sobre setores urbanos, principalmente entre as classes médias. A doutrina espírita oferecia uma linguagem legitimadora para práticas mediúnicas anteriormente marginalizadas, contribuindo para a reorganização simbólica e discursiva de cultos populares e afro-brasileiros.[20]

Século XVII - Calundu

Thumb
Pintura de Zacharias Wagener (ca. 1634 - 1641) retratando um Calundu em Pernambuco

As primeiras comunidades religiosas afro-brasileiras que se têm documentadas surgiram ainda no século XVII. É provável que a mais antiga documentação de práticas rituais africanas no Brasil seja uma pintura de Zacharias Wagener datada, no mais tardar, de 1641[21]. Praticadas majoritariamente por escravizados, formando comunidades religiosas e práticas de culto ficaram conhecidas como Calundu.[22] Os Calundus surgiram a partir das chamadas rodas de batuques, onde os escravizados dançavam, tocavam atabaques em seus momentos de folga ao redor das senzalas.[22] Eram ostensivamente perseguidos pelas autoridades civis e colonizadores portugueses.[23] Existia no Calundu o sincretismo entre as crenças africanas, com Pajelança indígena e Catolicismo.[22]

Um documento da Inquisição Portuguesa de 1646 demonstra a presença de um sacerdote de Angola atuando na Capitania da Bahia de Todos os Santos, chamado Domingos Umbata, e descreve uma Gira de Inquice numa sessão de Calundu:

[...] Com uma tigela grande cheia de água, com muitas folhas e uma cascavel, um dente de onça, viu a testemunha algumas negras que se estavam lavando naquela tigela para abrandar as condições de suas senhoras” e outra noite foi à sua casa, pela meia noite ver “uma grande bula e matinada com muita gente e ele só falava língua que ele (o denunciante) não entende”. Na tigela com água punha também carimã, com a qual fazia uma cruz e círculo à volta, depois botava-lhe uns pós por cima e a mexia com uma faca e ficava fazendo como se estivera ao fogo e inclinando-se sobre a tigela, falava com ela, olhando de revés para as negras presentes em sua língua [...][24]

Thumb
Rito africano na tradição do Candomblé

O Calundu vai se dividir em duas vertentes importantes: a Cabula e o Candomblé Bantu ou Angola.[25] A Cabula sincretizava as crenças africanas do Calundu com o catolicismo, pajelança indígena — sincretismo já existente no Calundu — e espiritismo kardecista.[23] Com o crescimento do número de escravizados vindos de diversos lugares, o Calundu passa a ser cultuado de forma mais elaborada, dando início ao Candomblé, que manteve o ritualismo Bantu, com uma fraca sincretização com Catolicismo.[25][26]

Com a chegada dos povos iorubás, quetos, oiós, ijexá, ijebu odé, ibadan, egbás e jejes que desejavam preservar com mais intensidade os elementos ritualísticos africanos de seus territórios de origem, — mas sem deixarem de utilizar o sincretismo católico como forma de se livrarem das perseguições feitas pelos colonizadores e pelas elites dominantes, — surgem as demais linhas do candomblé, como o Candomblé Queto e o Candomblé Jeje.[27] Com o tempo, os templos de cabula e banto que não aderiram aos sincretismos e às influências jejê-nagô existentes na sua versão fluminense, passam a dar origem aos terreiros de Umbanda Angola e Almas e Umbanda Omolokô.[23]

Século XVII a XIX - Cabula

Muitos estudiosos remontam as origens da Umbanda, de forma prática, aos rituais dos antigos centros de Cabula, conhecidos popularmente como "Macumba" já existentes desde o século XVIII.[28] Populares no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e Bahia, muitos terreiros de Cabula já sincretizavam rituais africanos com catolicismo e crenças indígenas.[29] Daí, Zélio Fernandino de Morais adapta rituais desses terreiros sob uma roupagem espírita kardecista, dando surgimento a Umbanda como religião organizada, que depois se conhece por Umbanda branca e demanda.[28] Os terreiros das zonas rurais e periferias urbanas conhecidos como Macumba Popular, e ainda hoje como Umbanda Popular, descendem dos terreiros de Cabula que não foram absorvidos pelo espiritismo de Zélio.[29] Alguns ritos umbandistas como Omolocô, Almas e Angola também surgiram a partir desses terreiros de Cabula, mas absorvendo mais influências do Candomblé.[29] A Cabula se dividiu em dois grupos principais:

  1. Cabula Bantu: surgiu em meados do século XIX, em Minas Gerais e na Bahia e é descendente direta do Calundu praticado pelos escravizados.[23] Espalhou-se pelos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, onde sofreu perseguição das elites cristãs até os dias de hoje.[23] A Cabula Bantu sincretizava o Calundu, a religião Bantu, com elementos do catolicismo, crenças indígenas e, já nas últimas décadas do século XIX, espiritismo.[23]
  2. Macumba Popular: surgiu no final do século XIX, no Rio de Janeiro e espalhou-se rapidamente em São Paulo e Espírito Santo.[23][30] Essa Macumba Popular do Rio diferenciava-se da Cabula Bantu de Minas e Bahia pela influências do ritualismo e práticas jejê-nagô e do esoterismo europeu através de publicações como O Livro de São Cipriano da Capa Preta.[23] Tanto no Rio de Janeiro, como em São Paulo e no Espírito Santo, a Macumba agregava em si elementos religiosos dos mais variados tipos e origens como as crenças já populares no Brasil, as luso-brasileiras, as árabes, as francesas, as ciganas, as hebraicas e tantas outras oriundas de várias partes do mundo.[23] A Macumba era altamente sincrética ao agregar em si diversas concepções religiosas e diversidade ritualística nos terreiros.[23]

Por conta de seu sincretismo, esta Macumba Popular era frequentada por parte da elite como também pelas classes menos favorecidas e pessoas de diversas religiões e origens.[23][31] O jornalista João do Rio falará a respeito disso: "A mistura na Macumba não estava presente somente nos mitos, ritos e doutrinas, mas também, estava no campo social que era totalmente heterogêneo. Frequentavam seus cultos pessoas de diversos níveis da sociedade, misturando-se no mesmo espaço, grandes empresários, altos funcionários do governo, delegados e policiais, com simples operários, favelados, ladrões, bandidos, assassinos, malandros gigolôs e homossexuais. Senhoras e moças brancas da alta sociedade com as domésticas pretas e as prostitutas."[32] Desta Macumba se dividirão dois grupos principais: um atrelado ao espiritismo kardecista, que irá abolir alguns elementos bantu e iorubás, como o sacrifício de animais e o uso de atabaques, dando origem à Umbanda branca e demanda, de Zélio; e outro, a Umbanda Popular, que continuou seu curso normal, mas relegado à marginalidade pela classe média e alta.[22]

O episódio de 1908 e suas narrativas

Thumb
Zélio Fernandino de Moraes

Narrativas religiosas e memorialísticas amplamente difundidas atribuem a origem da Umbanda a um episódio ocorrido em 1908, no município de Niterói, então capital do estado do Rio de Janeiro, envolvendo o médium Zélio Fernandino de Moraes. Segundo essas narrativas, durante uma sessão espírita, Zélio teria manifestado a entidade conhecida como Caboclo das Sete Encruzilhadas, que anunciou o surgimento de uma nova religião destinada a acolher espíritos de negros e indígenas até então marginalizados nos centros espíritas.[33]

A historiografia contemporânea, no entanto, problematiza o estatuto histórico desse episódio. Pesquisadores apontam a ausência de registros documentais contemporâneos ao evento e observam que os relatos disponíveis foram sistematizados décadas depois, sobretudo a partir de memórias religiosas e esforços de institucionalização da Umbanda.[34] Assim, embora o episódio de 1908 possua centralidade simbólica para muitos praticantes, ele é interpretado por parte da literatura acadêmica como um mito fundacional, mais do que como um marco documental conclusivo.[35]

Consolidação e institucionalização

Thumb
Retrato do umbandista Raimundo Alves dos Santos com seu altar em 1949. Item do acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP).

Ao longo das décadas seguintes, especialmente entre as décadas de 1920 e 1950, a Umbanda passou por um processo de consolidação institucional, com a criação de federações, associações religiosas e tentativas de padronização ritual e doutrinária.[36] Esse movimento buscava conferir legitimidade social à religião, diferenciando-a de práticas consideradas “feitiçaria” ou “curandeirismo” pelas autoridades estatais e pela sociedade dominante.[37]

Nesse processo, consolidaram-se diferentes formas de Umbanda, variando conforme região, liderança e orientação doutrinária, o que resultou em significativa diversidade interna. A pluralidade de práticas e interpretações impediu a formação de uma autoridade central ou de uma ortodoxia unificada, característica que permanece como um dos traços estruturantes da Umbanda contemporânea.[38]

Remove ads

Cosmovisão, crenças e entidades espirituais

Resumir
Perspectiva

A cosmovisão da Umbanda articula elementos oriundos de diferentes matrizes religiosas, combinando princípios do espiritismo kardecista, tradições africanas, catolicismo popular e cosmologias indígenas em uma estrutura religiosa plural e não dogmática.[39] Essa articulação resulta em múltiplas interpretações doutrinárias, que variam conforme o terreiro, a vertente adotada e a trajetória de seus dirigentes espirituais, inexistindo um corpo doutrinário centralizado ou uma ortodoxia unificada.[40]

Princípios gerais

De modo geral, a Umbanda reconhece a existência de um princípio criador supremo, frequentemente identificado com concepções monoteístas[nota 2] difundidas no cristianismo, ao mesmo tempo em que admite a manifestação de forças espirituais intermediárias responsáveis pela organização do cosmos e pela atuação no mundo material.[42] A crença na reencarnação e na evolução espiritual constitui um dos pilares comuns a diversas vertentes da Umbanda, aproximando-a conceitualmente do espiritismo kardecista.[43]

Outro princípio recorrente é a valorização da prática da caridade, entendida como orientação moral e como eixo das atividades religiosas. Essa noção, embora presente em diferentes tradições religiosas, adquire na Umbanda um significado específico, relacionado ao atendimento espiritual, ao aconselhamento e às práticas de cura simbólica realizadas nos terreiros.[44]

Mediunidade

A mediunidade ocupa posição central na Umbanda, sendo compreendida como a capacidade de comunicação entre o plano material e o espiritual. Diferentes tipos de mediunidade são reconhecidos, destacando-se a incorporação mediúnica, na qual entidades espirituais se manifestam por meio do corpo do médium durante os rituais.[45]

A prática mediúnica é geralmente regulada por normas internas de disciplina ritual e moral, que variam conforme a vertente adotada e a liderança religiosa local. O desenvolvimento mediúnico é concebido como um processo gradual, envolvendo aprendizado ritual, controle emocional e integração às normas do grupo religioso.[46]

Entidades espirituais

A Umbanda organiza seu panteão espiritual em categorias amplas de entidades, frequentemente denominadas “linhas” ou “falanges”, cuja classificação e nomenclatura podem variar significativamente entre os terreiros.[47] Entre as categorias mais recorrentes encontram-se os orixás, associados a forças da natureza e a princípios cósmicos, cuja presença na Umbanda reflete tanto influências africanas quanto processos de reelaboração simbólica ocorridos no contexto brasileiro.[48]

Os caboclos constituem entidades associadas a imagens idealizadas de populações indígenas, sendo frequentemente relacionados à força, à cura e à proteção espiritual. Os pretos-velhos, por sua vez, são representados como espíritos de africanos escravizados ou seus descendentes, simbolizando sabedoria, resistência e humildade.[49]

Outras categorias recorrentes incluem as entidades infantis, frequentemente denominadas crianças, associadas à pureza e à espontaneidade, bem como exus e pombajiras, entidades que ocupam posições complexas na cosmologia umbandista, relacionadas à comunicação, aos limites morais e às dinâmicas entre ordem e transgressão. A interpretação dessas entidades varia amplamente, sendo objeto de debates internos e externos à religião.[50]

Remove ads

Rituais, práticas e simbologias

Resumir
Perspectiva
Thumb
Pai Zezinho de Ogum, pai de santo do terreiro Tenda Espírita Vovó Maria Conga de Aruanda, a primeira instituição cadastrada no mapa de terreiros de umbanda do Rio de Janeiro

Os rituais da Umbanda constituem o principal espaço de articulação entre crenças, práticas mediúnicas e organização comunitária. Realizados em terreiros ou centros, esses rituais assumem formas variadas conforme a vertente adotada, a tradição local e a orientação dos dirigentes religiosos, inexistindo um modelo ritual único ou obrigatório.[51] Apesar da diversidade, certos elementos são amplamente compartilhados e permitem identificar padrões rituais recorrentes.

Sessões e giras

As cerimônias religiosas da Umbanda são frequentemente denominadas giras ou sessões espirituais. Durante essas práticas, médiuns incorporam entidades espirituais com o objetivo de prestar atendimento religioso aos participantes, oferecendo aconselhamento, passes espirituais e orientações simbólicas relacionadas a questões pessoais, familiares ou de saúde.[52]

As giras seguem uma organização ritual que pode incluir abertura com orações de inspiração cristã, execução de cânticos específicos, defumação do ambiente e encerramento com orientações morais e agradecimentos às entidades espirituais. A estrutura exata do ritual varia conforme o terreiro e sua filiação doutrinária.[53]

Mediunidade e incorporação

A incorporação mediúnica constitui uma das práticas centrais da Umbanda e refere-se à manifestação de entidades espirituais por meio do corpo do médium durante os rituais. Essa prática é compreendida como resultado de um processo de aprendizado e disciplina ritual, no qual o médium é orientado a desenvolver controle emocional e respeito às normas estabelecidas pela comunidade religiosa.[54]

A incorporação não é concebida, na maioria das vertentes umbandistas, como perda total de consciência, mas como um estado intermediário de percepção, cuja interpretação varia conforme a tradição religiosa adotada. Esse aspecto tem sido amplamente analisado por estudos antropológicos e sociológicos dedicados às religiões mediúnicas brasileiras.[55]

Cânticos, música e instrumentos

Os pontos cantados constituem elemento central dos rituais da Umbanda. Esses cânticos possuem função ritual, simbólica e pedagógica, sendo utilizados para invocar entidades espirituais, organizar o andamento das giras e transmitir valores morais e narrativas religiosas.[56]

A música ritual é frequentemente acompanhada por instrumentos de percussão, especialmente atabaques, cuja utilização reflete influências africanas reelaboradas no contexto urbano brasileiro. A presença ou ausência de instrumentos musicais varia conforme a vertente da Umbanda e suas orientações simbólicas e doutrinárias.[57]

Objetos rituais e elementos simbólicos

Thumb
Tenda espírita Vovó Maria Conga de Aruanda, no Estácio, que foi a primeira instituição cadastrada no mapa de terreiros de umbanda da cidade do Rio de Janeiro

Diversos objetos e elementos simbólicos são empregados nos rituais umbandistas, desempenhando funções específicas dentro da lógica religiosa do culto. Entre eles destacam-se velas, guias (colares ritualísticos), imagens religiosas, ervas, incensos e bebidas ritualizadas, cuja interpretação e uso variam conforme o contexto ritual e a entidade espiritual invocada.[58]

A defumação, realizada por meio da queima de ervas e resinas, é empregada com a finalidade simbólica de purificação do ambiente ritual e dos participantes. Já as guias funcionam como marcadores identitários e instrumentos de proteção simbólica, sendo consagradas de acordo com princípios religiosos específicos de cada terreiro.[59]

Remove ads

Organização social e estrutura religiosa

Resumir
Perspectiva

A Umbanda caracteriza-se por uma organização social descentralizada e plural, estruturada fundamentalmente em torno de terreiros ou centros religiosos autônomos. Diferentemente de religiões institucionalizadas com hierarquias centralizadas, a Umbanda não possui um órgão máximo de autoridade doutrinária ou administrativa, o que resulta em ampla diversidade de práticas, normas internas e interpretações religiosas.[60]

Essa descentralização permite forte adaptação às realidades locais, mas também produz tensões relacionadas à definição de legitimidade religiosa, à padronização ritual e às tentativas de representação institucional da Umbanda no espaço público.[61]

Terreiros e centros

Thumb
Vista de um Congá

Os terreiros ou centros constituem a principal unidade organizacional da Umbanda. Esses espaços funcionam simultaneamente como locais de culto, atendimento religioso e sociabilidade comunitária. Sua estrutura física e simbólica varia conforme a tradição adotada, podendo incluir altares, imagens religiosas, elementos naturais e áreas destinadas às práticas rituais e mediúnicas.[62]

A autonomia dos terreiros implica que cada comunidade religiosa define suas normas internas, calendário ritual, critérios de pertencimento e orientações doutrinárias. Essa característica favorece a multiplicidade de estilos religiosos, ao mesmo tempo em que dificulta a definição de uma identidade institucional única para a Umbanda.[63]

Lideranças religiosas e hierarquia

Thumb
Maria da Guia, médium do terreiro Tenda Espírita Vovó Maria Conga de Aruanda

A condução dos terreiros é geralmente exercida por líderes religiosos conhecidos como pais ou mães de santo, responsáveis pela organização ritual, orientação doutrinária e administração do espaço religioso. A autoridade desses dirigentes fundamenta-se tanto em sua experiência mediúnica quanto no reconhecimento simbólico conferido pela comunidade religiosa.[64]

A hierarquia interna dos terreiros inclui diferentes funções rituais e administrativas, como cambonos, ogãs e médiuns em distintos estágios de desenvolvimento. A progressão hierárquica é determinada por critérios internos, que podem envolver tempo de participação, compromisso ético e domínio das práticas rituais.[65]

Federações e associações

Ao longo do século XX, foram criadas diversas federações e associações umbandistas, especialmente em grandes centros urbanos, com o objetivo de representar a religião perante o Estado e a sociedade civil. Essas organizações buscaram promover reconhecimento legal, defender a liberdade religiosa e combater a estigmatização associada às práticas de matriz africana.[66]

Apesar dessas iniciativas, a adesão dos terreiros às federações sempre foi limitada e heterogênea. Muitos centros mantiveram sua autonomia e resistiram à padronização ritual ou doutrinária, o que reforça o caráter plural e fragmentado do campo umbandista.[67]

Remove ads

Diversidade interna e vertentes da Umbanda

Resumir
Perspectiva
Thumb
Vertentes da Umbanda

A Umbanda caracteriza-se por elevada diversidade interna, expressa em diferentes estilos rituais, orientações doutrinárias e formas organizacionais. Essa pluralidade decorre de seu processo histórico de formação descentralizada, da autonomia dos terreiros e da incorporação seletiva de elementos provenientes de distintas tradições religiosas, como as religiões afro-brasileiras, o espiritismo kardecista, o catolicismo popular e correntes esotéricas.[68]

Não existe consenso acadêmico ou religioso quanto a uma tipologia única e definitiva das vertentes umbandistas. As classificações empregadas por pesquisadores funcionam, em geral, como instrumentos analíticos destinados a compreender tendências históricas e disputas simbólicas no interior do campo religioso, e não como categorias rígidas ou universalmente reconhecidas pelos praticantes.[69]

A denominação Umbanda popular é utilizada por pesquisadores para descrever práticas rituais mais próximas de tradições afro-brasileiras e populares. Nessas expressões, observa-se a valorização da incorporação mediúnica, o uso de atabaques, cânticos de matriz africana ou africanizada e a centralidade da atuação das entidades espirituais na vida cotidiana dos praticantes.[70]

Essa orientação ritual enfatiza a proteção espiritual, a cura simbólica e a resolução de conflitos cotidianos, refletindo continuidades com práticas religiosas historicamente marginalizadas e reprimidas no espaço urbano brasileiro.[71]

Umbanda branca

O termo Umbanda branca é empregado para designar vertentes que privilegiam referenciais do espiritismo kardecista e do cristianismo, frequentemente reinterpretando ou atenuando elementos associados às tradições africanas. Essas expressões tendem a enfatizar valores morais universalistas, racionalização discursiva da mediunidade e maior formalização ritual.[72]

Estudos antropológicos e sociológicos apontam que essas vertentes estiveram historicamente associadas a processos de branqueamento simbólico, nos quais referências culturais africanas foram minimizadas como estratégia de enfrentamento ao estigma social, à repressão estatal e à discriminação religiosa.[73]

Umbanda esotérica

A chamada Umbanda esotérica desenvolveu-se sobretudo a partir da incorporação de sistemas simbólicos do esoterismo ocidental, como teosofia, ocultismo e astrologia. Nessa orientação, os rituais e entidades espirituais são frequentemente reinterpretados à luz de doutrinas espiritualistas universalistas, e os orixás passam a ser compreendidos como princípios cósmicos, arquétipos ou forças energéticas.[74]

Essa vertente caracteriza-se por maior grau de sistematização doutrinária e produção escrita, embora sua difusão seja mais restrita e concentrada em determinados segmentos urbanos.[75]

Umbanda Omolocô e processos de africanização

A Umbanda Omolocô é descrita pela literatura especializada como uma vertente marcada pela reaproximação explícita com tradições africanas, especialmente aquelas associadas ao culto aos orixás. Essa orientação combina elementos rituais e cosmológicos da Umbanda com práticas oriundas do candomblé, constituindo um exemplo dos processos de africanização observados no campo umbandista.[76]

Variações contemporâneas

Além dessas tipologias mais recorrentes na literatura acadêmica, existem diversas variações contemporâneas e experiências religiosas locais, frequentemente associadas a lideranças específicas, trajetórias regionais ou propostas doutrinárias particulares. Entre essas experiências encontram-se expressões que incorporam elementos do esoterismo, de tradições orientais ou de outros movimentos religiosos brasileiros.[77]

Pesquisadores ressaltam, contudo, que essas classificações não esgotam a diversidade efetivamente praticada nos terreiros, uma vez que cada comunidade religiosa desenvolve tradições próprias, frequentemente combinando diferentes influências rituais e doutrinárias. Essa multiplicidade reforça a compreensão da Umbanda como um campo religioso dinâmico, heterogêneo e em permanente transformação.[78]

Remove ads

Distribuição geográfica e perfil sociológico

Resumir
Perspectiva

A Umbanda apresenta ampla distribuição geográfica no Brasil, com maior concentração histórica nas regiões Sudeste e Sul, especialmente em áreas urbanas e metropolitanas. Sua difusão está relacionada a processos de urbanização, migração interna e reorganização das práticas religiosas populares ao longo do século XX.[79]

Embora a Umbanda esteja presente em todas as regiões do país, sua visibilidade institucional e numérica varia de acordo com contextos regionais, trajetórias locais de organização religiosa e níveis diferenciados de reconhecimento público das religiões de matriz africana.[80]

Presença regional

No Sudeste, particularmente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a Umbanda consolidou-se precocemente como expressão religiosa urbana, articulando-se com centros espíritas, associações religiosas e federações umbandistas ao longo do século XX.[81] No Sul do país, a religião também se difundiu de forma significativa, adaptando-se a contextos culturais locais e estabelecendo relações específicas com outras tradições religiosas presentes na região.[82]

Nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, a presença da Umbanda ocorre de maneira mais heterogênea, frequentemente coexistindo com outras religiões afro-brasileiras, como o candomblé, além de práticas religiosas populares e indígenas. Nessas regiões, as dinâmicas locais de religiosidade influenciam fortemente as formas de organização e expressão da Umbanda.[83]

Dados censitários e limites estatísticos

A mensuração do número de adeptos da Umbanda apresenta desafios metodológicos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obtidos por meio dos censos demográficos, costumam agrupar a Umbanda na categoria mais ampla de religiões afro-brasileiras, dificultando a distinção precisa entre diferentes tradições religiosas.[84]

Pesquisadores destacam que a subnotificação é recorrente, uma vez que praticantes podem declarar pertencimento a outras religiões ou optar por não declarar sua filiação religiosa, em razão do estigma social e da discriminação associada às religiões de matriz africana.[85]

Perfil sociológico dos praticantes

Estudos sociológicos indicam que a Umbanda apresenta perfil social heterogêneo, reunindo praticantes de diferentes origens sociais, raciais e níveis de escolaridade. Historicamente associada às camadas populares urbanas, a religião também atraiu segmentos das classes médias, especialmente em vertentes influenciadas pelo espiritismo kardecista.[86]

Pesquisas apontam ainda a significativa participação de mulheres na organização e na condução dos terreiros, bem como a presença expressiva de pessoas negras e pardas entre seus adeptos, embora essas características variem conforme a região e a vertente religiosa considerada.[87]

Remove ads

Perseguição, criminalização e racismo religioso

Resumir
Perspectiva

A Umbanda, assim como outras religiões de matriz africana, esteve historicamente associada a processos de perseguição, criminalização e estigmatização social no Brasil. Essas práticas se relacionam tanto a políticas de Estado quanto a discursos médicos, jurídicos e religiosos que classificaram manifestações religiosas populares como formas de superstição, feitiçaria ou desvio moral.[88] A repressão à Umbanda deve ser compreendida no contexto mais amplo do racismo estrutural e da marginalização histórica de populações negras e indígenas, cujas expressões religiosas foram sistematicamente deslegitimadas ao longo dos séculos XIX e XX.[89]

Durante grande parte do século XX, práticas associadas à Umbanda foram enquadradas em dispositivos legais que criminalizavam o curandeirismo, o charlatanismo e a prática de “magia”, previstos em códigos penais e regulamentos policiais.[90] Na chamada Era Vargas, a repressão se intensificou: uma legislação de 1934 colocou cultos afro-brasileiros sob a jurisdição de órgãos policiais especializados, exigindo registro específico para funcionamento de terreiros e centros religiosos. Nesse período, diversos grupos se mantiveram na clandestinidade ou passaram a registrar-se como “espiritistas”, procurando omitir referências explícitas às tradições africanas.[91]

A Constituição de 1946, aprovada após o fim do Estado Novo, incorporou dispositivos mais explícitos de garantia da liberdade de culto, resultado de articulações de distintos setores políticos e religiosos. Integraram esse processo parlamentares como Jorge Amado, então deputado federal, que defenderam maior proteção jurídica às minorias religiosas.[92] Ainda assim, formas institucionais e informais de repressão a terreiros continuaram a ser registradas nas décadas seguintes.[93]

Intolerância religiosa e fundamentalismo cristão

A partir da segunda metade do século XX, a perseguição à Umbanda passou a se expressar de maneira mais intensa por meio de discursos religiosos que associam práticas de matriz africana a entidades demoníacas. Pesquisas apontam que segmentos do protestantismo neopentecostal tiveram papel relevante na difusão de representações negativas da Umbanda e do Candomblé, frequentemente classificando suas entidades espirituais como “espíritos malignos”.[94]

Um dos exemplos mais citados na literatura é o livro Orixás, Caboclos e Guias: deuses ou demônios?, de autoria de Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, publicado originalmente em 1997. A obra apresenta Umbanda e Candomblé como manifestações demoníacas, buscando justificar práticas de “exorcismo” adotadas por determinados grupos neopentecostais.[95] Em 2005, uma decisão judicial determinou a retirada da obra de circulação devido a seu teor considerado discriminatório em relação às religiões afro-brasileiras; a decisão, contudo, foi posteriormente revista por instâncias superiores com base no princípio da liberdade de expressão.[96][97]

Perseguição contemporânea e narcopentecostalismo

No início do século XXI, estudos e reportagens passaram a registrar episódios de violência contra terreiros de Umbanda e Candomblé em contextos marcados pela atuação de facções criminosas que adotam retórica e simbologia cristã pentecostal. Esse fenômeno tem sido descrito por parte da literatura jornalística e acadêmica como narcopentecostalismo, em referência à convergência entre controle territorial armado, comércio ilícito e imposição de uma ideologia religiosa fundamentalista.[98]

Casos de fechamento forçado de terreiros, destruição de imagens e intimidação de lideranças religiosas foram noticiados em diferentes estados brasileiros, com destaque para o Rio de Janeiro e o Ceará. Em alguns desses contextos, grupos armados passaram a proibir explicitamente a realização de cultos de matriz africana em áreas sob seu controle, enquanto estimulavam ou toleravam práticas de inspiração pentecostal, transformando disputas territoriais em conflitos que também assumem dimensões religiosas.[99][100]

Levantamentos recentes de organizações da sociedade civil indicam que episódios de racismo religioso contra terreiros são amplamente distribuídos pelo território nacional. Pesquisa realizada em 2025 pela Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (Renafro), apresentada a organismos internacionais, apontou que a maioria dos terreiros consultados relatou ter sido alvo de ameaças, depredações ou outros tipos de violência em um período de dois anos, o que reforça o caráter sistêmico da perseguição contemporânea às religiões de matriz africana.[101]

Racismo religioso

O conceito de racismo religioso tem sido empregado por pesquisadores e movimentos sociais para descrever a especificidade das discriminações dirigidas às religiões de matriz africana. Diferentemente de formas genéricas de intolerância religiosa, o racismo religioso articula dimensões raciais, culturais e religiosas, atingindo práticas associadas à população negra e aos seus modos de organização simbólica.[102] Nesse sentido, a perseguição à Umbanda é interpretada não apenas como conflito religioso, mas como expressão de desigualdades raciais historicamente constituídas, que se manifestam na negação de legitimidade, na violência simbólica e na restrição de direitos culturais e religiosos.[103]

Remove ads

Umbanda na cultura brasileira

Resumir
Perspectiva

A Umbanda exerceu influência significativa na cultura brasileira, especialmente nos campos da música, da literatura, das artes visuais e das manifestações populares. Enquanto expressão religiosa surgida em contextos urbanos e marcada pelo sincretismo, a Umbanda contribuiu para a elaboração de linguagens simbólicas que dialogam com questões de identidade nacional, religiosidade popular e relações raciais no Brasil.[104]

A presença da Umbanda no campo cultural não se limita à representação direta de rituais ou entidades espirituais, mas envolve também apropriações simbólicas, releituras artísticas e disputas de sentido em torno das religiões de matriz africana no espaço público.[105]

Elementos simbólicos da Umbanda aparecem de forma recorrente na música popular brasileira, especialmente em gêneros como o samba e a MPB. Pontos cantados, referências a orixás, caboclos e pretos-velhos, bem como imagens relacionadas a terreiros e práticas rituais, foram incorporados por compositores e intérpretes ao longo do século XX.[106]

Essas referências musicais contribuíram para a circulação pública de símbolos da Umbanda, ao mesmo tempo em que suscitaram debates sobre apropriação cultural, visibilidade religiosa e estigmatização das tradições afro-brasileiras.[107]

Literatura e artes visuais

Na literatura brasileira, temas associados à Umbanda e a outras religiões de matriz africana aparecem em obras que exploram a religiosidade popular, a experiência urbana e as tensões raciais. Autores e autoras utilizaram referências simbólicas da Umbanda como recurso narrativo para discutir identidade, memória e pertencimento.[108]

Nas artes visuais, elementos rituais e entidades espirituais foram representados em pinturas, esculturas, fotografias e produções audiovisuais, muitas vezes articulando estética, espiritualidade e crítica social. Essas representações variam entre abordagens devocionais, documentais e artísticas, refletindo a diversidade de leituras sobre a Umbanda no campo cultural.[109]

Patrimônio cultural e reconhecimento público

No início do século XXI, diferentes iniciativas de reconhecimento da Umbanda como patrimônio cultural imaterial foram desenvolvidas em âmbitos municipal, estadual e federal. Em 2016, por exemplo, o município do Rio de Janeiro declarou a Umbanda patrimônio imaterial da cidade, a partir de estudos conduzidos pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), que destacaram a importância das práticas umbandistas na formação da cultura urbana carioca.[110]

Órgãos federais de preservação, como o Iphan, desenvolveram inventários e estudos sobre terreiros de Umbanda em diferentes regiões do país, com vistas à sua inclusão em registros de referências culturais, reforçando o papel da religião como componente da diversidade cultural brasileira.[111]

Interpretações teológicas e intelectuais

Diversos autores de diferentes tradições religiosas e correntes intelectuais interpretaram a Umbanda como expressão relevante da religiosidade e da identidade cultural brasileiras. No campo da Teologia da libertação, por exemplo, o teólogo Leonardo Boff descreveu a religião como uma forma de síntese simbólica entre matrizes africanas, europeias e indígenas, enfatizando o protagonismo de grupos populares e marginalizados em sua organização e prática cotidiana.[112]

Diplomatas, escritores e intelectuais laicos também produziram obras em que a Umbanda aparece como componente da diversidade cultural brasileira, associada a debates sobre identidade nacional, sincretismo religioso e pluralismo.[113]

Diversidade sexual e gênero

Estudos sobre gênero e religião indicam que, em diferentes contextos, terreiros de Umbanda constituem espaços relativamente abertos à participação de pessoas LGBTQIAPN+ em comparação com segmentos mais conservadores do campo religioso brasileiro. Pesquisas qualitativas apontam a presença significativa de homens e mulheres não heterossexuais em funções de liderança religiosa, como pais e mães de santo, além de sua atuação como médiuns, cambonos e ogãs.[114]

A literatura especializada ressalta, contudo, que essa abertura não é uniforme em todos os terreiros, variando conforme trajetórias locais, orientações doutrinárias e relações com outras tradições religiosas. Em alguns casos, a valorização da diversidade sexual é articulada explicitamente a discursos de combate ao racismo religioso e à discriminação institucional.[115]

Remove ads

Estudos acadêmicos e historiografia

Resumir
Perspectiva

A Umbanda tem sido objeto de estudos acadêmicos desde meados do século XX, especialmente nos campos da antropologia, da sociologia, da história e dos estudos da religião. As primeiras abordagens sistemáticas surgiram no contexto de pesquisas sobre religiões afro-brasileiras e religiosidade popular, frequentemente influenciadas por perspectivas evolucionistas ou funcionalistas, que buscavam classificar essas práticas a partir de categorias externas às próprias tradições religiosas.[116]

A partir das décadas de 1970 e 1980, a produção acadêmica passou a adotar enfoques mais atentos às dimensões históricas, simbólicas e políticas da Umbanda, reconhecendo-a como fenômeno religioso dinâmico, marcado por disputas identitárias, estratégias de legitimação social e processos de reelaboração cultural. Estudos antropológicos destacaram a diversidade interna da Umbanda e a centralidade da experiência mediúnica, enquanto análises sociológicas enfatizaram sua relação com urbanização, estratificação social e racismo estrutural.[117][118]

Pesquisas historiográficas mais recentes problematizam narrativas fundacionais e abordam a Umbanda como resultado de processos históricos de longa duração, articulando colonialismo, escravidão, pós-abolição, urbanização e circulação de saberes religiosos no Brasil. Nessa perspectiva, eventos tradicionalmente apresentados como marcos de origem são analisados como construções simbólicas posteriores, fundamentais para a consolidação identitária da religião, mas não necessariamente como fatos documentais isolados.[119]

Além disso, pesquisas contemporâneas têm incorporado debates sobre patrimônio cultural, memória religiosa, intolerância e racismo religioso, ampliando o campo de análise da Umbanda para além da esfera estritamente ritual. Esses estudos contribuem para compreender a religião como parte integrante da história social e cultural brasileira, inserida em disputas mais amplas por reconhecimento, direitos culturais e pluralismo religioso.[120]

Remove ads

Críticas e debates internos

As relações entre a Umbanda e outras religiões de matriz africana, como o Candomblé, são marcadas tanto por aproximações quanto por críticas mútuas. Setores candomblecistas mais ligados a formas tradicionais de culto aos orixás criticam determinadas expressões da Umbanda por considerá-las excessivamente sincréticas ou superficiais em relação aos ritos e saberes associados às tradições africanas.[121]

Entre os pontos de tensão apontados por esses críticos estão a não separação nítida entre culto a orixás e culto a espíritos de mortos, a simplificação de complexos sistemas rituais e a adoção de referências doutrinárias oriundas do espiritismo kardecista. Pesquisadores observam que essas críticas refletem disputas por legitimidade, autoridade ritual e definição de autenticidade no campo mais amplo das religiões afro-brasileiras.[122]

Remove ads

Ver também

Notas

  1. As interpretações etimológicas de caráter religioso refletem disputas identitárias e estratégias de legitimação simbólica presentes na história da Umbanda, sendo objeto de análise por estudos antropológicos e historiográficos.
  2. Nos terreiros marcadamente influenciados pelo Catolicismo, Deus continua sendo representado pela Santíssima Trindade. Neste caso, a Trindade é representada por Olorum sendo a comunhão entre o Pai, neste caso Obatalá; o Filho Jesus Cristo, neste caso Oxalá; e Espírito Santo, representado por Ifá.[41]
            Loading related searches...

            Wikiwand - on

            Seamless Wikipedia browsing. On steroids.

            Remove ads