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Centralismo
sistema de organização estatal cujas decisões do governo são únicas e emanam de um mesmo centro Da Wikipédia, a enciclopédia livre
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Centralismo é um princípio de organização política, administrativa ou partidária que concentra a autoridade decisória em um órgão ou instância central, em detrimento da autonomia de unidades locais, regionais ou periféricas.
Em termos gerais, refere-se à predominância de um centro, seja ele o governo nacional, uma cúpula dirigente ou um núcleo organizacional, sobre instâncias subordinadas, que ficam com poderes reduzidos ou meramente executivos. O conceito se opõe a arranjos de descentralização e federalismo, que distribuem o poder de decisão entre diferentes níveis ou entidades.
Tradicionalmente centralista é a França, por exemplo, cujas subdivisões geográficas (arrondissements) têm pouca autonomia. Também são organizados de maneira centralizada a Grécia, Luxemburgo, Portugal, Suécia e Japão. Federalistas são os Estados Unidos da América, o Brasil, o Canadá, a Alemanha, a Áustria e a Suíça. Os entes que compõem essas federações têm diferentes nomes (estados, na Alemanha e na Áustria; cantões, na Suíça; comunidades autônomas, na Espanha; países, no caso do Reino Unido).
No entanto, todos os governos constituídos são, em algum grau, necessariamente centralizados. Mesmo num estado federado, a autoridade e as prerrogativas do poder central estão acima da autoridade e prerrogativas das partes que o constituem.
O conceito de centralismo democrático é uma teoria específica, com características próprias que o diferenciam do conceito geral de centralismo.[nota 1]
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Origens e usos teóricos
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Perspectiva
A discussão sobre centralização política e administrativa remonta às reflexões clássicas sobre o Estado moderno. Em O Leviatã (1651), Thomas Hobbes defendeu a necessidade de concentrar a autoridade no soberano como forma de evitar a guerra de todos contra todos, apresentando a centralização como condição de estabilidade política.[1]
No século XIX, Alexis de Tocqueville identificou na centralização administrativa um risco para a vitalidade da democracia local. Em A democracia na América (1835), argumentou que sociedades democráticas tendem à centralização do poder, mas advertiu que o fortalecimento de instituições locais seria um contrapeso essencial para preservar a participação cidadã.[2]
Na sociologia clássica, Max Weber analisou a burocracia moderna como expressão da racionalização administrativa. Para Weber, a concentração de competências e a hierarquia de autoridade eram elementos necessários para a previsibilidade e eficiência do Estado, mas também produziam riscos de dominação excessiva.[3]
A literatura de ciência política mais recente passou a examinar comparativamente os efeitos da centralização e da descentralização em sistemas federativos. Em obra de 1987, Daniel Elazar destacou que a centralização não é incompatível com formas federativas, já que mesmo em federações existem mecanismos de coordenação que limitam a autonomia dos entes subnacionais.[4] Este autor observou, no entanto, que federações excessivamente centralizadas limitam a autonomia dos entes subnacionais e tendem a gerar dependência financeira em relação ao governo central.
Autores como Jean-Paul Faguet, Liesbet Hooghe e Gary Marks investigaram como pressões históricas, econômicas e políticas explicam a persistência da centralização mesmo em contextos de descentralização formal. Faguet buscou explicar por que Estados mantêm mecanismos centralizadores em ambientes de heterogeneidade regional através de um modelo histórico chamado centralização primitiva,[5] enquanto Hooghe e Marks analisaram a coexistência de tendências centralizadoras e descentralizadoras nas democracias contemporâneas sob o conceito de governança multinível.[6] Acemoglu, Robinson e Torvik elaboraram um modelo teórico para mostrar como agendas políticas podem reforçar a centralização estatal mesmo em ambientes democráticos.[7] Estudos de Boffa, Piolatto e Ponzetto investigaram as relações entre centralização política e accountability governamental.[8]
Centralismo no Brasil
No caso brasileiro, a literatura especializada destaca que, apesar do desenho federativo estabelecido pela Constituição de 1988, o país apresenta características de um “federalismo centralizado”. A cientista política Marta Arretche sustenta que, embora a Carta de 1988 tenha ampliado a autonomia dos municípios e descentralizado a provisão de serviços sociais, a União manteve capacidade significativa de regulação e de coordenação por meio do controle sobre recursos fiscais e da imposição de regras uniformes. Para a autora, “a autonomia subnacional não significou ausência de coordenação nacional, mas a criação de um federalismo em que o centro preserva instrumentos decisivos de indução”.[9]
Em trabalhos anteriores, Arretche já havia discutido como o modelo brasileiro de federalismo resulta de barganhas políticas em torno da tributação e das transferências, concluindo que a União conserva papel predominante na definição de políticas e na regulação de gastos.[10][11][12]. Em pesquisa empírica posterior, em coautoria com Rogério Schlegel e Diogo Ferrari, mostrou ainda que a população brasileira tende a valorizar simultaneamente a autonomia estadual e a uniformidade nacional na provisão de serviços públicos, o que reforça a legitimidade social de mecanismos de centralização.[13]
Outros estudos brasileiros também apontam limites e impasses da descentralização político-administrativa. Felicíssimo analisou as dificuldades de implementação de dispositivos constitucionais que buscavam descentralizar competências, evidenciando o peso do controle central.[14] Celina Souza destacou que, embora a descentralização tenha sido considerada condição para a democratização, a permanência de estruturas centralizadas no financiamento e regulação das políticas limitou a efetiva autonomia local.[15] Pesquisas sobre a dinâmica da criação de municípios, especialmente na região Norte, mostram como o impulso descentralizador convive com forte dependência de transferências federais, configurando um padrão de centralização de fato.[16]
O centralismo no Brasil manifesta-se tanto no plano normativo, pela edição de leis federais que uniformizam padrões de políticas públicas, quanto no plano fiscal, pela elevada concentração de recursos tributários na União. Embora haja descentralização formal na execução de políticas, a literatura aponta que essa descentralização se dá sob forte regulação e indução central, o que caracteriza o modelo como híbrido entre autonomia subnacional e centralização nacional.
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Notas
- não se deve confundir desconcentração com descentralização. A desconcentração corresponde a uma simples delegação de competências, enquanto que a descentralização é uma verdadeira transferência de competências ou de poderes de um ente de direito público para outro.Vie publique. Les collectivités territoriales. Qu’est-ce que la décentralisation, 11.04.2012.
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Ver também
Referências
- Hobbes, Thomas. (2003) [1651] Leviatã. São Paulo: Martins Fontes.
- Tocqueville, Alexis de. (2005) [1835] A democracia na América. São Paulo: Martins Fontes.
- Weber, Max. (1999) [1922]. Economia e sociedade. Brasília: Editora UnB.
- Elazar, Daniel. (1987) Exploring federalism. Tuscaloosa: University of Alabama Press.
- Faguet, Jean-Paul. (2013) Why so much centralization? A model of primitive centralization. London School of Economics, Working Paper.
- Hooghe, Liesbet; Marks, Gary. (2003) Unraveling the Central State, but How? Types of Multilevel Governing. American Political Science Review, 97(2) p. 233-243.
- Acemoglu, Daron; Robinson, James A.; Torvik, Ragnar. (2020) The Political Agenda Effect and State Centralization. Journal of Comparative Economics, 48(1), p. 19-43.
- Boffa, Federico; Piolatto, Amedeo; Ponzetto, Giacomo A. (2016) Political Centralization and Government Accountability. Quarterly Journal of Economics, 131(1), p. 381-422.
- Arretche, Marta. (2020) Um federalismo centralizado. Blog DADOS – Revista de Ciências Sociais, [publicado em 25 março de 2020].
- Arretche, Marta & Rodden, Jonathan. (2004) Política distributiva na Federação: estratégias eleitorais, barganhas legislativas e coalizões de governo. DADOS – Revista de Ciências Sociais, 47(3), p. 549-576.
- Arretche, Marta. Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.
- Arretche, Marta (2012) Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro. Editora FGV/Editora Fiocruz.
- Arretche, Marta; Schlegel, Rogério; Ferrari, Diogo. (2024) O que Pensa o Brasileiro sobre a Federação? Centralização e Crise de Confiança pós-2013. Dados, 67(3): e20220104
- Felicíssimo, José Roberto. (1992) Os impasses da descentralização político-administrativa. 'Revista de Administração de Empresas, 32(4), p. 60-72.
- Souza, Celina. (1998) Constituição de 1988, descentralização e federalismo: mais poder para os municípios?. Dados, 44(3), p. 513-560.
- Rocha, Gilberto de Miranda (2014) A dinâmica de centralização e descentralização política e administrativa e a revisão da malha territorial municipal da Região Norte do Brasil (1988-2010). Confins – Revista franco-brasileira de geografia, n. 22. DOI: 10.4000/confins.9801
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