Ceará
unidade federativa do Brasil / De Wikipedia, a enciclopédia encyclopedia
O Ceará é uma das 27 unidades federativas do Brasil. Está situado no norte da Região Nordeste e tem por limites o Oceano Atlântico a norte e nordeste, Rio Grande do Norte e Paraíba a leste, Pernambuco ao sul e Piauí a oeste. Sua área total é de 148 894,442 km²,[2] ou 9,37% da área do Nordeste e 1,74% da superfície do Brasil. A população estimada do estado para 1.° de julho de 2021 era de 9 240 580 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),[2] sendo o oitavo estado mais populoso do país.[8]
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A capital e município mais populoso é Fortaleza, sede da Região Metropolitana de Fortaleza. Outras cidades importantes fora da Região Metropolitana de Fortaleza são: Juazeiro do Norte e Crato, na Região Metropolitana do Cariri; Sobral, sede da Região Metropolitana de Sobral; Itapipoca, na região norte; Iguatu, na região centro-sul; Aracati, na região do Vale do Jaguaribe; e Quixadá, Iguatu e Crateús na região dos Sertões Cearenses. Na Região Metropolitana de Fortaleza, cidades importantes como Caucaia, Horizonte, Maranguape e Maracanaú, sede do Complexo Industrial e Portuário do Pecém, incrementam o Produto Interno Bruto cearense. O estado possui ao todo 184 municípios.[8]
O estado é conhecido nacionalmente pela beleza de seu litoral, pela religiosidade popular e pela fama de ser grande berço de talentos do humor. A jangada, ainda comum ao longo da costa, é considerada um dos maiores símbolos do povo e da cultura cearenses.[9] O Ceará concentra 55% de toda caatinga do Brasil e é o único estado do Nordeste-Sudeste a estar completamente inserido na sub-região do sertão. Décimo primeiro estado mais rico do país e o terceiro do Nordeste, o Ceará apresentava, em 2010, a melhor qualidade de vida do Norte-Nordeste, segundo a FIRJAN,[10] além do segundo melhor Índice de Desenvolvimento Humano da região.[11] O Ceará abriga um dos maiores parques aquáticos da América Latina,[12] o Beach Park, na praia do Porto das Dunas, que recebe cerca de 1,3 milhão de visitantes por ano,[12] e o quarto maior estádio de futebol do Brasil, o Estádio Governador Plácido Castelo (Castelão), que tem capacidade para mais de 64 000 torcedores.
Terra de escritores como José de Alencar, Rachel de Queiroz, Patativa do Assaré, Juvenal Galeno, de Dom Hélder Câmara, Clóvis Beviláqua, Castelo Branco e de Padre Cícero, o "cearense do século".[13] O Ceará também revelou Chico Anysio, Renato Aragão e Tom Cavalcante, considerados os maiores humoristas do país;[14] atores e cineastas famosos como José Wilker, Gero Camilo, Luiza Tomé e Karim Aïnouz; além de nomes de destaque das ciências exatas, como Casimiro Montenegro Filho, Fernando de Mendonça, Maurício Peixoto, Cláudio Lenz Cesar, dentre muitos. O Ceará também é conhecido como "Terra da Luz", numa referência à grande quantidade de dias ensolarados, mas que, principalmente, remonta ao fato de o estado ter sido o primeiro da federação a abolir a escravidão, em 1884, quatro anos antes da Lei Áurea. Por esse fato, o jornalista José do Patrocínio cunhou o título de "a terra da luz" ao Ceará.[15]
O documento mais antigo que traz o topônimo Ceará é datado de 1608.[16] Antes dessa data, a área que hoje é o Ceará era conhecido com Baia de Macoripe.[17]
Autores antigos atribuem historicamente ao topônimo ceará várias acepções, porém a mais conhecida e aceita diz significar "o cantar da jandaia". Segundo Manuel Ayres de Casal, ceará é nome composto de cemo — cantar forte, clamar — e ara — pequena arara — em língua tupi. Tal tese foi posteriormente confirmada e enriquecida pelo escritor José de Alencar.[18]
Embora o pensamento de José de Alencar acerca da origem do nome seja o mais sólido, João Mendes de Almeida Júnior o acusava de ser por demais poético em sua definição, "(...) mais consoante com o sentir de quem tão belamente descreve a sua terra natal como um país de primores, onde canta a jandaia nos galhos da carnaúba", e a classificava como carente de confirmação filológica. Mendes de Almeida lembrava, ainda, de alternativas a essa interpretação, como a de Senador Pompeu, que faz referência à junção de cemo-ará a partir de uma variante da língua tupi, cujo significado seria "rio nascente da serra", indicando o rio que nasce na Serra de Baturité e que deságua junto à Vila Velha, local onde foram lançados os primeiros fundamentos da capital cearense.[18]
Outra definição alternativa apontada por Mendes de Almeida é a de Antônio Bezerra, que afirma que o nome surgiu a partir das características da paisagem cearense, banhada pelo Oceano Atlântico e abundante de grandes tabuleiros costeiros e dunas, supostamente semelhante à paisagem dos "campos do continente negro", referindo-se à grande região desértica do Saara. Mendes de Almeida fez, também, um apanhado de registros de expedições pelo território e de livros históricos, como os de Vicente do Salvador e Caspar Barlaeus, na busca de variantes da escrita de ceará, sem, contudo, encontrar nelas alguma pista para uma definição mais exata que a do autor de Iracema. João Brígido afirmava, ainda, que o nome do estado derivaria da corruptela de Siri-ará, também de raiz tupi, em alusão aos caranguejos brancos do litoral.[18]
Povos nativos e colonização europeia
O Ceará era habitado ancestralmente por povos indígenas dos troncos Tupi (Tabajara, Potyguara, Tapeba, entre outros) e Jê (Kariri, Inhamum, Jucá, Kanindé, Tremembé, Karatius, entre outros), cujas tribos ainda hoje denominam vários topônimos no estado.[19]
De acordo com algumas teorias, o navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón teria desembarcado na costa cearense — e não no Cabo de Santo Agostinho em Pernambuco como diz a versão tradicional — antes da viagem de Pedro Álvares Cabral ao Brasil.[20][21] Pinzón chegou a um cabo identificado como Porto Formoso, que se acredita ser o Mucuripe, e Diego de Lepe, à barra do rio Ceará, em Fortaleza. A chegada de Pinzón ao Ceará é debatida e defendida entre as possibilidades do controverso descobrimento pré-cabralino do Brasil.[22][23][24] Essas descobertas, contudo, não puderam ser reivindicadas pela Espanha em decorrência do Tratado de Tordesilhas, de 1494.[25]
As terras equivalentes à Capitania do Ceará foram doadas em 20 de novembro de 1535 ao provedor-mor da Fazenda Real, Antônio Cardoso de Barros, subalterno de Fernão Álvares de Andrade e de D. Antônio de Ataíde. Porém, Antônio Cardoso não se interessou em colonizá-las.[26] Os franceses, que já negociavam âmbar-gris, as tatajubas, a pimenta e o algodão nativo com os povos indígenas, foram os primeiros europeus a se estabelecerem no Ceará.[27] Em 1590, eles fundaram a Feitoria da Ibiapaba. Os holandeses também já negociavam com os nativos cearenses, a exemplo do capitão Jean Baptista Sijens, que esteve no Mucuripe em 1600.[28][29]
Entre 1597 e 1598, um ramo da etnia potiguara, que habitava a região ao redor da Fortaleza dos Reis Magos, migrou e se fixou na região entre as margens dos rios Cocó e Ceará e nos sopés ao norte das serras de Pacatuba e Maranguape.[28]
Graças ao contatos mantidos entre os índios Potyguara e portugueses, estes últimos planejaram chegar ao Ceará e estabelecer um ponto de apoio na jornada para os Maranhão. Desta forma, a primeira tentativa efetiva de colonização portuguesa ocorreu com Pero Coelho de Sousa em 1603, que fundou o Forte de São Tiago na Barra do Ceará. Em 1605, porém, sobreveio a primeira seca registrada na história cearense,[30][31] fazendo com que Pero Coelho e sua família abandonassem o Ceará. Depois da partida, os padres jesuítas Francisco Pinto e Luís Figueira chegaram ao Ceará com o intuito de evangelizar os silvícolas. Avançaram até a Chapada da Ibiapaba, onde ficaram até a morte do padre Francisco Pinto. O padre Luís Figueira retornou a Pernambuco em 1608, sem grandes sucessos.[32]
Em 1612, uma nova expedição portuguesa foi enviada como parte dos esforços de conquista do Maranhão, então dominado pelos franceses. Fez parte desta jornada Martim Soares Moreno, que fundou o Fortim de São Sebastião, também na Barra do Ceará. Ao retornar, em 1621, encontrou o forte destruído, mas lançou as bases para o início da exploração econômica pelos portugueses e a convivência com os nativos.[33][34]
Ocupação holandesa
Os holandeses, já estabelecidos em Pernambuco desde 1630, tentaram invadir o Ceará em 1631, atendendo ao pedido das nações indígenas cearenses. A primeira tentativa de conquista holandesa, entretanto, fracassou. Em 1637, o território foi tomado pelos holandeses, graças um trabalho conjunto com os índios nativos, no qual os portugueses foram feitos prisioneiros e levados para Recife. Os holandeses estabeleceram-se e também chegaram usar o Ceará com ponto de apoio à conquista holandesa do Maranhão, em 1641.[35]
Nessa época de ocupação holandesa, entre 1637 e 1644, o forte da Barra do Ceará foi reformado, foi construído outro em Camocim, as pesquisas para a exploração das salinas foram feitas e, em 1639, George Marcgraf veio ao Ceará para uma expedição que se deu partindo do Fortim de São Sebastião e percorreu o oeste cearense até a região dos Inhamuns.[35]
De 1644 até 1649, o Ceará foi administrado pelas etnias então existentes. A presença europeia só recomeçou ao fim desse período, depois de contatos e negociações feitas entres os nativos e Antônio Paraupaba em 1648.[36] Com a chegada de Matias Beck, em 1649, o Siará Grande entrou num novo período histórico: na embocadura do riacho Pajeú, o Forte Schoonenborch foi construído, os trabalhos de busca das supostas minas de prata foram iniciados e os holandeses procuraram mais uma vez se estabelecer na região em parceria com os indígenas.[37]
Após a capitulação holandesa em Pernambuco, o forte foi entregue aos portugueses, que o rebatizaram de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, restabelecendo-se, assim, o poderio português no território.[38] Neste período, muitas das nações indígenas que apoiaram os holandeses, que não estavam protegidas pelo Tratado de Taborda, fugiram para o resto do Ceará, procurando refúgio das retaliações lusas.[39]
Da restauração do domínio português ao Império
Na continuação da colonização pelos portugueses,[33] a influência dos jesuítas foi determinante, resultando na criação de aldeamentos, como os de Porangaba, Paupina, Viçosa e outros, muitos deles fortemente militarizados, nos quais os indígenas eram concentrados para serem catequizados e assimilarem a cultura lusitana. Tribos tupis aliadas dos portugueses também se instalaram em vilas militarizadas na capitania. Dessas reduções, surgiram às primeiras cidades da capitania, como Aquiraz e Crato. O processo de aculturação, no entanto, não se deu sem grandes influências de crenças e costumes nativos. A intensa resistência levou a episódios sangrentos, destacando-se a Guerra dos Bárbaros, que se deu ao longo de várias décadas do século XVIII e que resultou na fuga dos habitantes da então capital, Aquiraz, em 1726, para Fortaleza, para a qual foi transferido tal título.[40] As principais vilas da capitania da época eram Aracati, Crato, Icó e Sobral. A que mais ganhou destaque foi Aracati, devido ao comércio de couro e carne de charque. Entre os anos de 1750 a 1800, Aracati viveu seu apogeu.[41] Outras frentes colonizadoras surgiram com a instalação da pecuária na capitania através dos sertões de dentro e sertões de fora, com levas oriundas respectivamente da Bahia e de Pernambuco.[42]
Em 1812, foi nomeado governador do Ceará o português Manuel Inácio de Sampaio e Pina Freire, o qual reuniu os literatos no palácio do governo e deu incentivo às artes e à urbanização da capital por meio dos projetos de Silva Paulet. No começo do século XIX, o Ceará conheceu diversos movimentos rebeldes, como a República do Crato, em 1813, e também influências da Revolução Pernambucana de 1817, além de movimentos de cunho republicano-liberal liderados pela família cratense dos Alencar. Tais movimentos foram reprimidos com dureza pelo governador provincial do Ceará, Inácio de Sampaio.[43]
Em 1824, o Ceará tomou parte na Confederação do Equador, com o liberal Tristão Gonçalves, aplicando um golpe e tornando-se chefe do governo.[44] Era o comandante das armas do Ceará, José Pereira Filgueiras. A Confederação foi frustrada pela forças imperiais e Tristão morreu durante os combates contra as forças legalistas do Império. O comandante José Pereira Filgueiras foi preso, mas conseguiu se libertar, refugiando-se no povoado Saúde, hoje Perdigão, no centro-oeste mineiro.[45] O ciclo de conflitos terminou com a Insurreição de Pinto Madeira, ou Insurreição do Crato, em 1832, liderada pelo "coronel" de Jardim, Joaquim Pinto Madeira, que tinha como objetivo o retorno da monarquia absolutista e representava interesses regionais opostos aos da cidade do Crato, de inspiração marcantemente liberal.[46]
Em meados de 1860, devido à Guerra de Secessão norte-americana, houve um surto de crescimento da produção do algodão. Tal florescimento não durou muito tempo, mas deu grande impulso à modernização da infraestrutura da Província, como exemplo a criação da Estrada de Ferro de Baturité, inaugurada em 1873. Em 1877, tem início a chamada Grande Seca de 1877-1879, um dos mais severos períodos de seca prolongada da história cearense,[48] levando à morte milhares de pessoas e acarretando emigração maciça de retirantes. Fortaleza recebeu uma população de fugitivos da seca quatro vezes maior que seu próprio contingente populacional.[49] Logo após, a produção da borracha explodiu na Amazônia, e muitos cearenses vítimas da seca migraram para esta região.[50]
A gravidade dessa estiagem chamou a atenção do governo central e mesmo de estudiosos, estimulando a produção de textos científicos e propostas de melhoria da situação da população cearense vindas de várias partes do Brasil,[51] cuja maior parte não foi posta em prática ou se relevou ineficaz. Por outro lado, houve um aceleramento nas obras do Açude do Cedro, em Quixadá, a primeira represa pública do Brasil,[52] que foi concluído em 1906.[53] A Grande Seca e as estiagens seguintes impulsionaram o surgimento da indústria da seca e geraram uma tradição migratória no estado.[54] Entre 1869 e 1900, 300 mil cearenses abandonaram sua terra, 85% deles indo para a Amazônia.[55]
Anos antes da proclamação da República, notabilizou-se a campanha abolicionista no Ceará, que logrou abolir a escravidão no estado em 25 de março de 1884, quatro anos antes da Lei Áurea, fazendo do estado o primeiro do Brasil a conseguir tal feito. O movimento contou com a participação de várias sociedades libertárias, inclusive a maçonaria, mas o maior destaque foi de Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, jangadeiro que impulsionou o abolicionismo ao comandar seus companheiros, em 1881, numa total recusa a transportar escravos para dentro ou fora da província.[15]
República Velha
No início da Primeira República, apesar das estiagens que assolaram o Ceará, Fortaleza continuou a desenvolver-se econômica e politicamente, o que não aconteceu tanto no resto do estado. Ocorreu, nas primeiras décadas do século XX, um afluxo de imigrantes, consistindo principalmente de portugueses e sírio-libaneses.[56] Os descendentes destes, em particular, ganharam grande destaque no comércio, como mascates, e, futuramente, na política cearense.[57]
Começou a ganhar destaque a atividade dos cangaceiros, que, agindo em grupos organizados e promovendo saques em cidades e propriedades rurais, desestabilizaram o interior do Nordeste por décadas. A forte religiosidade popular e a grande miséria estimulavam uma profusão de líderes messiânicos e formas de fanatismo religioso. O cearense Antônio Conselheiro, de Quixeramobim, chegou a formar, na Bahia, o arraial de Canudos, cuja forte atração populacional e ideológica, contrária aos interesses da elite fundiária, deflagrou a Guerra de Canudos.[58]
Entre 1896 e 1912, a hegemonia política foi concentrada nas mãos do comendador Nogueira Accioly e de sua família, que estabeleceram uma poderosa oligarquia, cuja influência se estendia pela maior parte dos escalões do poder estadual. Em 1912, Accioly apontara como seu candidato Domingos Carneiro contra Franco Rabelo, representante da política do salvacionismo do presidente Hermes da Fonseca, gerando uma das mais conturbadas campanhas eleitorais do estado. Na Praça do Ferreira, a dura repressão policial a uma passeata de centenas de crianças em favor de Rabelo, que causou a morte de algumas delas e feriu outras, desencadeou uma revolta de três dias da população fortalezense, forçando o governador Accioly a renunciar seu mandato, evento conhecido como Sedição de Fortaleza. Franco Rabelo passou a governar o Ceará.[59]
No fim do século XIX, o carismático Padre Cícero passou a atrair milhares de sertanejos para um pequeno distrito do Crato, que se tornaria Juazeiro do Norte em 1911, persuadidos pela sua fama de milagreiro, atribuída à suposta transformação em sangue da hóstia recebida do padre pela beata Maria de Araújo. Mesmo após ter sua ordenação cassada pelo Vaticano, em virtude de controvérsias sobre o milagre, Padre Cícero tornou-se cada vez mais conhecido e, apesar de seu caráter messiânico, foi hábil em evitar grandes conflitos com a elite local, tornando-se ele próprio um poderoso chefe político.[60]
Em 1914, irrompeu a Sedição de Juazeiro, opondo o governador interventor Franco Rabelo e o Padre Cícero, que havia conquistado os postos de prefeito de Juazeiro do Norte e vice-governador.[60] Em 1915 o Ceará sofreu com uma gravíssima seca, levando a novo êxodo da população para a Amazônia, região que, devido à intermitente mas significativa emigração, recebeu grande influência de cearenses. A gravidade da seca inspirou a escritora Rachel de Queiroz em sua famosa obra O Quinze.[61]
Diante disso, os campos de concentração no Ceará, que já foram usados na estiagem de 1915, foram recriados.[62][63] Conhecidos como Currais do Governo,[64] tinham como objetivo impedir que os retirantes que fugiam da seca e da fome chegassem às grandes cidades. A instabilidade política e social foi crescendo no Estado. Nos anos 1930, surgiu no Crato o movimento messiânico do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, liderado pelo beato José Lourenço.[65]
Da Revolução de 1930 ao período militar
Após a Revolução de 1930, o Ceará passou a ser governado por interventores do Governo Federal.[66] Ascenderam duas organizações políticas que dominaram o cenário estadual: a Legião Cearense do Trabalho, com alegada influência fascista,[67][68] e a Liga Eleitoral Católica, fortemente religiosa, representante da elite tradicional e de grande apelo popular. Nos anos 1940, mais uma seca, em 1943, assolou o Ceará, e, com a Segunda Guerra Mundial e os Acordos de Washington, o governo de Getúlio Vargas incluiu o Ceará no seu projeto político. A instalação de uma base norte-americana em Fortaleza trouxe ideais democráticos e antifascistas que passaram a ser defendidos em várias manifestações. Sob uma forte propaganda governamental de migração e influência do SEMTA, cerca de 30 mil cearenses tornaram-se Soldados da Borracha, produzindo esse produto na Amazônia para abastecer os exércitos aliados.[69]
A República Nova no Ceará teve início com a nomeação sucessiva de seis interventores até as eleições de 1947, seguindo-se a eleição de Faustino de Albuquerque pela UDN. Durante seu governo, nas eleições presidenciais de 1950, o candidato udenista Eduardo Gomes obteve a maior votação, e Getúlio Vargas ficou na 3ª colocação no estado.[70]
Durante a década de 1950 surgiram e se consolidaram vários dos maiores grupos econômicos do Ceará, como Deib Otoch, J. Macêdo, M. Dias Branco, Edson Queiroz e Jereissati. Paulo Sarasate foi o terceiro governador eleito no período. Ainda nessa década, tem início uma nova onda migratória para vários estados e regiões. Entre as décadas de 1950 e 1960, a população cearense passou de 5,1% para 4,5% do total da população brasileira.[71] Em 1958, foi eleito governador Parsifal Barroso, que teve a ajuda do governo federal para combater as mazelas decorrentes da seca daquele ano. Sua principal obra, o Açude Orós, foi inaugurado em 1961. Em Fortaleza, o Grupo Severiano Ribeiro inaugurou o Cine São Luis. Em 1962, foi criado o Banco do Estado do Ceará - BEC.[72]
Em 1963, Virgílio Távora foi eleito governador do Ceará, exercendo o mandato até 1966, mesmo com o início da ditadura militar, em 1964. Seu governo foi marcado pela criação do "PLAMEG I" - Plano de Metas do Governo - que buscou a modernização da estrutura do estado com a ampliação do porto do Mucuripe e a transmissão da energia de Paulo Afonso para a capital.[73]
Plácido Castelo foi eleito pela Assembleia Legislativa em 1966. Durante seu governo, houve perseguição política a deputados e várias manifestações, acarretando a prisão e tortura de estudantes e trabalhadores, assim como atentados a bomba em Fortaleza.[74] Durante o governo de César Cals, de 1971 a 1975, sucedeu-se o auge da repressão militar. Vários cearenses de esquerda estiveram envolvidos na Guerrilha do Araguaia.[75]
Virgílio Távora retorna ao governo em 1979, sendo o último eleito indiretamente, e resgata seu primeiro governo com a criação do PLAMEG II. Estabelece o Fundo de Desenvolvimento Industrial para complementar o sistema de incentivos regionais à indústria, impulsionando uma industrialização muito concentrada na Região Metropolitana de Fortaleza.[76]
Nova República
A Nova República coincide no Ceará com a eleição de Luíza Fontenele para o cargo de prefeita de Fortaleza em 1985. Foi a primeira prefeita de uma capital eleita pelo Partido dos Trabalhadores e a primeira mulher a ser eleita para esse cargo após o regime militar do país. A insatisfação com a política praticada durante a ditadura militar e o movimento de redemocratização impulsionaram as transformações no poder político, com a decadência da hegemonia tradicional do coronelismo.[77]
Gonzaga Mota deixou o governo com pagamentos atrasados ao funcionalismo e descontrole nas contas públicas.[78] Rompido com os antigos aliados, Mota, junto com partidos de esquerda e o PMDB, apoia a candidatura oposicionista liderada pelo jovem empresário Tasso Jereissati, que conseguiu se eleger com a promessa de modernizar a administração pública e as finanças, combater o clientelismo dos governos anteriores, moralizar a administração pública e desenvolver a economia estadual. A nova gestão se autodenominou como Governo das Mudanças.[79] Nas duas décadas seguintes, o projeto avançou com a eleição de Ciro Gomes, seguida de um segundo mandato de Tasso Jereissati. Com a instituição da reeleição no país, Tasso ainda governou o Estado pela terceira vez, tornando-se o primeiro político brasileiro a conseguir tal feito em mais de 100 anos de história republicana.[77] Nas duas décadas seguintes, Jereissati e seus aliados passaram a deter a hegemonia política no Estado, e rapidamente perderam a aliança com partidos mais à esquerda.[77] Ciro Gomes, então prefeito de Fortaleza, se candidatou e foi eleito em 1990 para o cargo de governador, apoiado por Tasso.
Os Governos das Mudanças priorizaram o aumento das receitas, visando a investimentos públicos e privados em infraestrutura e nos setores industrial e de serviços, enquanto o agropecuário permaneceu à margem. Politicamente, houve uma relativa diminuição de poder dos coronéis, com ampliação do poder do grande empresariado. O saneamento das contas estaduais - atingido, em parte, pelo propósito de diminuir as despesas através de reformas administrativas e financeiras, bem como de demissões e achatamento salarial no funcionalismo público - garantiu superávits entre 1988 e 1994, mas, com a consolidação do Plano Real, volta-se a uma predominância de déficits.[78]
Tasso foi eleito novamente em 1994 e reeleito em 1998, concentrando os esforços governamentais em grandes obras, como o Porto do Pecém, o novo Aeroporto Internacional de Fortaleza, o Açude Castanhão, o Centro Cultural Dragão do Mar e o Canal da Integração. O terceiro Governo das Mudanças, de 1994 a 1997, caracterizou-se pela privatização de algumas empresas estatais e extinção de órgãos, enxugando a máquina, reformando a previdência estadual e dando maior racionalidade aos gastos públicos.[78] Lúcio Alcântara, eleito com o apoio de Tasso, continuou, em linhas gerais, o modelo político anterior, mas não conseguiu se reeleger em 2006, quando rompeu com o PSDB, posteriormente mudando para o Partido da República. Cid Gomes, do PSB, ex-prefeito de Sobral e aliado histórico de Tasso, venceu a disputa, com o apoio do Partido dos Trabalhadores, que, em Fortaleza, já havia vencido com Luizianne Lins, eleita em 2004 mesmo sem apoio real do partido, o qual, devido às alianças partidárias nacionais, apoiou o candidato Inácio Arruda, do PCdoB.[80]
O Estado se beneficiou também da guerra fiscal, que então se iniciava, o que, somada à mão de obra barata, atraiu várias indústrias, as quais se concentraram em algumas poucas cidades. O crescimento médio do PIB, de 4,6%, foi superior à média nacional e nordestina nos anos 1990, continuando a tendência iniciada na década de 1970.[81]
O forró eletrônico se popularizou na década de 1990, e o Ceará começou a despontar, seguindo a tendência do litoral nordestino, como grande polo do turismo brasileiro. Ao longo dessa década, com ações como o Programa de Saúde da Família (PSF), o Estado também realizou grandes avanços na redução de índices como a mortalidade infantil. A migração em direção a Fortaleza seguiu forte.[82]
Apesar de vários avanços na saúde e educação básicas e do crescimento econômico estável, a chamada Era Tasso não alterou a estrutura socioeconômica problemática do Ceará, em especial a concentração de renda,[77] que piorou entre 1991 e 2000,[83] a má distribuição fundiária e a enorme disparidade regional, sobretudo entre a capital e o interior. Em 1999, segundo o Banco Mundial, metade dos cearenses viviam abaixo da linha de pobreza.[78] No início do século XXI, consolidou-se a tendência de queda na tradicional emigração de cearenses, que, no período 2001 a 2006, reverte-se para um saldo positivo de 38,3 mil pessoas, o que se atribui à melhoria das condições de vida e à maior estabilidade proporcionada por programas sociais, que permitiram a fixação do povo pobre em sua terra e o retorno de parte dos emigrantes.[84]