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tratado internacional para a criação de uma ortografia unificada para o português Da Wikipédia, a enciclopédia livre
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (abreviado AO90), também denominado Ortografia Unificada da Língua Portuguesa, é um tratado internacional firmado em 1990 com o objetivo de criar uma ortografia unificada para o português, a ser usada por todos os países de língua oficial portuguesa (lusófonos); assinado por representantes oficiais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe na cidade de Lisboa, em 16 de dezembro de 1990.[1] Após a recuperação da independência, Timor-Leste aderiu ao Acordo em 2004. O processo negocial que resultou no Acordo contou com a presença de uma delegação de observadores da Galiza.[2][3]
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 | |
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Dicionário com indicação das palavras alteradas com a entrada em vigor do Acordo Ortográfico. | |
Tipo | Língua e ortografia |
Local de assinatura | Lisboa, Portugal |
Signatário(a)(s) | Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe |
Assinado | 16 de dezembro de 1990 (34 anos) |
Publicação | |
Língua(s) | português |
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 pretende instituir uma ortografia oficial unificada para a língua portuguesa, com o objetivo explícito de pôr fim à existência de duas normas ortográficas oficiais divergentes, uma no Brasil e outra nos restantes países de língua oficial portuguesa, contribuindo assim, nos termos do preâmbulo do Acordo, para aumentar o prestígio internacional do português. Na prática, o acordo estabelece uma unidade ortográfica de 98% das palavras, contra cerca de 96% na situação anterior. Contudo, um dos efeitos do Acordo foi o de dividir ainda mais estes países, criando agora três normas ortográficas: a do Brasil, de Portugal e dos restantes países africanos que não implantaram o Acordo apesar de o terem assinado. É dado como exemplo motivador pelos proponentes do Acordo[4] o castelhano, que apresenta diferenças, quer na pronúncia quer no vocabulário entre a Espanha e a América hispânica, mas está sujeito a uma só forma de escrita, regulada pela Associação de Academias da Língua Espanhola. Por outro lado, os oponentes têm apontado o facto de a ortografia da língua inglesa (e de tantas outras) apresentar variantes nos diversos países anglófonos, sem que a ortografia inglesa tenha sido objecto de regulação estatal legislada.[5]
A adoção da nova ortografia, de acordo com o Anexo II do Acordo (a Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,[6] que se baseia numa lista de 110 mil lemas da Academia das Ciências de Lisboa),[7] acarreta alterações na grafia de cerca de 1,6% do total de palavras (lemas) na norma em vigor em Portugal, nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), no Timor-Leste e na Região Administrativa Especial de Macau e de aproximadamente 0,8% do total de palavras (lemas) na brasileira.[8] Mas, de acordo com o vocabulário[9] elaborado em 2008 pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional (Lisboa) a partir da base de dados linguísticos MorDebe[10] com 135 mil lemas, a percentagem de lemas afetados — ou seja, palavras simples não flexionadas que constituem entradas num dicionário ou vocabulário — ascende a quase 4% na norma europeia.[11] Este número inclui tanto as palavras que apresentam modificações efetivas na grafia, como as que passam a ser variantes legalmente válidas em toda a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O teor substantivo e o valor jurídico do tratado não suscitaram consenso entre linguistas, filólogos, académicos, jornalistas, escritores, tradutores e personalidades dos setores artístico, universitário, político e empresarial das sociedades dos vários países de língua portuguesa. Na verdade, a sua aplicação tem motivado discordância por motivos técnicos, havendo quem aponte lacunas, erros e ambiguidades no texto do Acordo ou simplesmente conteste a adequação ou a necessidade de determinadas opções ortográficas, como a introdução de facultatividades (i.e., possibilidade de a mesma palavra ter mais do que uma grafia permitida) em vários domínios da ortografia (acentuação, maiusculação e consoantes mudas), a supressão das chamadas "consoantes mudas" (i.e., as que não se pronunciam), as novas regras de hifenização, a supressão do acento diferencial em diversas palavras e a supressão do trema. Também tem havido contestação ao Acordo com fundamentos políticos, económicos e jurídicos, havendo mesmo quem tenha afirmado, em Portugal, a inconstitucionalidade do tratado.[12][13] Outros ainda afirmaram que o Acordo Ortográfico serve, acima de tudo, a interesses geopolíticos e económicos do Brasil.[14][15] O certo é que o Art.º 9.º (Tarefas Fundamentais do Estado) da Constituição da República Portuguesa refere expressamente o uso e difusão internacional da língua portuguesa, mas não se conhece nenhum parecer autorizado sobre a inconstitucionalidade do teor das bases ortográficas do Acordo de 1990.[carece de fontes]
O Acordo Ortográfico de 1990 chegou à década de 2020 sem adoção completa pelos países de língua oficial portuguesa e sem atingir seus objetivos de unificação da ortografia e compilação de um vocabulário comum à Lusofonia. Atualmente, entre os membros da CPLP, apenas Portugal, Brasil e Cabo Verde implantaram o acordo em todas as suas etapas de assinatura, ratificação e transição ortográfica, enquanto o mesmo processo apresenta pendências em demais países de língua oficial portuguesa, inclusive havendo um país, Angola, que nem sequer o ratificou.[16] A ortografia anterior à reforma persiste em vários países, inclusive nas redações de jornais angolanos e moçambicanos.[17][18]
Até ao início do século XX, tanto em Portugal como no Brasil, seguia-se uma ortografia que, por regra, se baseava nos étimos latino ou grego para escrever cada palavra[19] (exemplos: architectura, caravella, diccionario, diphthongo, estylo, grammatica, lyrio, parochia, kilometro, orthographia, pharmacia, phleugma, prompto, psychologia, psalmo, rheumatismo, sanccionar, theatro, etc.).
Em 1911, no seguimento da implantação da república em Portugal, foi levada a cabo uma profunda reforma ortográfica — a Reforma Ortográfica de 1911 — que modificou completamente o aspeto da língua escrita, aproximando-o muito do atual. No entanto, essa reforma foi feita sem qualquer acordo com o Brasil,[20] pelo que os dois países passaram a ter ortografias diferentes: Portugal com uma ortografia reformada, o Brasil com a ortografia tradicional (dita pseudoetimológica).[21]
Ao longo dos anos seguintes, a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras foram protagonizando sucessivas tentativas de estabelecimento de uma grafia comum a ambos os países. Embora tenha sido feito um primeiro acordo em 1931, como os vocabulários que se publicaram em 1940 (em Portugal) e 1943 (no Brasil) continuavam a conter algumas divergências, realizou-se um novo encontro que deu origem ao Acordo Ortográfico de 1945. Este acordo tornou-se lei em Portugal pelo Decreto n. 35.228/45.[22] No Brasil, o Acordo de 1945 foi aprovado pelo Decreto-Lei n. 8.286/45,[23] mas não foi ratificado pelo Congresso Nacional, sendo por fim revogado pela Lei n. 2.623/55,[24] continuando os brasileiros a regular-se pela ortografia do Formulário Ortográfico de 1943.[25]
Novo entendimento entre Portugal e o Brasil — efetivo em 1971 no Brasil e em 1973 em Portugal — aproximou a escrita dos dois países, suprimindo-se os acentos gráficos responsáveis por 70% das divergências entre as duas ortografias oficiais[26] e aqueles que marcavam a sílaba subtónica nos vocábulos derivados com o sufixo -mente ou iniciados por -z- (ex.: sòmente, sòzinho, pèzão). Novas tentativas de acordo saíram goradas em 1975 — em parte devido ao período de convulsão política que se vivia em Portugal — e em 1986 — devido à reação que se levantou em ambos os países, principalmente a propósito da supressão da acentuação gráfica nas palavras esdrúxulas (ou proparoxítonas).[27]
No entanto, como, segundo os proponentes da unificação, a persistência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa — a luso-africana e a brasileira — impedia a unidade intercontinental do português e diminuía o seu prestígio no mundo, foi elaborado um "Anteprojeto de Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa"[28] em 1988, atendendo às críticas feitas à proposta de 1986, que conduziu à assinatura do novo Acordo Ortográfico em 1990.[3][29]
Em 1986, após negociações no Encontro de Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, os países lusófonos presentes em igualdade decidiram, em 12 de maio daquele ano, aprovar as “Bases Analíticas da Ortografia Simplificada da Língua Portuguesa de 1945, renegociadas em 1975 e consolidadas em 1986”.[30]
Os estudiosos contrários ao Acordo[quem?] apontam para o facto de que nenhum Acordo pode dar prestígio a nenhuma língua, ficando isso à responsabilidade dos falantes. Também sustentam que não se pode aproximar variantes de culturas separadas, dado que cada variante deve ser representativa da sua cultura e não de uma outra. Linguistas, historiadores e críticos comparam o Acordo com uma tentativa de neocolonialismo por parte do Brasil. Defendem que, para as variantes se juntarem, há que se juntar as pessoas — verdadeiras criadoras da língua —, e enquanto estas estiverem separadas culturalmente cada Acordo é um abuso por parte dos políticos.[carece de fontes]
Para a elaboração do Acordo Ortográfico, reuniram-se na Academia das Ciências de Lisboa, no período de 6 a 12 de outubro de 1990, as seguintes delegações:[2]
Para além destes, no Anteprojeto de Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa,[37] de 1988, e no Encontro de Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa, realizado na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, entre 6 e 12 de maio de 1986,[2] intervieram ainda: Maria Luísa Dolbeth e Costa (Angola); Abgar Renault, Adriano da Gama Kury, Austregésilo de Ataíde, Celso Ferreira da Cunha, Eduardo Mattos Portella, Francisco de Assis Balthar Peixoto de Vasconcellos e José Olympio Rache de Almeida (Brasil); Corsino Fortes (Cabo Verde); Paulo Pereira (Guiné-Bissau); Luís Filipe Pereira (Moçambique); Maria de Lourdes Belchior Pontes e Mário Quarin Graça (Portugal).[carece de fontes]
No artigo 3.º, o "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)" previa a sua entrada em vigor a 1 de janeiro de 1994, mediante a ratificação de todos os membros. No entanto, como apenas Portugal (em 23 de agosto de 1991[38]), Brasil (em 18 de abril de 1995[39]) e Cabo Verde[40] ratificaram o documento, sua entrada em vigor ficou pendente.
Assim, em 17 de julho de 1998, na cidade da Praia, foi assinado um "Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa" que retirou do texto original a data para a sua entrada em vigor, embora continuasse a ser necessária a ratificação de todos os signatários para que o Acordo de 1990 passasse a vigorar.[41]
Em julho de 2004, os chefes de Estado e de governo da CPLP, reunidos em São Tomé e Príncipe, aprovaram um "Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico"[42] que, para além de permitir a adesão de Timor-Leste, previa que, em lugar da ratificação por todos os países, fosse suficiente que três membros da CPLP ratificassem o Acordo Ortográfico para que este entrasse em vigor nesses países.[40]
Vasco Graça Moura, escritor e ex-eurodeputado, um dos mais conhecidos opositores do Acordo, defende que o Segundo Protocolo Modificativo, como qualquer outra convenção internacional, só obriga à sua aplicação em cada país se for ratificado por todos os países signatários, o que ainda não aconteceu. Ou seja, só depois de todos os países ratificarem este Protocolo é que estes ficam obrigados a implementar o Acordo internamente. No entanto, este argumento da ilegalidade da ratificação do Protocolo Modificativo de 2004 é contestado pelo jurista e ex-eurodeputado Vital Moreira.[43]
O Brasil ratificou o "Segundo Protocolo Modificativo" em outubro de 2004 e, em abril de 2005, Cabo Verde também. A 17 de novembro de 2006, de uma assentada, São Tomé e Príncipe ratificou o Acordo e os dois protocolos modificativos,[44] cumprindo-se o estabelecido por este Protocolo. Apesar de, na prática, as novas normas já poderem ter entrado em vigor nos três países que ratificaram o Acordo e os protocolos modificativos, considerou-se inviável avançar sem que Portugal também desse por concluído todo o processo. Após alguns adiamentos, a Assembleia da República portuguesa acabou por ratificar o "Segundo Protocolo Modificativo" em 16 de maio de 2008,[45] sendo o texto promulgado pelo presidente da república Cavaco Silva a 21 de julho de 2008.[46]
Reunidos em Lisboa no dia 25 de julho de 2008, na Declaração sobre a Língua Portuguesa os chefes de Estado e de governo da CPLP manifestaram "o seu regozijo pela futura entrada em vigor do Acordo Ortográfico, reiterando o compromisso de todos os Estados membros no estabelecimento de mecanismos de cooperação, com vista a partilhar metodologias para a sua aplicação prática".[47] Na declaração final da reunião dos ministros da Cultura e Educação havida em Lisboa, em 15 de novembro de 2008, apelou-se "aos Estados Membros que ainda o não fizeram para que ratifiquem os protocolos modificativos e implementem o Acordo Ortográfico e aos que já ratificaram os protocolos modificativos para que estabeleçam no mais curto espaço de tempo uma data comum para implementar a sua utilização nos documentos e publicações oficiais".[48] Paralelamente, o ministro português José António Pinto Ribeiro afirmou que "assim que tivermos o Acordo ratificado por todos os membros da CPLP, temos o instrumento necessário para avançar na ONU e fazer com que o Português seja uma das línguas de trabalho".[49]
A 3 de setembro de 2009, o ministro timorense da Educação, João Câncio Freitas, informou que a ratificação do Acordo Ortográfico já se tinha efetuada, "conforme Resolução do Parlamento Nacional da República Democrática de Timor-Leste".[50] A 24 de novembro do mesmo ano foi a vez de os deputados da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau também ratificarem, por unanimidade, o Acordo Ortográfico.[51] Finalmente, a 7 de junho de 2012, o Conselho de Ministros de Moçambique ratificou também o Acordo Ortográfico.[52]
Fica a faltar apenas Angola[53] que, através do Ministério da Educação, começou também a preparar a ratificação do documento, afirmando que entrará em vigor logo que seja ratificado.[54]
No Artigo 2.º do Acordo Ortográfico de 1990 lê-se:
Como tal, segundo algumas opiniões, a publicação de um vocabulário ortográfico comum a todos os países lusófonos deveria preceder a entrada em vigor das normas do Acordo Ortográfico.[56] Na verdade, para que haja uma ortografia oficial comum é necessária a existência de um vocabulário comum que inclua as grafias consideradas corretas para todos os povos da lusofonia. É, por exemplo, necessário que esse vocabulário tenha duplas entradas nos casos de dupla grafia (ex.: académico e acadêmico, facto e fato, receção e recepção, etc.), bem como delibere sobre o aportuguesamento de palavras estrangeiras, a adoção de neologismos e as terminologias científicas e técnicas.[57] Os estudiosos que estão contra o Acordo[quem?] lembram que a quantidade de duplas grafias criadas é um sinal de que a unificação pela oralidade é um absurdo, dado que as pronúncias divergem mesmo dentro de cada país e a língua Portuguesa abrange vários continentes. Unificação pela etimologia é o único critério que pode, de facto, aproximar todas as palavras que divergiram.[carece de fontes]
Num parecer enviado pela Academia das Ciências de Lisboa ao Instituto Camões em 2005, assinado por João Malaca Casteleiro, aquela instituição manifestou a necessidade da elaboração de um vocabulário comum, corroborando o estipulado no Acordo:
Nesse parecer, Malaca Casteleiro declarou ainda que a Academia portuguesa estava preparada e disponível para efetuar num prazo de seis meses (ou seja, até meados de 2006) uma primeira versão do vocabulário com cerca de 400 mil entradas, a submeter à Academia brasileira.[59]
No entanto, em 18 de março de 2009, o presidente da Academia Brasileira de Letras, Cícero Sandroni, apresentou publicamente a nova edição revista e atualizada do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, com a grafia de 381.128 palavras, já com as devidas alterações preconizadas pelas novas regras ortográficas e dirimindo várias dúvidas e omissões presentes no texto do Acordo.[60] O filólogo Evanildo Bechara, responsável pela elaboração deste VOLP, disse que não tinham sido consultados especialistas portugueses porque "em nenhum momento o Acordo fala em vocabulário comum. O VOLP, portanto, é brasileiro, e os outros países de língua portuguesa poderão criar os seus."[60][61] Este VOLP não contou com a colaboração de instituições portuguesas, alegadamente porque a entrada em vigor do Acordo em Portugal tinha um prazo mais dilatado do que no Brasil.[62] No entanto, podemos assim concluir que vários são os aspectos que divergem as variantes — não só sintáticas mas léxicais — e que retirar tremas e consoantes mudas pouco muda nessa diferença.[carece de fontes]
Em abril de 2009, o ministro da Cultura português, José António Pinto Ribeiro, levantou a possibilidade de a edição portuguesa do VOLP vir a ser feita por outra entidade, por alegada incapacidade da Academia das Ciências de Lisboa para fazê-lo.[63] No entanto, a Academia das Ciências de Lisboa, em comunicado à imprensa de junho do mesmo ano,[64] anunciava já estar a elaborar uma nova edição do Vocabulário da Língua Portuguesa, a publicar até ao final de 2009. Esta nova edição do Vocabulário da Academia teria a supervisão científica dos professores catedráticos Maria Helena da Rocha Pereira e Aníbal Pinto de Castro, entretanto falecido, tendo a responsabilidade editorial sido entregue à Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Antecipando-se à ACL, em outubro do mesmo ano, a Porto Editora lançou um Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, sob a orientação científica de João Malaca Casteleiro.[65] A obra contém mais de 180 mil vocábulos da variante europeia e, ainda, mais de cinco mil vocábulos próprios do português do Brasil, assim como africanismos, asiaticismos e galeguismos, além de nomes próprios e topónimos.[66] Em janeiro de 2010 foi publicado,[67] no Portal da Língua Portuguesa, de acesso gratuito, o Vocabulário Ortográfico do Português, com cerca de 150 mil entradas com informação flexional e derivacional, formação de plurais e conjugação de verbos. A obra foi apoiada e financiada pelo Fundo da Língua Portuguesa, sob a alçada de seis ministérios portugueses, e desenvolvida no Instituto de Linguística Teórica e Computacional, de Lisboa, contando com um número alargado de consultores de diversas instituições científicas portuguesas. A 9 de dezembro de 2010, na Resolução[68] que determina a aplicação do Acordo Ortográfico no sistema educativo português no ano letivo de 2011-2012 e, a partir de 1 de janeiro de 2012, em todos os serviços, organismos e entidades do Estado,[69] estipula-se que este mesmo Vocabulário Ortográfico do Português, desenvolvido pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional, é adotado como oficial em Portugal.
Para além das academias brasileira e portuguesa, a Academia Galega da Língua Portuguesa apresentou em 2009 um Léxico da Galiza, com mais de 800 entradas, a ser integrado no Vocabulário Comum.[70] Também Angola anunciou que estava a fazer um levantamento do vocabulário angolano, com vista a vir a incluí-lo no comum.[71]
Com o Acordo Ortográfico já legalmente em vigor em vários países, em junho de 2010 os ministros da Cultura da CPLP anunciaram a criação de um grupo de trabalho com a incumbência de, finalmente, elaborar um Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa abrangendo todos os países lusófonos,[72] que deveria ficar concluído em julho de 2014.[73]
Entretanto, apesar das ambiguidades do texto do Acordo Ortográfico e das dúvidas que levanta em diversos pontos, tanto em Portugal[74] como no Brasil[75] tem-se dado à estampa sucessivos dicionários de língua portuguesa observando as normas do Acordo Ortográfico.[76]
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 é composto por quatro partes:
"A existência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa, a lusitana e a brasileira, tem sido considerada como largamente prejudicial para a unidade intercontinental do português e para o seu prestígio no Mundo." Assim começa a Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, redigida pelo grupo proponente do texto do Acordo. Acompanhando o Acordo Ortográfico, este é o documento em que são explicitadas as diversas alterações em relação às grafias anteriores e se justificam as opções tomadas.[79]
Historial das sucessivas iniciativas tendentes à unificação ortográfica entre Portugal e Brasil empreendidas desde que, em 1911, Portugal levou a cabo a primeira grande reforma ortográfica da língua portuguesa, não extensível ao Brasil. A máxima diferenciação ortográfica verificou-se aquando da adoção do Formulário Ortográfico de 1943 no Brasil[20] e do Acordo Ortográfico de 1945 em Portugal.[22] Quase três décadas mais tarde, em 1971 no Brasil e em 1973 em Portugal, foram promulgadas leis que reduziram substancialmente as divergências ortográficas entre os dois países.[80] No entanto, iniciativas levadas a cabo em 1975 e, principalmente, em 1986 (esta última já com representantes os cinco novos países africanos lusófonos) falharam nos seus intuitos de formulação de regras ortográficas únicas para todos os países de língua portuguesa.[80]
O grande motivo do malogro do Acordo Ortográfico de 1945 e da tentativa de acordo de 1986 residiu na tentativa de imposição de uma unificação ortográfica absoluta.[80]
Em 1945 propunha-se uma unificação ortográfica que englobava a totalidade do vocabulário geral da língua. No entanto, isso seria conseguido principalmente através da reintrodução no Brasil das chamadas consoantes mudas ou não articuladas e da generalização da prática portuguesa de grafar com acento agudo, e não circunflexo, as vogais tónicas e e o, seguidas das consoantes nasais m e n, nas palavras proparoxítonas (ou esdrúxulas). No entanto, tais propostas acabaram por não ser aceitas pelos brasileiros.[80] Na tentativa de acordo de 1986, por seu lado, propunha-se, também, uma unificação ortográfica praticamente absoluta, mas à custa de uma drástica simplificação do sistema de acentuação gráfica, pela supressão dos acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas, o que não foi bem aceito por uma parte substancial da opinião pública portuguesa.[81]
Perante a inviabilidade de igualar em absoluto na escrita divergências que assentam em claras diferenças de pronúncia, houve que se optar por "uma versão menos forte do que as que foram conseguidas em 1945 e 1986", porém "ainda assim suficientemente forte para unificar ortograficamente cerca de 98% do vocabulário geral da língua".[80]
O Acordo Ortográfico de 1990 valoriza o critério fonético (ou da pronúncia), com certo detrimento do critério etimológico. É o critério da pronúncia que dita a supressão gráfica das consoantes mudas, ainda mantidas fora do Brasil essencialmente por razões etimológicas. E é também o critério da pronúncia que leva a manter um certo número de grafias duplas — caráter e carácter, facto e fato, sumptuoso e suntuoso, etc. — e de dupla acentuação gráfica — económico e econômico, efémero e efêmero, bónus e bônus, bebé e bebê, metro e metrô, etc.[82]
Na solução a adotar na grafia das consoantes c e p, em certas sequências consonânticas interiores, tem residido uma das principais dificuldades na unificação da ortografia da língua portuguesa, já que existem fortes divergências na sua articulação:
O sistema de acentuação gráfica do português que, na essência, remonta à Reforma Ortográfica de 1911, não se limita a assinalar a tonicidade das vogais sobre as quais recaem os acentos gráficos, mas distingue também o timbre destas. Assim, e tendo em conta as diferenças de pronúncia entre o português europeu e o do Brasil, era natural que surgissem divergências de acentuação gráfica entre as duas realizações da língua.[79] Este e outros argumentos fizeram Malaca Casteleiro admitir que a unificação a 100% é mito e que Academia de Ciências de Lisboa nunca adoptou o Acordo.[88]
Não tendo sido possível estender ao Brasil a prática lusitana de acentuação gráfica, conforme tentado em 1945, por um lado, e, por outro, tendo grande parte da opinião pública portuguesa recusado a abolição dos acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas proposta em 1986,[89] a única solução foi conservar a dupla acentuação gráfica em determinados casos perfeitamente delimitados e onde é possível enunciar uma regra de aplicação.[79]
Surgem assim as duplas grafias em certas palavras nas vogais tónicas e e o que soam abertas em Portugal e nos países africanos, recebendo, por isso, acento agudo, mas que são de timbre fechado em grande parte do Brasil, grafando-se por conseguinte com acento circunflexo: académico e acadêmico, cómodo e cômodo, efémero e efêmero, fenómeno e fenômeno, ónus e ônus, pónei e pônei, Vénus e Vênus, matiné e matinê, judo e judô, etc. Os casos de dupla acentuação gráfica abrangem aproximadamente 1,27% do vocabulário geral da língua.[90]
O Acordo Ortográfico preconiza, também, a supressão de acentos gráficos em certas palavras do tipo de para (á), flexão de parar; pelo (ê), substantivo, pelo (é), flexão de pelar, etc., as quais são homógrafas, respetivamente, das proclíticas para, preposição; pelo, contração de per e lo, etc. Como razões justificativas invoca-se a coerência com a abolição do acento gráfico já consagrada em casos semelhantes, como, por exemplo: acerto (ê), substantivo, e acerto (é), flexão de acertar; acordo (ô), substantivo, e acordo (ó), flexão de acordar; cor (ô), substantivo, e cor (ó), elemento da locução de cor; sede (ê) e sede (é), ambos substantivos; etc. Para além disso, refere-se que, tratando-se de pares cujos elementos pertencem a classes gramaticais diferentes, o contexto sintático permite distinguir claramente tais homógrafas.[91]
O texto ortográfico advoga que, no Brasil, não se acentuem com acento circunflexo palavras paroxítonas como abençoo, flexão de abençoar; enjoo substantivo e flexão de enjoar; moo, flexão de moer; povoo, flexão de povoar; voo, substantivo e flexão de voar, etc.,[92] nem se acentuem graficamente os ditongos ei e oi tónicos das palavras paroxítonas. Assim, palavras como assembleia, boleia, ideia, que na norma gráfica brasileira se escreviam com acento agudo, por o ditongo soar aberto, passarão a escrever-se sem acento, tal como aldeia, baleia ou cheia.[93]
A supressão do acento nestes casos justifica-se, não apenas por permitir eliminar uma diferença entre a prática ortográfica brasileira e a lusitana, mas ainda pelas seguintes razões: porque tal supressão é coerente com a já consagrada eliminação do acento em casos de homografia heterofónica, já referida, e também porque no sistema ortográfico português não se assinala, em geral, o timbre das vogais tónicas a, e e o das palavras paroxítonas, já que a língua portuguesa se carateriza pela sua tendência para a paroxitonia. O sistema ortográfico não exige, pois, a distinção entre, por exemplo: cada (â) e fada (á); para (â) e tara (á); espelho (ê) e velho (é); escrevera (ê), flexão de escrever, e primavera (é); moda (ó) e toda (ô); virtuosa (ó) e virtuoso (ô); etc.[79]
Através da consulta de dicionários e da leitura de textos portugueses e brasileiros deparamo-nos, no que respeita ao emprego do hífen, com muitas oscilações e grafias duplas, ou seja, com hífen e sem hífen: ante-rosto e anterrosto, co-educação e coeducação, pré-frontal e prefrontal, sobre-saia e sobressaia, aero-espacial e aeroespacial, agro-pecuária e agropecuária, alvéolo-dental e alveolodental, micro-ondas e microondas; etc. Estas oscilações devem-se a uma certa ambiguidade e falta de sistematização das regras consagradas nos textos anteriores, designadamente no de 1945, sobre esta matéria. Tornava-se, pois, necessário reformular tais regras de modo mais claro, sistemático e simples.[79]
Em 1986 foi proposta uma enorme simplificação e redução do uso do hífen mas, talvez por alterar bastante a prática ortográfica vigente neste domínio, provocaram grande polémica na opinião pública portuguesa. Muitas destas críticas foram tidas em consideração na redação do texto de 1990: